13/01/2006

Meet the Platypus Part II



Tem duas locadoras aqui perto de casa. A mais próxima fica a um quarteirão e sua variedade de títulos deixa bastante a desejar. Tanto que terça-feira cheguei pro cara do balcão e pedi:

- Cê tem o "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças"?

Ele soltou uma risada e devolveu, incrédulo: "Brilho o quê?!". Desisti e andei mais um quarteirão até a próxima locadora, maior e mais diversificada que a primeira. Só de raiva, voltei de lá com seis filmes. Lição do dia: se você trabalha em locadora, não deboche de um nome de filme. Mesmo que seja algo esdrúxulo do nível de "Balzac e a Costureirinha Chinesa".

Na verdade, a pitada de vingança pela troça do funcionário foi apenas uma das razões que me fizeram levar seis devedês pra casa aquele dia. Um crédito especial deve ser concedido, por exemplo, à tentadora plaquinha perto do balcão: "Leve 5 e pague 4". O sexto disquinho veio de brinde. Já quase ia embora quando o funcionário olhou no computador e disse que eu podia levar mais um filme de graça, já que era meu aniversário. O leve 5 virou um leve 6 e pague 4 e me fez voltar pra casa feliz. Isso é que dá ter sangue turco.

Comemorei meus vinte e um anos no Albano´s (rimou), e foi um barato. 138 chopps na mesa devidamente bebidos, amigos e parentes devidamente bêbados e velinhas devidamente sopradas, embora não em cima de bolos como manda o tradicionalismo: o primeiro parabéns foi sobre uma batata embrulhada em papel alumínio com três velas fincadas, e, para o segundo, tive que subir na cadeira para descarregar meu fôlego no fogo aceso sobre uma torre de cinco andares cujas pilastras eram copos de chopp, cheios. O pessoal da mesa de trás deve ter ficado com inveja, a torre deles tinha só uns dois andares. A ressaca no dia seguinte veio severa, em retaliação aos doze ou quinze copos que mandei pra dentro.

Assisti aos filmes alugados durante o resto da semana. Foi uma boa safra. Alguns eu já conhecia, mas melhoraram numa segunda vista. Inclui-se nesse grupo o musical maluco "Moulin Rouge" e o supracitado "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças". No caso do "Brilho Eterno", o problema da primeira vez, quando vi no cinema, foi que eu tinha lido o roteiro pouco antes. Uma experiência deveras interessante, mas assaz prejudicial no caso de um script como esse, calcado em surpresas e reviravoltas. É igual ler um livro e vê-lo em seguida na telona: não que os filmes saídos da literatura sejam necessariamente piores que seus originais (e muitas vezes são até mais legais, como é o caso de "Harry Potter e a Câmara Secreta"). Ocorre é que a gente, quando lê, já faz na cabeça nossa própria direção, cenografia, casting e atuação, às vezes até a trilha sonora, e se decepciona quando não vê reproduzido pelos outros o que a leitura nos fez imaginar. Pior ainda é se mudam alguma cena que julgamos essencial. E eu gostava muito do final lido no roteiro oscarizado de Charlie Kauffman, mas que acabou não entrando na versão filmada pelo Michel Gondry. Uma segunda e mais tranqüila olhadela corrigiu a ligeira má impressão que tive em 2004.

Melhor também ficou "Moulin Rouge" e seu dispensável subtítulo brasileiro ("Amor em Vermelho"). Da primeira vez, vi em inglês, sem legendas e ainda dormi um pedaço. Melhorou bastante assisti-lo depois de uma noite bem dormida e com as misturebas musicais cantadas nos mais exóticos sotaques traduzidas em bom português nas letrinhas amarelas. Os outros filmes da remessa: "Toy Story" (a Pixar carrega mesmo a Disney nas costas desde o começo), "Sociedade dos Poetas Mortos" (superestimado, mas muito bom), "O Chamado" (apenas superestimado... uma premissa bacana que podia ter rendido um filme muito mais interessante) e "Operação França", que não deu tempo de assistir, mas tudo bem, foi de graça mesmo.

Ainda no assunto "seis DVDs": minha mãe ganhou de aniversário, adiantado, seis DVDs do Chico Buarque. Todos copiados, claro. Cada um custa nas lojas cinqüenta pilas, e haja bufunfa pra desembolsar trezentim assim com presente. Quatro deles já assisti com ela. Não são documentários no sentido didático da coisa, explicados tintim por tintim como de praxe, mas conversas com Chico gravadas em Paris, Roma e Rio de Janeiro, entremeadas por filmagens (na maioria das vezes ao vivo) de suas músicas, sozinho ou com alguns de seus chapas, tipo Tom, Francis, Caê, Milton ou Elis. Meu preferido até agora foi o terceiro DVD, Vai Passar, que foi gravado na capital italiana e trata da época em que ele ficou exilado por lá, na época do AI-5. Em todos os filmes, algo em comum: a insistente e irritante gagueira de Chico Buarque, e seu raciocínio que parece não engrenar, rendendo um monte de "é... é..." e "foi o... o..." ao melhor estilo Luiz Munhoz, um cara que vi outro dia na tevê dando uma entrevista patética sobre a não menos patética "operação tapa-buracos" do governo.

Falando em trânsito: tomei outra multa, a terceira de minha coleção. Foram todas por coisinhas bestas: estacionar na calçada (onde achei que era uma extensão do estacionamento de uma das locadoras que mencionei no início deste texto), entrar na contramão, e, agora, não colocar a folhinha do rotativo pendurada no retrovisor. Mantenho minha opinião de que, em se tratando das raças mais desprezíveis deste planeta Terra, os publicitários só perdem para os guardinhas de trânsito.

Ao menos pelo próximo mês não corro o risco de ser multado outra vez. Parto amanhã, sexta-feira 13 (ih!) rumo à terra das box jellyfishes, junto com Bruno, colega de banda e primo-irmão. As notícias que vêm de lá não são exatamente animadoras. Como a água-viva gigante que matou uma garotinha de sete anos, ou as praias que foram fechadas depois que um tubarão comeu os dois braços de uma mulher. A notícia mais famosa envolve não os exóticos animais que por ali transitam, mas sua população: a tal história do catarinense que foi espancado no reveillón em Gold Coast. A imprensa brasileira diz que foi por razões xenófobas, e os jornais australianos insistem que não, os agressores nem sabiam que o fulano era brasileiro. Ou então sabiam e já estão se vingando, por antecipação, da lavada que vão tomar da seleção canarinho na primeira fase da Copa.

Pelo sim, pelo não, vou evitar as provocações. Mas na escala por Buenos Aires, vai ser difícil resistir.

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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