10/08/2009

Berlim Bom Fim



Berlim, Alemanha
3 a 6 de fevereiro de 2007


Depois de treze dias perambulando pelas ruas fáceis de gostar de Madrid, Barcelona, Paris e Amsterdam, quando aportei em Berlim a sensação não foi de amor à primeira vista. Cheguei à noite, dormi meio gripado e só fui ver a cara da cidade na manhã seguinte, ao pôr os pés na estação de metrô. Lixo e escombros perto dos trilhos e uma atmosfera cinza, piorada pelo tempo nublado. Custei a entender como funcionava o sistema de transporte. Primeiro, tinha que comprar o ticket e depois validá-lo em uma outra maquininha, e nada de achar a danada. Depois, fiz umas cinco viagens só pra poder chegar aonde queria, indo na sorte mesmo. Só fui descobrir que existia uma linha subterrânea (U-Bahn) e uma na superfície (S-Bahn) na quarta ou quinta baldeação.

Pisei na Alexanderplatz e aí foi o frio que pegou. Até então, tinha me virado bem com o kit casaco, luvas, cachecol e gorro. Às vezes nem precisava daquilo tudo, e ficava carregando as peças nas mãos. O gorro, então, caiu tantas vezes nas ruas e nos museus que é um milagre que tenha voltado são e salvo. Só que em Berlim, começou um vento daqueles que te faz pensar "o quê que eu tô fazendo aqui", e demorou pra que eu criasse coragem de enfrentar as condições climáticas e desbravar a selva urbana. A calça jeans nada espessa e o tênis bem ventilado definitivamente não ajudavam. Mas aí eu comecei a caminhar pela Unter den Linden, e admirar as construções, e reparar nas reconstruções, e pensar no quanto essa cidade penou de cem anos pra cá e como eles sempre conseguem se reerguer, e quando cheguei no Portão de Brandemburgo já tinha esquecido o frio e mudado completamente de impressão.

O que é muito especial em Berlim é que, enquanto uma Roma ou uma Florença são ricas em História acontecida há centenas, milhares de anos, na capital alemã a coisa toda é muito recente. As pessoas que estão ali na sua frente sofreram com a separação de uma cidade em duas, participaram da queda do famigerado muro. Os pedaços dele estão ali, alguns pintados com palavras de esperança, outros preservados com as doídas pichações escritas na época (como o comovente "To Astrid: maybe someday we will be together" que fotografei), outros vendidos por centavos como souvenir (serão mesmo de verdade? Na dúvida, comprei vários). O museu do Checkpoint Charlie homenageia todas as pessoas mortas em tentativas de atravessar o muro. O Monumento aos Judeus Mortos e a Exposição Topografia do Terror não deixam ninguém esquecer a quantidade muito maior de gente morta por causa de uma etnia.

Nem tudo tem a devida plaquinha explicativa, e muita coisa pode passar despercebida se você não tiver alguém pra te mostrar. Nesse sentido, foi bem interessante o walking tour de três ou quatro horas que fiz com mais um bando de gente. Mais do que um passeio turístico em que você anda, tira fotos e deixa pra viajar em casa, comendo pistache e exibindo os slides, no walking tour o cara parava e dava todos os detalhes dos lugares por onde passávamos. Por exemplo: a Bebelplatz, a praça onde os nazistas queimaram 20 mil livros em maio de 1933, hoje tem um discreto monumento em seu subsolo. É um cômodo branco cercado por prateleiras vazias, com espaço para exatos 20 mil livros, e uma plaqueta com a inscrição: "Aquilo foi somente um prelúdio; onde se queimam livros, queimam-se no final também pessoas".


O albergue onde fiquei era gigante. O Generator Hostel tem 7 andares, zilhões de quartos por andar e umas quinze camas por quarto, além de bar, restaurante, sinuca e muitas outras vantagens pra você (redator publicitário mode on). Foi lá, aliás, onde lavei minhas roupas pela primeira vez na viagem. Segui as instruções, comprei as fichas e demorei umas 2 horas na operação toda. Quando terminou, as roupas não tinham secado direito. A solução menos trabalhosa foi pendurar tudo ao redor da minha cama, estilo cortiço. No dia seguinte, desci pra tomar café e, quando voltei, todas as roupas haviam desaparecido. Saí pelos corredores pedindo informação, já imaginando ter que recomprar um guarda-roupa inteiro em euros pra não ter que andar pelado pela Europa. Finalmente, descobri que a faxineira tinha pegado as peças todas e guardado num escaninho. Não podia ter deixado um bilhete?

Foi também no Generator que conheci o pub crawl. Uma turma de brasileiros viajando junta tinha ido no dia anterior, animou comparecer de novo no domingo e eu fui atrás. Literalmente "rastejar por bares", o pub crawl funciona assim: você paga uma taxa simbólica pra participar, ganha direito a entrada livre em quatro pubs e ainda bebe "suquinho de laranja" (evidentemente batizado com vodka) entre um bar e outro. Do Silberfisch ao Café Zapata, bebi cerveja quente com brasileiros e espanholas até enjoar e saí andando torto às 3 e tantas da manhã. Chegando na estação de metrô, descobri que o próximo só chegava dali a 68 minutos. Fazer o quê? Andar a pé os 6 quilômetros que me separavam do Generator? Fiquei dormindo no banco da estação que nem um mendigo, até o trem aparecer pontualmente no horário previsto.

Berlim ainda me reservaria outras surpresas, como o pseudo-atentado terrorista no prédio do Parlamento e a primeira vez que vi neve caindo sobre minha cabeça. Já contei tudo neste post aqui, então não vou ficar me repetindo. Fica a vontade de voltar pra lá algum dia e a certeza: quem disse que a primeira impressão é a que fica é um baita mentiroso.

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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