23/08/2009

Sono pazzi questi romani



Roma, Itália

12 a 15 de fevereiro de 2007


Olha, o mundo todo devia ser como a União Européia: cheio de diferenças culturais, idiomáticas e gastronômicas entre os países, sim, mas com uma só moeda e essa facilidade incrível de transitar sem chateações alfandegárias e burocráticas encheções de saco. Quando desci em Roma, até perdoei o avião claustrofóbico da Ryanair e o meu ouvido que ficou entupido por dois dias: sair de um aeroporto internacional sem que sequer peçam seu passaporte vale tudo isso.

Me falaram que Roma era feia, que era violenta, mas caminhei bastante pela região da Stazione Termini - que realmente não é das mais vistosas -, inclusive de madrugada, e não tive problema algum. Já a história de que o trânsito romano é o mais próximo que já chegamos do apocalipse não é intriga. Por via das dúvidas, eu só atravessava a rua quando outros transeuntes se aventuravam também.

De resto, passear por Roma é uma beleza, e é melhor que você o faça a pé. O metrô é muito cheio e você acaba perdendo detalhes da paisagem, como um pé gigante de mármore dando sopa numa ruela qualquer ou ruínas que estão ali de bobeira há dois mil anos. Faça o roteiro completo: tome um gelato de stracciatella na escadaria da Piazza Spagna, jogue uma moeda na Fontana di Trevi (mesmo que depois um ladrãozinho maroto meta a mão lá dentro pra pegá-la), prove um gole do pior refrigerante do mundo. Percorra o Circus Maximus, mesmo que nenhum vestígio do circo tenha restado no que hoje parece o gramado do Parque Ecológico da Pampulha. Enfrente a fila do Coliseu e ande pelo Palatino imaginando quanta coisa já se passou naquelas ruínas - só não precisa tirar foto com os legionários fake loucos por uns trocados.

O grande problema de Roma - na visão de quem ficou por lá menos de uma semana, não custa repetir - são mesmo os romanos. Obelix tinha razão: esses romanos são loucos, e o que é pior, mal-educados pra cacete. O albergue onde fiquei, Alessandro Palace Hostel, tinha funcionários que faziam a americana ranzinza do Peace & Love de Paris parecer recepcionista de hotel 5 estrelas. Quando viram que eu era brasileiro, então, danaram a desfilar o repertório de palavrões que eles conheciam na língua de Dercy Gonçalves. Ainda bem que meu repertório é maior e eles não entenderam metade do que eu retruquei.

Mas a fauna de hóspedes do hostel era interessante. Tinha uma californiana com cara de asiática que estava lá há duas semanas, só acordando tarde e saindo com os amigos à noite, "just hanging out" (palavras dela). Tinha dois escoceses que viajavam com dois violões, provavelmente gastando mais com taxas extra do que com as próprias passagens. Fizemos um som no quarto - toquei "Hello" do Oasis e "Karma Police" do Radiohead, as primeiras canções britânicas mais ou menos recentes que me vieram à cabeça. Quando alguém perguntou, em tom de galhofa, se eles vestiam kilt, um deles não hesitou em tirar seu saiote xadrez da mala e exibi-lo com orgulho.

Depois os corteses funcionários do albergue me trocaram de quarto sem motivo aparente, e fui parar em outro com uma chinesa que mora em Tóquio e viajava sozinha pela Itália. Seu nome era quase impronunciável, mas ela se apresentava como "Ding Ding". Era engraçada: pegou meu guia de viagem e ficou horrorizada com a falta de fotos; disse que se um guia não tiver muita, muita foto, japonês não compra. E me mostrou o guia dela, que parecia álbum de figurinhas de tão ilustrado. Ding Ding também comprou um livro em italiano pra tentar aprender a língua. Detalhe: não era um dicionário ou um guia de frases, mas um livro normal, de ficção. Aposto que até hoje ela não sabe o que é porca miseria.

Nesse mesmo quarto, sofri com um dos maiores problemas alberguísticos: o famoso cara que ronca. Em vários dos lugares onde fiquei, sempre tinha alguém que roncava em maior ou menor intensidade, e eu mesmo devo ter dado minhas ressonadas quando bebia um pouco mais. Mas esse cara, um sujeito mais velho que chegou quando eu já estava quase dormindo, embrenhou-se numa barulheira nasal que não cessava nem por determinação de bula papal: cutuquei, soquei o estrado de sua cama por baixo, acendi a luz na cara dele, e ele só parou quando eu já estava sonhando que estava numa convenção da Harley-Davidson.

Quando voltei a Roma três dias depois, fiz questão de não voltar ao Alessandro's.



Cidade do Vaticano, Vaticano
14 de fevereiro de 2007

Como nação, o Vaticano é tão fuleiro que nem fiz um post separado só pra ele. Teoricamente, você pode ficar pisando dentro e fora da Piazza San Pietro e contar depois que fez quatrocentas e cinqüenta viagens internacionais em cinco minutos. Mas é quase a mesma coisa de você entrar num supermercado, derramar uma porção de latas de Pomarola e fundar uma ilha cercada de massa de tomate por todos os lados: alguém pode até entrar na sua e saudá-lo como o Novo Imperador da Licopérsia, mas país, país mesmo, não vai ser nunca.

Como atração, no entanto, o Vaticano é imperdível, mesmo que você - como eu - não seja católico apostólico romano e nem queira tomar bênção de Benedictus XVI. O Vaticano já vale a pena pelo seu incomensurável valor histórico e cultural. Começa com o Museu do Vaticano, cuja entrada não é pela Praça de São Pedro, mas por Roma mesmo. Dá pra passar uma semana inteira ali dentro, admirando as zilhares de estátuas, as salas decoradas por Rafael Sanzio, as obras de arte religiosa moderna que incluem até Dalí. A visitação culmina com a Capela Sistina, invariavelmente abarrotada de turistas. Enquanto eu tava ali com o pescoço doendo de tanto olhar pros afrescos do teto, um funcionário teve que pedir silêncio duas vezes, tamanha a balbúrdia.

Quem conhece a expressão "é como ir a Roma e não ver o Papa" deve imaginar que o Pontífice fica lá o dia inteiro, sentado num sofá e tirando foto com os fiéis. Mas se você realmente for se sentir uma pessoa mais iluminada se topar com Lord Ratzinger, procure saber antes que dia ele vai aparecer, porque ele só celebra missas ali em dias específicos.

Entrei na Basílica de São Pedro no meio de uma missa, mas com velhinhos mais simpáticos no comando. Me infiltrei na multidão pra chegar mais perto do altar, cumprimentei os que estavam mais perto desejando "pace di Cristo", e depois fiquei sentado esperando a massa ir embora para visitar a Basílica com calma. Quando finalmente a turba se dissipou e eu podia respirar tranqüilo, avistei ao longe a Pietà de Michaelangelo e me aproximei, mas fui interrompido por um funcionário:

- Todo mundo tem que sair.
- Não, peraí rapidinho, só vou ali ver a Pietà!
- Não não, todo mundo tem que sair - e me pôs pra fora.

Esses romanos são uns intransigentes.



A Praça de São Pedro, durante a missa.



A mesma praça, depois da missa.



Um pé gigante no meio da rua.




Uma bunda gigante no meio da praça.



Tá vendo o Circus Maximus? Não? Então é melhor pegar um DeLorean pra 50 antes de Cristo.



Guarda l'uccello!



Ave, Caesar, morituri te salutant.



O legítimo Pombo Times New Roman.

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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