20/08/2009

Uppsala abaixo de zero



Uppsala, Suécia
9 a 11 de fevereiro de 2007

Música-tema: "Speedy Gonzales", de Stefan Sundström & Weeping Willows

A Suécia foi um diferencial na minha viagem. Brasileiro que vai a Paris ou Veneza não falta por aí, mas não são tantos os que se atrevem a conhecer a simpática e gelada cidade de Uppsala, 70 quilômetros ao norte de Estocolmo. Uppsala abriga a universidade mais antiga de toda a Escandinávia, a Uppsala Universitet, fundada em 1477. Cabral nem sonhava em pisar na Bahia e calouro já levava trote na Suécia. Muitos alunos notáveis se formaram lá, entre eles Lineu, o cara que criou os nomes científicos da biologia, e 15 ganhadores do Prêmio Nobel - e você feliz por ter ganhado o Criafest.

Pernilla, que também estuda lá mas ainda não ganhou prêmio nenhum, morava numa acomodação específica para estudantes: uma "nation". As nations não pertencem às universidades: são como repúblicas independentes, mas bem maiores, com quartos individuais e cozinhas compartilhadas. Algumas - como a Smålands Nation, da Pernilla - têm até um pub próprio.

Se em Estocolmo conheci comidas típicas e tive fartas opções para o desjejum, em Uppsala nosso café da manhã se resumia a pão e água da torneira (não faça essa cara, a água da torneira da Suécia provavelmente é mais potável do que muita água mineral que você bebe por aqui). E o pão era pão mesmo, sem manteiguinha ou ioiô nutcream. A Pernilla até me fez provar patê de fígado, mas entre isso e pão puro, fico fácil com o segundo. Outras refeições interessantes foram o purê de batata em pó (é só misturar com água que ele adquire a pastosidade do original) e o strogonoff de salsicha que ela preparou e que se parecia com tudo, menos com strogonoff ou com salsicha. Enquanto isso, eu fiquei encarregado de fazer o arroz e, no auge de minha habilidade gastronômica, deixei o negócio queimar a panela nova dela. "You burned my panela!", ela reclamava, falando o nome do objeto em português mesmo: nenhum de nós sabia falar "panela" em inglês, e era de "Panela" que havíamos apelidado Pernilla em Salvador, dada a semelhança da pronúncia de seu nome com o utensílio de cozinha.

Mas a coisa mais estranha que ela me fez experimentar, no pub da Smålands Nation, não foi comida nem bebida, mas um tal de snus. O snus é um troço feito de tabaco que você coloca sob o lábio superior e deixa lá um tempão. O que ele faz? Nada. Não dá onda, não é gostoso, não te deixa feliz. Você fica lá com aquele gosto ruim anestesiando sua boca, achando que pelo menos tá agindo como os locais. Depois descobri que a Pernilla mesmo nunca provou esse negócio.


Uppsala estava com um visual bem agradável. Céu azulão, neve cobrindo tudo e aquela atmosfera da última tirinha de Calvin e Haroldo: "é como ter uma grande folha de papel pra desenhar". Mas no quesito frio, o bicho pegava. Teve noite que fez menos 14 graus, e ao meu figurino habitual - gorro, cachecol, luvas, camisa hering, camisa de manga comprida, casacão, calça jeans, meias de lã e bota - tive que adicionar outro par de meias grossas e uma calça de moletom sob o jeans.

Em um dia dá pra fazer o sightseeing tradicional: a Catedral de Uppsala, maior igreja escandinava e lar eterno do rei Gustav Vasa e outras figuras; o Castelo de Uppsala, que data do século XVI e hoje é lar (temporário) do governador; e o Museum Gustavianum, onde o visitante pode ver antigos artefatos egípcios, tentar decifrar a caligrafia de Lineu em seus bloquinhos de anotações de mil setecentos e fumacinha e visitar um autêntico teatro anatômico, onde muita gente foi dissecada enquanto atentos estudantes teciam suas observações.

Cidade universitária que se preza tem que ter também uma vida noturna à altura. O esquema é parecido com uma Ouro Preto: algumas nations fazem shows, como o da banda Shake the Nation a que assisti na Kalmars Nation; outras fazem festinhas fechadas, cozinha-e-sala, em que cada um leva seu vinho branco de supermercado e todo mundo se diverte. Mais legal que isso, só passar a noite escorregando morro abaixo na neve.

O "esporte" chama-se pulka. Na verdade não é bem um esporte, mas uma brincadeira bem semelhante ao esquibunda que se pratica na grama ou nas areias das praias, só que na neve. Nos reunimos num morro perto do Castelo, com mais alguns estudantes uppsálicos e um visitante... do Rio de Janeiro. (É. Nem no interior da Suécia a gente se esquiva de encontrar compatriotas.) O "trenó" é uma pequena prancha de plástico onde você coloca os pés, a bunda e vai descendo sem muito controle.

Na primeira vez, machuquei o cotovelo. Na segunda, me desequilibrei do trenó e saí rolando pelo morro, a neve entrando pelas mangas do casacão. Na terceira vez fiz tudo certo: tem até um vídeo pra provar, embora não dê pra ver nada pela escassez de holofotes na região. Na quarta, resolvi nem esperar um trenó vago: desci sobre um pedaço de saco plástico mesmo, sorrindo que nem menino. É como diz o Calvin em sua última fala em seu último quadrinho. "It's a magical world, Hobbes, ol' buddy... Let's go exploring!".

Leitura adicional: o post que a Pernilla fez no blog dela sobre minha visita a Uppsala. Se você não foi alfabetizado em sueco, pode jogar no Google Translate que dá pra entender.




Antes da descida.



Mergulhando na escuridão.



Sobrevivente.


Everything familiar has disappeared! The world looks brand-new!

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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