06/09/2009

Henfil na China

 

Esse livro esteve lá em casa desde sempre e só há pouco tempo resolvi tirá-lo da prateleira. Henfil - pseudônimo do genial cartunista mineiro Henrique de Souza Filho, 1944-1988 - visitou a China em 77, quando o país ainda era comunista até o pescoço, e registrou tudo em 300 páginas de texto fácil, detalhista e bem-humorado. Henfil olha pra tudo, pergunta e descreve transporte, comida, serviços, banheiros. Narra suas passagens por hospitais, escolas, fábricas, comunas, casas, asilos e até abrigos atômicos subterrâneos (" Pensei de ir para as montanhas, passar por guardas armados, dizer senhas, passar por raio X, pra ver se eu levava equipamentos de espionagem e por fim entrar numa caverna como nos filmes de James Bond. E o que eu vejo? Na parede de uma lojinha de tecidos, vi um botão ser apertado e o chão se abrir "). Esmiúça não só as diferenças entre os comunistas de olhos puxados e os brasileiros de então, mas entre os chineses pré e pós-Mao. E ainda dá de brinde noventa e nove cartuns excelentes, satirizando da ostensiva propaganda comunista ao destino agrário que eles dão para o cocô humano. 

Quem vê acha que ele ficou lá um ano inteiro. Mas foram apenas 16 dias, sendo mais da metade em Pequim e o restante em Shanghai, Cantão e Hong Kong. A visita de Henfil coincidiu com a queda do Bando dos Quatro - nome dado ao grupo que mandava e desmandava no país, formado pela ex-esposa de Mao, Jiang Qing, e seus asseclas - e a imensa comemoração popular que se seguiu (" Olho pra calçadas e não vejo ninguém assistindo à passeata dos 3 milhões. Ninguém, ninguém. Todos estão na passeata "). 

Obviamente, de 22 anos pra cá muita coisa mudou. O próprio subtítulo do livro - antes da Coca-Cola - já deixa isso explícito. Em 1978, pouco depois de Henfil pôr os pés em solo oriental, a China começou a se abrir para o mundo capitalista, e dá-lhe Ferrari e McDonald's tomando conta, e dinheiro entrando, e obras se levantando. Quando a gente lê no livro: " Apesar de ser uma potência mundial, o aeroporto da capital da China me lembra mais o aeroporto de Natal (onde descem três aviões comerciais por dia) que o Galeão, no Rio. Parece um campus de uma universidade nas férias ", não dá pra não lembrar que, hoje, esse mesmo aeroporto é um dos maiores e mais movimentados do mundo. 

Henfil na China é um registro histórico, uma reportagem competente e um livro divertido, tudo no mesmo pacote. É uma pena seu autor ter nos deixado tão cedo, antes de poder compartilhar sua visão de todo o resto do mundo com a gente. Quem sabe o que ele não teria a dizer sobre este Brasilzão de agora? 

"Henfil na China (antes da Coca-Cola)" 
Henfil, 1980, Editora Record 
Onde encontrar: hoje em dia, só em sebos mesmo. A Estante Virtual é um bom começo.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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