28/02/2010

Estou com sorte

 

Um dos passatempos favoritos de quem tem blog é se divertir com as expressões de busca que trouxeram os visitantes do Google até aqui. Alguns achados recentes do Boca de Gafanhoto: 

"ajuda para fazer máscara de hello kitty em prato de cartão" 
Alguém aí se habilita? 

"videos mais que engraçados" 
Tem que fazer rir e ainda passar uma mensagem positiva? 

"espetinho de escorpião barata ou gafanhoto" 
Na dúvida, prove os três. Recomendo também o de bicho da seda, que tem caldinho. 

"fotos de imagens de desenhos de gafanhotos" 
Serve pinturas de figuras de cópias de reproduções? 

"coisas interessantes sobre gafanhotos" 
O coletivo de gafanhotos é "nuvem", "miríade" ou "praga". O som que eles fazem pode ser descrito como chichia, zizia ou zigue-zague. Eles têm antenas pequenas, tímpanos presentes dos lados do primeiro segmento abdominal e ovopositor curto, seja lá o que isso for. 

"gafanhotos tomam aguá?" 
Depende. Sexta à noite, eles preferem uma cervejá bem geladá. 

"fotos mulheres joves praticando tai chi chuan" 
As véias num serve, tem que ser joves! 

"nomenclatura dos membros da cabeca dos grilos e gafanhotos" 
Os membros da cabeça?! 

"o hipopotamo no horoscopo chines" 
Segundo a tradição, as pessoas nascidas no ano do hipopótamo são gordas, preguiçosas e donas de fortes mandíbulas. Têm grande compatibilidade com aquelas nascidas nos anos da doninha, do carrapato e do mamute. 

"gafanhoto na minha casa" 
"gafanhoto é perigoso" 
"gafanhoto verde e amarelo" 
"gafanhoto tem medo de fogo?" 
Se as quatro frases já são curiosas individualmente, juntas dariam um sucesso e tanto na voz do Rogério Skylab. 

"o que tem de informação que ainda não vi sobre boxe tailandes na terceira idade" 
Se estás numa fase da vida em que procuras esse tipo de coisa, minha senhora, é bem provável que já tenhas visto de tudo. 

"o que são umas bolinhas amarelas fedidas que ficam na cavidade perto da garganta" 
"problemas no estomago que da gosto de sabao na boca" 
Segundo o Dr. Bruno Paio, especialmente consultado para este post, "as bolinhas são 'caseum', acúmulo de restos de alimentos nas criptas das amígdalas que ficam ali se deteriorando por bactérias. Daí o mau cheiro. Problemas no estômago que dão gosto na boca geralmente é refluxo do conteúdo estomacal, geralmente ácido, mas pode ter um pouco de bile também, dando gosto amargo". 

"para os chineses, 2009 foi o ano do boi... ... e este ano é o do tigre! felizes são eles que, a cada ano, trocam de animal! nós já estamos há 7 anos com o mesmo burro!... e com risco de dar vaca no ano que vem!!!" 
E o prêmio do ano para a busca mais longa no Google já tem dono. 

"codigo g tem oitenta e sete pares de meias clube pinguim" 
E o de busca mais non-sense também. 

"sexo so depois do casamento" 
Amém!

22/02/2010

Fogos de artifício, massagistas cegos e obras

O ano do tigre já chegou há mais de uma semana e até hoje tem gente soltando fogos de artifício. Sério. Se você se impressiona com os vinte ou trinta minutos de fogos na virada do ano em Copacabana, não faz idéia do que rola no reveillón chinês. O foguetório começou alguns dias antes, e toda noite se escutava um bum aqui, um tatatatá ali. Tão logo o sol se pôs no dia treze, a pirotecnia se intensificou e em qualquer direção já se viam explosivos em combustão lançando luzes coloridas no horizonte. E não é que nem no Rio, onde barquinhos ancorados lá longe se encarregam da tarefa para evitar desastres. Em Beijing, cada família compra seus fogos em qualquer esquina e acende o pavio da janela de casa, que é pra espantar os maus espíritos dentro da residência. Pra andar na rua há que se ter cuidado, porque quando você assusta lá está uma criancinha com um foguete na mão, pronto para disparar – e não dá pra saber se o projétil se transformará em belas luzinhas enfeitando o ar ou virá em sua direção. Em locais mais afamados como o lago de Houhai, os fogos de artíficios queimaram ininterruptamente por horas e horas, antes e depois da meia-noite. É muito bonito, coisa e tal, mas uma semana disso, noite após noite, definitivamente cansa. Já os chineses não compartilham da mesma opinião e soltarão mais fogos daqui a pouco.

 
E quem limpa tudo depois? 

Beijing é tão deserta no ano-novo quanto Beagá no Carnaval. Foi muito estranho passar dias inteiros sem dificuldades para atravessar a rua nem empurra-empurra no metrô. Mas a debandada da população atinge também os estabelecimentos comerciais, e não só as lojas e restaurantes chineses não funcionaram, como até redes ocidentais – Starbucks, Subway – fecharam as portas por alguns dias. Você marca um jantar, todo mundo chega na hora certa e cadê o restaurante? Fechado até semana que vem. Pior é quando aproveitam o feriado pra reformar tudo: você entra em um café onde esteve há menos de quinze dias e tudo que encontra são escombros pós-apocalípticos. Ontem mesmo resolvi continuar as aventuras gastronômico-brasileiras em Beijing e almoçar no premiado Alameda, em Sanlitun. Chegando lá, mas que lasqueira: só tinha poeira. Depois a cidade ganha o apelido carinhoso de “canteiro de obras” e o pessoal reclama. 

 

Eu já tinha visto plaquinhas por aí e sempre me perguntava: é isso mesmo? Pois é sim: onde tem escrito “Blindman Massage”, é porque realmente todos os massagistas do lugar são deficientes visuais. O princípio é simples: desprovidos de um dos sentidos, eles se concentram muito mais no tato, guiando-se intuitivamente pelos pontos do corpo que carecem de uns apertões. Experimentei uma blind-massage esta semana pra ver (ops) como era, e foi satisfatório. É bem verdade que o meu massagista não era cego totalmente: aproximando o objeto bem perto dos olhos, conseguia checar a hora no celular e distinguir as cores das notas. Os outros todos eram cegos mesmo, atendendo às exigências. O preço é bem mais em conta que outros centros de massagem: 50 minutos saíram por 60 yuans (R$ 16). Mas é melhor preparar o mandarim: apontar o ombro ou o pescoço e dizer “é aqui que dói” não vai adiantar muito. 

 
Que “cdmforpble” é “comfortable” é fácil deduzir, mas custei a sacar que “bund massage” não tinha nada a ver com os fundilhos, e sim com a “blind massage” aplicada pelos ceguinhos. Será que foi um dos massagistas quem escreveu?

11/02/2010

Tiger Robocop

Domingo começa o Ano do Tigre. 

Como você sabe, a China utiliza o calendário lunar e por aqui o dia do ano-novo muda todo ano, caindo sempre entre o final de janeiro e o meio de fevereiro. O ano que termina neste sábado, 13 de fevereiro, começou em 26 de janeiro de 2009 e foi dedicado ao Boi. Agora é a vez de Haroldo e Jângal Khan destronarem o posto ocupado pelas vaquinhas e mostrarem quem é que manda no horóscopo chinês. 

Se você é como Tom Cruise, Demi Moore, Stevie Wonder e a Rainha Elizabeth II e nasceu em um Ano do Tigre, é hora de preparar cuecas ou calcinhas vermelhas pra usar o ano inteiro: segundo a tradição, é assim que você vai ter mais sorte nos meses vindouros. 

É o Tigre quem manda em seu destino se você nasceu em: 

• 28 de janeiro de 1998 a 15 de fevereiro de 1999 
• 9 de fevereiro de 1986 a 28 de janeiro de 1987 
• 23 de janeiro de 1974 a 10 de fevereiro de 1975 
• 5 de fevereiro de 1962 a 24 de janeiro de 1963 
• 17 de fevereiro de 1950 a 5 de fevereiro de 1951 
• 31 de janeiro de 1938 a 18 de fevereiro de 1939 

Com a proximidade do ano-novo, há uma previsível overdose de tigres em Beijing. O comércio aproveita o potencial, por assim dizer, “fofístico” do felino – coisa mais difícil em anos como o da Serpente e do Dragão – e dá-lhe tigrinho de pelúcia nas prateleiras do supermercado, adesivos de tigrinho colados nos veículos, modelos abraçadas a tigrinhos nas capas de revistas. 

Um apanhado do que vi por aí nas últimas semanas: 

 

Tigres-penduricalhos aos montes, pra pendurar no carro, no celular, na maçaneta, no pescoço... 

 

O Walmart tem uma seção dedicada somente aos felinos. A coleção vai de fiéis reproduções de pelúcia da Panthera tigris... 

 

... a dúzias de Tigrões da Disney, desacompanhados (grazadeus!) do mala daquele ursinho... 

 

... até pantufas com olhos e focinhos por apenas ¥ 29,90 (R$ 8,00) o par. 

 

Pode acreditar: esse amálgama de gato vermelho, espantalho e Gremlin representa um tigre - muito mais tradicional e chinês, aliás, que as versões mostradas anteriormente. 

 

Lavar e consertar é besteira: caminhão que se preze tem que ter é adesivo de tigre novinho em folha. 

 

Ainda bem que é o ano do tigre. Fosse em outros anos, essa brincadeira de manequim com cabeça de bicho não resultaria em sensuais e libidinosas "tigresas", mas em vacas, dragões, cobras, galinhas, cadelas, porcas, éguas... 

08/02/2010

Me dá me dá me dá um dinheiro aí

 

O povo brasileiro vai ganhar, em breve, novas e garbosas notas de real. Aproveitando o gancho, resolvi esclarecer um pouco da confusão que a moeda aqui da China gera nos turistas e recém-chegados. Entre RMB, CNY, yuan, kuai, rénmínbì, tem-se uma mistureba de nomes, siglas e valores que assustam até o mais atento jogador de Banco Imobiliário. 

Pois bem: o nome oficial da moeda chinesa é 人民币ou rénmínbì. “Rénmín” é povo, “bì” é dinheiro. Dinheiro do povo. Das iniciais de cada sílaba em chinês tem-se a famosa abreviatura RMB, usada em bancos, casa de câmbio, agências de turismo. 

Aí, navegando pela internet, você se depara com a sigla CNY. Que significa “Chinese Yuan” e é o código oficial para a moeda chinesa segundo o padrão ISO 4217 , que regula esse tipo de coisa. (O nosso código é BRL, sigla para “Brazilian Real”). Mas o que diabos é um yuan? 

Yuan é a unidade de medida do rénmínbì. Você não encontra “rénmínbì” nem RMB nas moedas ou nas notas, apenas a palavra “yuan” ou o caractere correspondente 元. A nota maior (de valor e de tamanho) é a rosada de 100 yuan, que na cotação de hoje tá valendo mais ou menos R$ 27,50. Já a menor é a de 0,10 yuan: por increça que parível, existe uma nota em circulação que vale dez centavos de dinheiro local (e dois centavos de real). 

Só que eles não dividem o yuan em 100 igual a gente, mas em 10. Daí a denominação escrita na famigerada nota de 0,10 yuan: “1 jiao”. Jiao é como chamam cada um dos dez pedacinhos de yuan. E cada jiao, por sua vez, também é dividido em dez e dá origem aos fen, que só existem em moedinhas de valor patético (1 fen equivale a risíveis R$ 0,0028). 

Mas a coisa ainda complica mais. Nas escolas, nas ruas, nas construções, ninguém fala “yuan” ou “jiao” quando quer se referir à grana. Na linguagem oral, 1 yuan é “1 kuai” e 1 jiao é “1 mao”. Grosso modo, seria o equivalente aos brasileiros usando contos e paus em frases como “cê tá me devendo dez contos” ou “ô dona, passa aí cem paus ou te enfio a faca”. 

Desnecessário dizer que essas denominações todas, yuan, kuai, jiao, mao, complicam a cabeça dos novatos. Eu, claro, passei perrengues. Todas as notas de yuan têm estampada a carona do Mao Tsé-tung, enquanto as de jiao – ou “mao” – não. E pra entender que, quando a mulher da loja pedia 5 mao, ela não queria a nota de 5 com a cara redonda do Mao, mas a menorzinha que dizia 5 “jiao”? Façam-me o favor. 

O que dá pra comprar com cada uma das notas do dinheiro chinês? Preparei uma lista rápida, mas fiz questão de excluir as moedinhas da jogada - elas só servem para jogar cara-e-coroa, fazer mágica, raspar o código no cartão do celular e outros fins lúdicos. De nota em nota, aí vai: 

 

100 yuan (R$ 27,50) 

• Uma diária de albergue (mas dá pra achar por muito menos) 
• Uma hora de massagem (mas também dá pra achar por muito menos) 
• Jantar para dois num restaurante japonês em Wudaokou, incluindo sushis e saquês (mas dá pra achar por muuuito mais) 
• Um livro “Insider’s Guide to Beijing” (com 600 páginas, é o mais completo que encontrei sobre a cidade) 

 

50 yuan (R$ 13,70) 

• Um coquetel nos bares caros de Sanlitun, como Vics ou Coco Banana 
• Uma garrafa de vinho Great Wall 
• Dois pares de luvas de inverno (pechinchando, dá pra sair pela metade) 
• Uma aula de percussão brasileira em Chaoyang (todo domingo, de 11h às 13h) 
• Um quilo de lingüiças de Sichuan, extremamente apimentadas 

 

20 yuan (R$ 5,50) 

• Meia-entrada para a Cidade Proibida (nos meses de inverno, quando é mais barato) 
• Um corte de cabelo 
• Aluguel de bicicleta por um dia (mediante depósito de ¥ 500) 
• Um espetinho de escorpiões na rua Wangfujin 

 

10 yuan (R$ 2,75) 

• Bandeirada inicial dos táxis, que dura por uns bons 3 quilômetros 
• Um maço de cigarros chineses 
• Um livro (pirata) vendido em barraquinhas de rua – tem de tudo, até Paulo Coelho 
• Um duplo cheesburger no McDonald’s (mas por apenas ¥ 15 você pega o lanche completo) 

 

5 yuan (R$ 1,35) 

• Um copão de meio litro de cerveja nos bares mais camaradas 
• Preço médio de uma latinha de Kěkǒukělè (a boa e velha Coca-Cola) 
• Um pacote de batatinhas chips (sabores frango, carne, camarão, kiwi...) 
• Um ròujiámó – sanduíche chinês feito com carne picada e bem temperada, que descobri outro dia e é muito bom 

 

1 yuan (R$ 0,27) 

• Um lápis 
• Uma garrafinha d’água de 500ml 
• Uma passagem de ônibus (a de metrô é o dobro, o que ainda é muito barato) 

 

5 jiao (R$ 0,13) 

• Uma porção de mǐfàn (arroz grudento), pra acompanhar qualquer refeição 
• Um caderno pra você praticar seus caracteres chineses 
• Uma sacolinha de plástico no supermercado (sim, aqui você tem que comprá-las) 

 

2 jiao (R$ 0,05) 

Pra falar a verdade, só descobri que essa nota existe ao fazer a pesquisa para este post. Nunca vi uma nota de 2 mao e não conheço ninguém que viu. Pra todos os efeitos, desconsidere. Mesmo porque é igual aquele seu ex-namorado: não vale nada. 

 

1 jiao (R$ 0,02) 

Quanto será que custa imprimir uma nota de 1 mao? Tem que ser uma mixaria muito irrisória: é difícil pensar em uma utilidade comercial para ela, a não ser juntar cinco e comprar uma sacolinha no supermercado. Já vi até caso de mendigo recusando recebê-la em sua canequinha de metal. 

Encucado com o assunto, fiz uma pesquisa informal e um amigo meu disse que em alguns lugares dá pra pagar um estacionamento de bicicletas com esse valor. Particularmente, acho mais vantajoso guardar e usar como marcador de livro.

 

Ou então abusar da cara-de-pau e lançar a Buda a oferenda mais vagabunda que ele já deve ter recebido. 

01/02/2010

Depois do pré-primário

 

Logo no início do semestre letivo, no final de setembro, escrevi sobre meus primeiros dias aprendendo chinês na Beijing Language and Culture University (BLCU). Eu já tinha aprendido algumas poucas expressões indispensáveis – “amigão! uma cerveja!” – mas fora isso não era capaz de falar nada, ler coisa nenhuma, entender lhufas. Era impossível até digitar numa mensagem de celular que eu estudava na 北京语言大学 ou morava em 五道口. Ora bolas, eu sequer sabia escrever meu próprio nome! 

Claro que, quatro meses depois – o semestre letivo é na verdade um quadrimestre –, as coisas mudam um pouco. Quando você vê, está fazendo uma prova de 9 páginas totalmente em caracteres, com questões abertas e de múltipla escolha, texto pra ler, redação pra escrever. O processo é bem mais lento do que se você estivesse aprendendo um idioma “fácil” – francês, italiano, alemão, catalão... – e requer perseverança principalmente no que se refere a escrita e leitura, mas aos poucos o que era um bicho de sete cabeças vai ficando apenas com umas duas ou três. 

 
"Queridos papai e mamãe: envio essa carta com muito amor e carinho e a certeza de que, com apenas um semestre de intensos estudos, vocês serão capaz de entendê-la." 

Pra começar, o aprendizado do mandarim tem algumas vantagens em relação às línguas que a gente conhece. Sim, em muitos aspectos o idioma é bem simples. Começando pela pronúncia: depois que você entende o funcionamento dos quatro tons, que dão um ar meio musical às frases e podem ser um pé no saco para os iniciantes, não é difícil articular os sons do idioma. Mesmo porque eles se repetem bastante. Enquanto um “ra” em português é falado de maneiras diferentes em “rato” e “barato”, um shǔ é sempre um shǔ em mandarim. 

E a gramática. Ela pode ficar bem complicada com o passar das aulas, as regrinhas e os diversos usos da partícula 了 às vezes tiram o seu sono, mas pra se expressar em frases simples não é preciso saber uma infinidade de conjugações e terminações, como em nossa língua pátria. Fala-se “eu comer”, “você comer”, “nós comer”. No passado é “ontem eu comer”. No futuro, “amanhã eu comer”. Nada de futuros do subjuntivo ou pretéritos-mais-que-perfeitos ou “vós comêreis”. 

No nível A, que completei semana passada, a gente passa por três livros-textos inteiros, sem falar nos dois de kǒuyǔ (conversação) e um de tǐnglì (escuta). No livro 1, os diálogos vêm em três – caracteres, pīnyīn e tradução em inglês – e o vocabulário inclui palavras como “professor”, “comida”, “fome”, “banheiro”. No livro 2, as traduções vão embora e a gente aprende “bicicleta”, “tosse”, “fotografia”, “melancia”. No fim do livro 3, acabou a mamata: só tem caracteres, sem nenhuma transcrição fonética, e o vocabulário traz coisas como “abundante”, “desperdício”, “bodas de ouro”, “não obstante”. 

Os diálogos também adquirem complexidade. No primeiro livro era tipo: 

Bai Hua: Você está ocupado? 
Fang Long: Sim, estou muito ocupado. E você? 
Bai Hua: Não muito ocupada. 

Já no terceiro... 

Aimi: Professor Wang, quero trocar um pouco de dinheiro, mas não sei qual é o melhor lugar para fazer isso, tenho dúvidas.
Prof. Wang: Conte-me. 
Aimi: Se eu for ao banco para trocar o dinheiro, a taxa de câmbio é muito baixa. Se procurar um lugar particular, tenho medo de ser enganada. 

Como qualquer campo de estudo, especialmente o de idiomas, é indispensável sair do ambiente escolar, tomar a pílula vermelha e vivenciar o mundo exterior. Mesmo porque, pelos livros, eles acham que a gente vive pra ir na escola. A palavra para quadro-negro (hēibǎn) está lá na segunda lição do livro 2. Mas só depois é que aprendemos a pedir um par de kuàizi (os famosos palitinhos) ou chamar o garçom (“fúwùyuán!”, de preferência gritado, e se quiser parecer pequinês de raiz é só adicionar um R puxado, como no sul de Minas, no fim da palavra). 

Morando na China é fácil: qualquer transeunte, policial ou mendigo é um language partner em potencial. Qualquer placa, cardápio ou anúncio é uma chance de treinar a leitura. O campus também é um ambiente extremamente propício e é fácil encontrar chineses dispostos a te dar umas dicas em troca de algumas conversas em inglês. Professores particulares são bem baratos – em geral, alunos do curso de chinês para estrangeiros que cobram entre R$ 8 e R$ 14 por hora. E as livrarias estão cheias de alternativas para quem quer fugir dos diálogos enfadonhos – fala sério, taxa de câmbio?! – do livro-texto. 

Duas opções que me ajudam um bocado: 

“ Mandarin Phrasebook ”, da mesma galera por trás da revista The Beijinger e que também faz o excelente “Insider’s Guide to Beijing”. Você já percebe que o foco é o mundo real quando, na orelha do livro, já encontra uma série de expressões pra facilitar na hora de pegar um táxi. Tem gírias, modelos de currículo e até frases para se livrar do vendedor de traquitanas na Grande Muralha (“Sou alérgico a cartões-postais”, ou “Eu perdi minha carteira e minha paciência”). Também é muito útil na hora de dar respostas engraçadinhas na sala de aula, como quando a professora perguntou qual meio de transporte usávamos para vir à escola e não podíamos repetir as respostas. Começou com: 

- Venho de carro. 
- Venho de metrô. 
- Venho de bicicleta. 
- Venho a pé. 

Depois descambou para: 

- Venho de barco. 
- Venho a cavalo. 
- Venho de disco-voador. 

O outro é o “ Radicais Chineses Mais Comuns ”, que esmiúça os bastidores dos caracteres chineses retalhando-os em pedacinhos e explicando o porquê de cada coisa. Torna a tarefa de decorar milhares de símbolos aparentemente desconexos muito mais rápida e lógica. 

Por exemplo: juntando os radicais 女, que representa mulher, e 彐, de vassoura, temos 妇, uma mulher segurando uma vassoura, que significa mulher casada (feministas, favor reclamar com os dicionários). 

Ou 尸 (corpo), mais 水 (água), resulta em 尿, que é uma água sob um corpo e representa a prosaica ação de fazer xixi. 

Aí você pergunta: quatro meses imerso em aulas, exercícios, provas, conversas, andanças, language partners, professores particulares, radicais, dicionários, flashcards (as famigeradas fichinhas com o caractere de um lado e a pronúncia e o significado do outro), dá pra aprender o bastante? 

Depende do que você considera o bastante. Ainda restam milhares (milhares!!) de caracteres pra decorar. Muito vocabulário, muita conversa, muita prática. E em qualquer língua, nunca se aprende o suficiente. 

Mas dá pra: 

• Se virar num restaurante – chamar o garçom, pedir o cardápio e a conta, perguntar se determinado prato é pra dois e quanto custa a carne de cachorro; 
• Explicar pro taxista onde você mora e, se você também tiver um bom senso de direção, como faz pra chegar lá; 
• Entender o básico de um cardápio – se um certo prato tem carne de quê, se tem ovo, se é macarrão; 
• Pechinchar nos infinitos mercados e lojinhas que tem por aí; 
• Escrever redações de 100 ou mais caracteres, abordando temas como “uma carta para meus pais”, “minha vida em Beijing”, “o clima do meu país”, “uma doença que eu tive”; 
• Cantar “Parabéns pra você” em chinês (“Zhu ni shengri kuaile, zhu ni shengri kuaile...”); 
• Entender o sentido de uma historinha em quadrinhos, digamos, do Pateta ou dos Smurfs; 
• Escrever e-mails e mensagens de texto em caracteres, usando sistemas como o Microsoft Pinyin 
• Contar de zero a um zilhão e ainda fazer os gestos correspondentes com a mão de um a dez – pois é, os chineses usam um sistema diferente que só precisa de uma mão, olha só: 

 

Ah, e quanto a escrever meu nome, foi a primeira coisa decisão que eu tomei quando terminei de escrever aquele texto. Peguei minha caderneta de estudante, pratiquei bem os caracteres de “Lúkǎsī” (卢卡斯), perseverei e agora não só assino meu nome em chinês a torto e a direito, como até mandei fazer um carimbo. Quer aprender a escrever o seu? Vai lá no A-China que eles têm uma lista de Abílio a Zeferino.

 

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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