03/12/2010

Eu vi Mao Tsé-tung

Desde que aportei na China, há mais de um ano, venho enrolando para ir visitar o corpo embalsamado de Mao Tsé-tung. Não era uma prioridade, mas eu estava curioso – não é todo dia que você vê uma figura histórica, morta há 34 anos, em exibição por aí. Mas fui adiando, com preguiça da burocracia pra entrar no mausoléu do Mao (só pode ir de manhã, tem que levar passaporte, não pode carregar mochilas ou câmeras) e da fila monstruosa que eu sempre via quando passava pela Praça da Paz Celestial.

 

Mao Tsé-tung morreu aos 82 anos. Foi o líder máximo do país mais populoso do mundo por 27 anos, desde que deu início ao regime comunista na China em 1949. Mesmo quando era vivo, já havia um culto gigantesco à sua personalidade. Todo chinês tinha um retratão do Mao na parede de casa e sabia de cor o Livro Vermelho, uma coleção de citações do líder. Antes de morrer, em 1976, ele pediu para ser cremado. Ao invés disso, preferiram embalsamar seu corpo e construir um mausoléu para exibi-lo. 

Conservar os restos mortais de seus antigos líderes parece ser uma tradição comunista. Lênin se foi em 1924 e até hoje está à mostra na Praça Vermelha de Moscou. Ho Chi Minh, importante líder vietnamita (cujo nome rebatizou a antiga Saigon), bateu as botas em 1969 e ainda é exibido diariamente em seu memorial em Hanói. Como Mao, Ho Chi Minh também queria virar cinzas, mas teve seu último desejo ignorado. Pensa só: você só quer um pouco de paz, e acaba virando atração turística. 


Mao onipresente: retrato na entrada da Cidade Proibida, corpo conservado no meio da praça e rosto estampado em souvenirs de todos os tipos 

Fui ver o Mao num sábado de manhã. Acordei cedo, cheguei à Praça da Paz Celestial às 10h05 e encarei a fila. Fui preparado pra mofar durante duas horas, sujeito às intempéries do outono, empurra-empurra, perna gangrenando de tanto ficar em pé, e depois escrever um texto detalhando a aventura. 

Fiquei até desapontado: a fila andou rápido, organizada por guardinhas com megafone indicando as direções e dividindo a fila em duas na entrada do prédio. Passei pelo detector de metais sem problemas e nem ao menos olharam meu passaporte. A única restrição é mesmo quanto a mochilas e câmeras – aí você tem que deixar a fila, guardar num escaninho ali perto e voltar. E isqueiros. Tinha uma bacia repleta de isqueiros recolhidos dos visitantes. Vai ver, querem impedi-los de realizar o último desejo do Mao. 

 
Fila para ver o Mao: idosos, adultos, crianças e o guardinha com megafone 

Passei direto pela barraquinha de flores (todas brancas e idênticas, por R$ 0,80 cada) e subi as escadas para entrar no mausoléu. O edifício foi erguido e inaugurado poucos meses após a morte de Mao. Dizem que, em sua construção, foram utilizados materiais de todas as partes da China: granito de Sichuan, pratos de porcelana de Cantão, sementes de serratula de Xinjiang e até pedrinhas do Monte Everest. Embalsamar o cadáver não foi tão complicado: aprenderam a técnica com os vietnamitas, que já haviam conservado o Ho Chi Minh alguns anos antes. Arranjar o caixão de cristal à la Branca de Neve é que foi o problema. 

 

O projeto do caixão de Ho Chi Mihn não pôde ser passado adiante porque tinha sido fornecido pela União Soviética, que na época não era exatamente a melhor amiga da China. O caixão de vidro que a própria URSS providenciara anos antes para Sun Yat-sen (revolucionário chinês morto em 1925) também foi cogitado, mas era pequeno demais: 1,75m de comprimento, contra os 1,80m que Mao tinha – quer dizer, ainda tem. Além disso, só a tampa era de vidro, os lados eram de metal. Ou seja, os visitantes teriam que olhar para Mao de cima pra baixo, o que era inadmissível para as autoridades chinesas. 

Houve até um concurso de caixões de cristal feitos especialmente para o líder. Mais de vinte esquifes de todo o país participaram da competição, incluindo um em formato redondo. O caixão vencedor foi testado contra vibrações, temperaturas extremas e o escambau. Dizem que agüenta um terremoto de magnitude 8,0. 

A entrada do mausoléu é um hall enorme, com uma estátua gigante do Mao sentado de pernas cruzadas, bem relax. Quem comprou as flores brancas deve deixá-las ali, aos pés da estátua. Alguns se curvam ou fazem gestos quase religiosos. Continuei seguindo a fila e finalmente entrei no “solene Salão dos Últimos Cumprimentos”. É ali que Mao Tsé-tung (não) descansa em paz por toda a eternidade, até alguém decidir que já chega e resolver enterrá-lo. Existe uma corrente que afirma que isso já foi feito: o Mao que permanece no mausoléu com seus eternos 82 anos seria um boneco de cera. Às vezes o prédio é fechado por um tempo para “restaurações” no corpo, o que só alimenta a boataria. 

Sinceramente, não dá pra saber se é boneco ou não. O caixão é cercado por uma grande parede de vidro, não dá pra simplesmente chegar e examinar de perto. Só o rosto fica à mostra: o resto do corpo, incluindo as mãos, permanecem cobertos por um pano vermelho. E a fila não pára: guardinhas orientam os visitantes para que andem lentamente, mas sem nunca parar. Foi o tempo de ver a cara do Mao, seguir a fila e sair do Mausoléu, caindo direto nas barraquinhas de souvenir. 

Obviamente não pude tirar foto, mas o folheto que vendem na entrada a R$ 0,25 traz uma imagem do salão onde fica o caixão, que reproduzo aqui embaixo. Se você pesquisar na internet, talvez encontre uma fotografia tirada mais de perto. Quem sabe, até no site do Madame Tussauds. 

 

Para visitar o Mausoléu 
Horário: 8h-12h 
Entrada grátis. Obrigatório deixar bolsas, mochilas e câmeras no escaninho. 
Onde fica: no meio da Praça da Paz Celestial, Dongcheng District. Metrô Qianmen (linha 2), Tiananmen West ou Tiananmen East (linha 1) 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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