28/10/2015

Sufjan Stevens ao vivo em Berlim


Descobri Sufjan Stevens em 2010, lendo sobre o lançamento de The Age of Adz, seu sexto álbum de estúdio. Aproveitei para conhecer também o disco anterior do cara, Illinois (ou, como diz a capa, Sufjan Stevens Invites You To: Come On Feel the Illinoise), que o artigo descrevia como "genial".

Muitas coisas hoje em dia são descritas como geniais, mas no caso do Illinois, o adjetivo não soa tão descomedido assim. São 75 minutos de melodias que fogem do óbvio (mas nem por isso são difíceis ou deixam de grudar na cabeça), intricadas harmonias vocais, arranjos elaborados com timbres de uma mini-orquestra, faixas de durações no mínimo díspares (a maior tem 7 minutos; a menor, 6 segundos) e alguns títulos tresloucadamente longos, como "They Are Night Zombies!! They Are Neighbors!! They Have Come Back from the Dead!! Ahhhh!" (88 caracteres), "To the Workers of the Rock River Valley Region, I have an Idea Concerning Your Predicament, and It Involves an Inner Tube, Bath Mats, and 21 Able-Bodied Men" (156 caracteres) e "The Black Hawk War, or, How to Demolish an Entire Civilization and Still Feel Good About Yourself in the Morning, or, We Apologize for the Inconvenience but You're Going to Have to Leave Now, or, 'I Have Fought the Big Knives and Will Continue to Fight Them Until They Are Off Our Lands!'" (288 caracteres). Minha banda ABUNN sempre se gabava de ter a música com — segundo pensávamos — o maior título do mundo, "Quando as Borboletas Azuis de Antenas Amarelas Batem Suas Asas Fazendo Um Barulho Ensurdecedor Que Não Dá Pra Aguentar" — mas, com seus míseros 118 caracteres, ela perde feio para várias faixas do Illinois.

(Uma rápida googlada também me informa que Sufjan Stevens está longe de ser o recordista na categoria. A cantora americana Christine Lavin lançou, em 1984, uma canção chamada "Regretting What I Said to You When You Called Me 11:00 On a Friday Morning to Tell Me that at 1:00 Friday Afternoon You're Gonna Leave Your Office, Go Downstairs, Hail a Cab to Go Out to the Airport to Catch a Plane to Go Skiing in the Alps for Two Weeks, Not that I Wanted to Go With You, I Wasn't Able to Leave Town, I'm Not a Very Good Skier, I Couldn't Expect You to Pay My Way, But After Going Out With You for Three Years I DON'T Like Surprises!! Subtitled: A Musical Apology". Seriam precisos quatro tuítes para dar conta de seus 481 caracteres.)


O álbum de 2010, The Age of Adz, segue direções musicalmente bem distintas de seu predecessor: as ótimas melodias e harmonias vocais continuam lá, mas agora embaladas por arranjos eletrônicos, repletos de sintetizadores, efeitos sonoros, barulhinhos. É um disco muito mais pra baixo, sem os refrões otimistas do Illinois, sem fazer graça com títulos longos, sem faixas de curtíssima duração. Muito pelo contrário: os 25 minutos da última música, "Impossible Soul", são de fazer inveja ao Yes. The Age of Adz não foi tão unanimemente aclamado quanto o Illinois, mas eu gosto pacas. "Impossible Soul" deve ser a música de 25 minutos que mais ouvi na vida.

Depois de cinco anos em que seu único lançamento solo foi um disco quíntuplo (!) de músicas de Natal que, sinceramente, nunca tive paciência para ouvir inteiro, Stevens voltou em 2015 com um álbum de inéditas de verdade, Carrie & Lowell — que fatalmente aparecerá em várias listas de melhores no final do ano, anota aí. Mais uma vez o estilo dá outra guinada: saem as experimentações eletrônicas e entram baladas acústicas com banjo e ukulele, com letras bastante pessoais sobre sua mãe, seu padastro e suas memórias de infância. E com o disco novo, veio junto uma nova turnê mundial, que passou por Berlim em setembro no Admiralspalast.


Comprei o ingresso pela internet com meses de antecedência. Tinha lugar marcado e tal, mas já fazia tempo e eu não me lembrava onde é que havia escolhido ficar. Quando cheguei ao teatro para o show, fiquei positivamente surpreso: "Não lembrava que tinha conseguido um assento na sexta fileira por esse preço!", pensei, me acomodando na cadeira.


Eu não tinha conseguido, claro. Logo reivindicaram meu lugar e percebi que meu ingresso me colocava era lá em cima, no terceiro andar, num assento onde eu precisava ficar de pé para conseguir visualizar o palco todo. Fazer o quê.


Sozinha no palco, uma cantora-compositora canadense chamada Basia Bulat segurou bem seu show de abertura com músicas bonitas como "Tall Tall Shadow", instrumentos insólitos como a auto-harpa da foto abaixo e uma voz poderosa, chegando até mesmo a dispensar o microfone na última música — o que funcionou bem, mesmo lá do terceiro andar.


Sufjan Stevens entrou na sequência, acompanhado por quatro músicos que tocaram de tudo e deram uma força mais do que bem-vinda nos vocais. Primeiro ele mandou o Carrie & Lowell inteiro, quase na mesma sequência do álbum. E não falou bulhufas com a plateia: o primeiro "Thank you" veio após uma hora e quarenta e cinco minutos de show. Normalmente me desagrada esse tipo de postura no palco (no show do Placebo que vi há uns dois anos, o vocalista não se dirigiu à plateia uma só vez — e eles ainda tocaram com um vidro separando a banda do público), mas neste caso dá pra relevar, não só pela teatralidade da coisa, mas porque as canções desse disco são tão pessoais que era como ele estivesse cantando para si mesmo. São letras doídas do tipo "I forgive you, mother, I can hear you / And I long to be near you / But every road leads to an end" ("Death With Dignity") ou "Tell me what did you learn / From the Tillamook burn / Or the Fourth of July? / We're all gonna die" ("Fourth of July"), que falavam da morte da mãe, a Carrie do nome do álbum.

A maioria das músicas veio com arranjos novos: o que no disco era quase tudo acústico e folk, ao vivo ganhou adornos eletrônicos em versões que caberiam fácil no The Age of Adz (tanto que as duas desse disco anterior que ele tocou no meio do set principal, "Vesuvius" e "I Want to Be Well", não soaram em nada deslocadas). Geralmente tendo muito mais para o acústico/elétrico do que para o eletrônico, mas curti bastante as novas versões. Devo dizer, porém, que poderia ter passado sem o encerramento à última música do set principal, "Blue Bucket of Gold": foram nada menos do que vinte minutos de barulhinhos digitais que pareciam não acabar nunca. Tenho certeza de que muita gente na plateia adorou estar imerso na experiência, mas por mim, ele poderia ter tocado umas oito músicas do Illinois nesse meio-tempo — ou mandado os 25 minutos de "Impossible Soul".

Se ficou calado por quase duas horas, no bis Sufjan Stevens desandou a falar, contando casos de infância e se desculpando por não esticar tanto o bis. De fato, foram apenas três músicas, contra seis na noite anterior, no mesmo teatro. A canção derradeira foi "Chicago", provavelmente o mais próximo que ele tem de um hit, que aqui se despiu do arranjo multi-instrumental no Illinois e veio acústica, dedilhada no violão. Todo mundo ali aceitaria de bom grado mais umas dez canções — but every road leads to an end.

Setlist:

1. Redford (For Yia-Yia & Pappou)
2. Death With Dignity
3. Should Have Known Better
4. Drawn to the Blood
5. Eugene
6. John My Beloved
7. The Only Thing
8. Fourth of July
9. No Shade in the Shadow of the Cross
10. Carrie & Lowell
11. The Owl and the Tanager
12. All of Me Wants All of You
13. Vesuvius
14. I Want to Be Well
15. Blue Bucket of Gold
16. Concerning the UFO Sighting Near Highland, Illinois
17. To Be Alone With You
18. Chicago

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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