28/10/2009

Finalmente, a Muralha

 

Nos tempos de escola, excursões eram coisa corriqueira. Umas boas vezes por ano deixávamos a sala de aula para viagens rápidas a Ouro Preto ou Gruta da Lapinha ou mesmo Sabará. Durante o ensino médio elas escassearam, mas em compensação quando havia uma – como Diamantina e Itamarandiba - era sempre um evento memorável. Na faculdade, claro, acabou a mamata: nada de viagens ou passeios organizados pela reitoria. Eu nem imaginava que em pleno dois mil e nove, formado há três anos, eu voltaria ao mundo das excursões escolares viajando com colegas de todos os cantos do mundo para conhecer a Grande Muralha da China. 

Zarpamos às oito da manhã saindo do estacionamento principal da BLCU num ônibus moderno – tinha até microondas (?!) – mas pouco generoso no espaço entre os assentos. No início o clima era de farra e eu até ensinei um israelense da minha sala a cantar "jererê, jererê, ú éle ésse dê", mas depois todo mundo hibernou e acordei com o corpo doído de dormir sentado. Às nove e quarenta e tantas, descemos em Mutianyu. 

 

Como você pode deduzir, a muralha é incomensuravelmente grande e há diversos pontos onde você pode visitá-la. O setor mais famoso – e mais próximo de Beijing – é Badaling, abarrotado de turistas como se esperaria de uma das sete maravilhas do mundo moderno. Mutianyu é um pouco mais distante daqui e é supostamente menos turística, mas não espere encontrar meia dúzia de farofeiros fazendo piquenique, porque menos turístico na China ainda é gente pra burro. 

Disse Mao: "aquele que nunca escalou a Grande Muralha não é um homem de verdade". Escalar é força de expressão, porque tudo que você tem que fazer é subir algumas dezenas (tá bom, várias dezenas) de degraus para chegar na muralha propriamente dita. E uma vez lá dentro, é só escolher esquerda ou direita e caminhar até onde seus pés agüentarem, sem aclives ou declives de maiores proporções. No dia em que estivemos lá, tinha até um bebê alemão aprendendo a dar seus primeiros passos no famoso monumento. 

 

A Grande Muralha leva esse nome não por sua altura ou largura, mas por seu comprimento. Essa história de que é a única construção humana que dá pra ver do espaço é uma Grande Balela, porque ela é estreita, apenas alguns passos entre um lado e outro. Em compensação, se estende por milhares de quilômetros e existe até um ponto onde ela encontra o mar. Ouvi falar de um casal britânico que andou a muralha toda, mochilando e acampando. Levaram 167 dias. 

 

O trecho que visitamos é repleto de torres de vigília. Em algumas dá pra subir no topo e tem até vendedores na porta vendendo água, cerveja e Snickers (!!). Da paisagem não preciso me alongar muito: é previsivelmente belíssima, com montanhas por todo lado, e especialmente interessante agora no outono, quando as folhas das árvores mudam de cor. Aí no alto de uma montanha tinha uma inscrição enorme em ideogramas chineses, e fui perguntar à minha professora qual era o significado. Ela respondeu empolgada: "Chairman Mao!". Não dá pra escapar desse cara. 

 

Para descer, tínhamos três opções: voltar a pé pelos mesmos degraus, pegar o teleférico até a base ou descer ladeira abaixo numa espécie de tobogã. Preferimos a opção mais divertida e até nossa l osh entrou na dança. Você sobe num protótipo de carrinho com apenas dois controles – brecar e acelerar – e volta à infância enquanto os guardinhas ao longo da descida gritam desesperadamente pra galera diminuir a velocidade. 

 

O estacionamento de Mutianyu, aonde voltamos depois do tobogã, é na verdade o pedaço mais "turistão", com trocentas lojinhas vendendo bugigangas, leques, chapéus, camisetas escrito "I have climbed the Great Wall", pingentes com seu nome em chinês e todas as tralhas que se espera de um lugar como esse. Esfomeados têm à disposição panquecas, espetinhos e até uma unidade do Subway. Quanto a mim, comprei um chapéu de camponês estilo Rayden do Mortal Kombat, uma aquisição que não me será de muita serventia, mas que eu vinha desejando há algum tempo. Pelo menos, vale pra tirar fotos bizarras. 

 

21/10/2009

Mãe, acabei!

 

O povão quer saber: os banheiros chineses são mesmo a pocilga asquerosa de que a gente ouve falar? 

A resposta mais honesta é: não dá pra generalizar. Da mesma forma que há diversas comidas chinesas deliciosas e outras que literalmente fedem (não tô brincando, a gente tem que tampar o nariz quando passa perto), existem banheiros de todo tipo por aqui. Estou particularmente feliz com o do meu quarto, que tem privada ocidental do jeito que aprendi a usar desde criança. Mas definitivamente não é o mais comum de se encontrar em terras chinesas. 

Em qualquer bar ou restaurante, boate ou atração turística, você entra e encontra a louça lá no chão, a meio corpo de distância dos países baixos. Para os homens é só uma questão de acertar a mira, mas as garotas costumam passar um certo perrengue nos primeiros dias, até se acostumarem. Um conselho valioso é sempre ter um lenço ou um papel higiênico em mãos, pra não correr o risco de ter que usar as meias. De qualquer forma, atender ao chamado da natureza agachado e não sentado é indubitavelmente mais higiênico. Como diz o pára-choque do caminhão, KH 100 H chá é 

A limpeza varia bastante. Tem sempre aqueles toaletes com cheirinho de lavanda, constantemente limpos e geralmente situados nos restaurantes mais caros. Mas a maioria dos banheiros dos lugares que freqüento carecem de mais atenção. O do Beer Garden onde a gente costuma se reunir aqui no campus, por exemplo, recebeu o apelido carinhoso de "disgusting toilet". E as meninas dizem que o delas é ainda pior. 

Mas o Prêmio Druida da Pocilga de maior bizarrice sanitária vai para o dábliu cê do restaurante muçulmano onde fomos jantar um dia desses. Quando perguntei a um amigo onde era o banheiro do qual ele acabara de voltar, ele começou a rir e me apontou a direção. Cheguei lá meio cabreiro, sem saber o que esperar. Da porta, viam-se alguns vultos e umas luzinhas no meio de um breu total. Quando pisei lá dentro, a luz se acendeu e me deparei com a insólita cena: os vultos pertenciam a três chineses que – na falta de um termo melhor – obravam agachados em três dos quatro buracos que havia ali. As luzinhas flutuando no ar eram de seus celulares: todos os três faziam suas necessidades enquanto se divertiam com os joguinhos de seus telefones. O quarto buraco estava desocupado – e quando digo buraco, é buraco mesmo, sem louça; o "material" descia em queda livre e estacionava num lamaçal uns dois metros abaixo – e foi só o tempo de me posicionar para tirar a água dos joelhos e a luz se apagou de novo. O banheiro não tinha privada, mas tinha sensor de movimento. Isso é que é vontade de economizar. 

A ausência de fotos neste post deve-se principalmente ao bom senso, mas se você estiver curioso (eu sei que está), é só dar uma olhada no vídeo que postei aqui outro dia. A partir de 5:34 tem um registro do agradável banheiro do Bla-Bla-Bar.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

07/10/2009

Feriadão em Tianjin

Ainda estamos no meio do feriadão dos 60 anos do comunismo na China, que começou em 1º de outubro e só termina nesta sexta. O solão e o céu azul, bem apropriados para a parada militar que lotou a Praça da Paz Celestial no dia primeiro, não foram mera coincidência: o governo chinês realmente lançou alguns mísseis com produtos químicos que mandaram as nuvens pra fora da capital (mais detalhes, fuce o Google. Dá pra ver que química não é o meu forte).

Para nós estudantes estrangeiros, que não somos membros do Partido Comunista – até onde eu sei – o tempo se mostrou igualmente apropriado para passeios e viagens. Teve gente que foi pra Xi'an ver os guerreiros de terracota, outros zarparam para Qingdao e estão lá até agora porque todas as passagens de volta estão esgotadas, e eu aceitei o convite de um casal de chineses amigos do meu pai e fui passar o último domingo em Tianjin, a 120 quilômetros daqui.

Demorei uma hora e meia pra cruzar Beijing até a Estação Ferroviária Sul, e apenas meia hora pra percorrer o trajeto de Beijing a Tianjin. Por dois motivos. Primeiro, porque fui de metrô para a Estação Sul, e a única linha que chega até lá é a recém-inaugurada linha 4 (recém mesmo, abriu semana passada). O metrô custou a sair da estação Xizhimen, depois a luz acabou por alguns segundos, o trem começou a andar em velocidade reduzida, e eu lá, apertado no meio da multidão sem entender lhufas. Em compensação, o trem para Tianjin é o trem intermunicipal mais rápido do mundo e fez os 120 quilômetros a 350 por hora. Uma belezura.

 

Achei que Tianjin fosse ser uma cidade pequena, mas 11 milhões de habitantes é um bocado até para os padrões chineses. Enorme, bem estruturada e com muita curiosa pra se ver nas ruas. Logo quando saímos da estação, damos de cara com o volumoso rio Hai e as suntuosas construções à sua margem que, pelo tamanho e pela vista, não devem custar pouco. 

 

Transporte tem de todos os tipos, de ônibus e táxis até esses divertidos veículos de três rodas, muito comuns na China. O cara dirige aquilo que nem louco, desviando de bicicletas e pedestres como se fosse videogame. E é melhor botar as pernas pra dentro, porque o troço não tem porta e o tempo todo o motorista quase tira lasca dos carros que estão estacionados, e do que mais aparecer na frente. 

 

Essa foto eu só tirei porque nunca vi um cachorro de pedra tão feio como esse. 

 

Tianjin é cheia de avisos engraçados para os motoristas. Esse aí eu achei que significava "Não coma com palitinhos enquanto estiver dirigindo", mas parece que não são palitos, mas um X recomendando ao motorista não jogar lixo fora do carro. Prefiro a minha versão. 

 

Comida bizarra exposta dentro de uma padaria, com a placa: "O maior mahua do mundo". Um metro e meio de comprimento, 25 quilos. Diz a placa que foi feito em 1999. Se o mahua em tamanho comestível, uma estranha pretzel meio seca e salgada, não é lá essas coisas, imagina esse aí que já tem dez anos nas costas. 

 

Playmates chinesas dançando na porta de uma loja, em uma rua famosa pelos vários shoppings. Não tem nada a ver com a Playboy, elas só estavam fazendo propaganda para essa loja, que tem algo a ver com casamentos. Embora sejam bem mais apropriadas para despedidas de solteiro. 

 

A China também tem preguiça: uma prosaica passarela para atravessar a rua precisa de escada rolante! 

 

Entrada da famosa Rua da Cultura Antiga, onde tem lojas chinesas de tudo o que você puder imaginar: instrumentos musicais, pinturas, esculturas, bengalas, leques, kits de chá, chaveirinhos com insetos dentro. 

 

Os dois primeiros caracteres, "Bāxī", significam "Brasil". Fiquei pensando no que seria aquilo: churrasco brasileiro? depilação brasileira? Não: as palavras seguintes, "mǎnǎo", significam "ágata", um tipo de mineral que eu nem sei se é comum na nossa terra. Mas gringos adoram uma pedrinha brasileira, sejam elas vendidas em Ouro Preto ou numa rua antiga da China. 

 

Azulejos pintados dentro de um templo ao melhor estilo onde-está-Wally. 

 

Você já entrou num porta-aviões? Nos arredores de Tianjin dá pra visitar o Kiev, porta-aviões soviético construído nos anos 70 e transformado em museu na costa de Tianjin há cinco anos. Há algumas semanas, meus amigos aqui do campus foram em uma rave nesse mesmo navio, que custou os olhos, o nariz e a boca da cara, e ainda levaram cinco horas de ônibus pra ir e mais cinco pra voltar. Foi bom matar a vontade de visitar o barco, dispondo de menos tempo, menos dinheiro e menos música eletrônica. 

 

Sol rachando, bandeiras tremulando (não consegui encontrar a brasileira) e o marzão visto de cima do Kiev. 

 

Esse helicóptero poderia muito bem fazer uma ponta num filme da Pixar. 

 

Terminamos o dia jantando num ótimo restaurante de frutos do mar. Como em muitos restaurantes chineses, tem um aquário cheio de bichos vivos nadando graciosamente, sem consciência do cruel destino que os espera em questão de minutos. Dá pra escolher peixes, camarões, lagostas e até tartarugas, dizer algumas palavras de adeus e degustá-los no prato pouco tempo depois. 

 

Alguns frutos do mar são como pipoquinhas Aritana: os mais feios são os mais saborosos. Mas tem coisas que não animo de provar, como essa gosma disforme aí em cima, entre conchas e camarões. 

 

Ou então esses estômagos de peixe. Você se atreveria?


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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