18/05/2011

Karaokê, lularia e vinho de cobra: entretenimento em Halong Bay

 
Para a primeira parte sobre o arquipélago vietnamita de Halong Bay, clique aqui 

Após quarenta e cinco minutos caiacando ao redor das ilhotas rochosas de Halong Bay, devolvemos barquinho, remos, coletes e retornamos ao barco-tamanho-médio que nos levaria de volta ao barcão-hotel. O guia anunciou a programação seguinte: tempo livre, jantar, e para encerrar a noite poderíamos escolher entre duas opções de entretenimento. Aproveitei a hora livre para tomar um banho no chuveiro da cabine e olha, foi muito melhor que o meu aqui em Beijing, que nunca acerta a mão na temperatura e precisa da torneira da pia aberta pra poder funcionar decentemente. Eu trocaria o banheiro do barco por qualquer banheiro chinês. 


O barquinho vai... 


 
...a tardinha cai... 


 
...e dá lugar ao breu do mar (e às luzes dos barcos turísticos). 

 
Destaque do jantar: rosa esculpida em melancia. 

Finda a refeição noturna, ligaram a TV do restaurante para a opção de entretenimento número um: karaokê, evidentemente. Parece que no Leste Asiático não tem um lugar que não esteja contaminado pela epidemia do karaokê. Já discorri sobre o assunto neste post aqui , mas há mais de um ano não esgoelava canções populares em microfones com eco no máximo. Nosso guia tentou porque tentou fazer com que algum dos gringos sob sua tutela exibissem os dotes vocais, mas ninguém esbanjava empolgação como ele. Eu e Hector, um espanhol, até tentamos e improvisamos um dueto numa música do Oasis pra ver se alguém mais se animava, mas a gringaiada amarelou e infelizmente sobrou para o guia e a tripulação. Várias e várias canções vietnamitas cantadas com entusiasmo admirável e desafinação ímpar. Outro barco atracou junto ao nosso e dava pra ouvir o karaokê vindo de lá também, como se matassem gatinhos usando tortura chinesa. Não tinha jeito, estávamos cercados. 

Com a platéia rapidamente dispersa, o guia desistiu do karaokê, desapontado, e passou para a opção de entretenimento número dois: pescaria. Melhor dizendo, uma lularia, já que os cefalópodes eram só o que nadava ali por perto. Munidos de varinhas de bambu bem ordinárias, lançávamos a isca artificial e aplicávamos os ensinamentos de um vietnamita da tripulação, balangando o anzol pra cima e pra baixo. Eu logo desisti e fui pescar umas cervejas. Uma americana, bem mais tenaz, passou horas ali na beira do barco, sem êxito. O único que tirou a sorte grande foi um holandês que conseguiu içar duas lulas. A primeira ele mandou de volta pra água, mas a segunda foi prontamente interceptada pelo nosso guia, que a mandou para um baldinho. Coincidência ou não, no jantar que acabáramos de ter, serviram lula. Estratégia boa essa, fazer os turistas achar que estão se divertindo, quando estão é trabalhando. 

 
O americano carecão bem que tentou... 

 
...mas só o holandês lulou um molusco. 


 
Companheirof e companheiraf... 

O dia seguinte amanheceu ensolarado e com clima de preguiça. Felizmente não havia mais nenhuma pendência na lista de tarefas e pudemos escolher a nosso bel-prazer se queríamos ficar à toa no deque superior do barco ou fazer nada olhando pro mar. O guia ainda vinha de tempos em tempos exibir seus conhecimentos sobre a região ou narrar um causo sobre determinada ilhota. Ficou horas criando expectativa sobre "uma das ilhas mais famosas de Halong Bay": a Ilha dos Galos de Briga. Quando finalmente avistamos a danada, a reação geral foi de "nhé". Com muita imaginação (ou muita erva), as duas pedronas de calcário podiam lembrar dois galos lutando, mas pra tanta propaganda, esperávamos uma semelhança menos viajandona. 

 

 
Ok: nessa foto tirada no ângulo certo e por um fotógrafo profissional, a ilhota da direita realmente lembra um galináceo. Já na da esquerda, com muito esforço, consegui ver um coelho de orelhas cortadas. 


É hora de dizer tchau... 

Meio-dia e pouco, o passeio terminou. Nós que pegáramos o pacote de dois dias fomos almoçar em Halong City, e o grupo que escolheu três dias seguiu caminho para outras bandas. (Mas todos deixamos o barco. Se você cogita escolher o pacote de três dias para passar mais tempo no barco, esqueça: vale a pena pelas atividades adicionais, tem caminhadas e tal, mas a segunda pernoite é num hotel em terra firme.) No restaurante onde enchemos a pança, dois vidrões no balcão me chamaram a atenção. E acho que vão chamar a sua também: 

 

 

 

Minhas suspeitas foram confirmadas pela Wikipedia : " vinho de cobra (rượu rắn em vietnamita) é uma bebida alcoólica produzida ao adicionar cobras inteiras em vinho de arroz ou álcool etílico. Pode ser encontrado na China, Vietnã e ao longo do Sudeste Asiático. As cobras, preferencialmente venenosas, geralmente não são preservadas por sua carne mas para ter sua 'essência' e veneno dissolvidos na bebida. No entanto, o veneno é desnaturado pelo etanol; suas proteínas são abertas e portanto desativadas". Agora me explica o lagarto e o pássaro preto no vidro redondo. 

 

Já em casa, analisei a etiqueta colada em um dos vidros (" Hàng tr ưng bày không bán ") e resolvi pesquisar. Apurei a vista, colei letrinha por letrinha do alfabeto vietnamita no Google Translate e o resultado da tradução foi mais ou menos: " Esta mercadoria não está à venda ". Ufa! Acabou meu arrependimento por não ter pedido um gole. 

03/05/2011

As 1.969 ilhotas de Halong Bay

 

Pra visitar Halong Bay – uma das atrações naturais mais famosas do Vietnã, Patrimônio Mundial da Unesco e tudo mais – você não tem muita escapatória: ou abraça o esquemão turístico, ou se vira pra levar seu próprio barco para o nordeste vietnamita. Halong Bay fica relativamente perto de Hanói, o suficiente para atiçar a vontade de fazer um bate-e-volta de um dia só. Melhor evitar. Essa aparente proximidade é um "ali de mineiro" e você gasta mais tempo na van (4 horas pra ir, 4 pra voltar) do que navegando pelo arquipélago. O pacote de dois dias faz mais sentido: você sai de Hanói pela manhã, chega em Halong Bay a tempo pro almoço, passa a tarde e a noite no barquinho e volta só no dia seguinte, sem estresse. 

 
Tem uma conta aí que não tá fechando... 

Chamei Halong Bay de arquipélago, mas a palavra passa uma imagem errônea. Tem ilha pra burro, é verdade – mais precisamente 1.969, afirma a sabedoria popular, o que muito convenientemente também é o ano em que Ho Chi Minh morreu –, mas elas fogem do estilo Robinson Crusoé, com coqueiros e praias paradisíacas. A imensa maioria é de rochas enormes, feitas de pedra calcária, que dão a impressão de uma cadeia de montanhas emergindo do mar. 

 

Depois de passar a manhã no mini-ônibus presenciando paisagens-clichê como essa aí em cima (não faltou nem o chapeuzinho pontudo na cachola da camponesa), chegamos ao porto de onde saem as embarcações. São dezenas de barquinhos levando e trazendo visitantes, com aparência bem semelhante (aquele clima meio Jack Sparrow) e a inevitável bandeirona do Vietnã tremulando no topo. 

 

Primeiro pega-se um barco menor...


...que te leva até o barco-hotel onde você vai passar a noite. O nosso foi esse da direita.


O piloto e o guia:
 

Éramos cerca de quinze passageiros no barco, mais o guia vietnamita e a pequena tripulação. Entre os turistas, muita gente da Holanda, França, Estados Unidos, Argentina. Um casal de estadunidenses estava no quarto mês de sua viagem de seis meses (!!) pelo Sudeste Asiático, ê vida boa. O guia, falando um inglês por vezes indecifrável, empenhava-se para manter a programação na linha. Todo mundo claramente interessado em ficar de pernas pro ar, curtindo o sol e as dependências do barco, e toda hora vinha uma nova instrução: agora, almoço! agora, gruta! agora, caiaque! Parece que se não encher o dia com atividades, a viagem não conta. Mas eu podia bem ficar fazendo nada a tarde inteira no barquinho... 

O restaurante, quando estávamos saindo do porto:


Minutos depois, a vista já estava livre dos outros barcos.


O corredor para um dos quartos. Andar aqui bêbado é arriscado...


Eu moraria fácil nesse quarto.


Tem até varanda com banquinhos e cheiro de maresia.


Acordar de manhã e dar de cara com essa vista na janela, eita!


Não é todo dia que você guarda um colete salva-vidas no criado-mudo.


O deque superior do nosso barco. A proa...


...e a popa (ou seria o contrário?)


A cabine do capitão já vem com cama e tudo.
 

E olha só a malemolência do sujeito na hora de mover o leme:

Como se sabe, os preços das coisas em viagens de barco são disparatadamente mais altos. As refeições estavam inclusas no pacote, mas para qualquer extra - cervejinha, salgadinho - era preciso pôr a mão no bolso e gastar mais um punhado de dólares. A proliferação de barcos turísticos em Halong Bay gerou uma nova oportunidade de mercado: vendedores itinerantes, que se aproximam na surdina com suas canoas e oferecem comidas e bebidas a preços, digamos, menos abusivos. 

 

 
  
 

"Agora, gruta!", veio a instrução do guia. Dessas centenas de ilhotas de pedra, muitas abrigam cavernas em seu interior. Naturalmente, o potencial turístico transforma várias delas em parte integrante da famigerada programação, e dá-lhe iluminação colorida nas estalactites, lendas suspeitas sobre as formações rochosas, escadarias incrustadas na pedra. Acho muito mais legal quando a gruta requer lanternas, cordas e bravura indômita para visitar, mas o mercado de turismo não concorda comigo. 

 

 

 
Algumas áreas são tão amplas que não sei como ainda não construíram um hotelzinho cavernoso (mas deixa eu falar baixo...) 

 

 

 

 

 

E na entrada da caverna, uma deslocada lixeira em formato de... pingüim?! Mais uma pra minha coleção de lixeiras avulsas .
 

Gostei foi desses cães de pernas curtas na beira do cais.


Admirando a paisagem...
 

Cerca de mil e quinhentas pessoas vivem em casinhas flutuantes em Halong Bay. Vivem principalmente da pesca, mas com a renda adicional da venda de guloseimas para os visitantes. Sim, aqueles camelôs navegantes moram aqui, de onde remam rumo aos barcões turísticos. 

 
Será que a bandeirinha do Vietnã é obrigatória? 


 
Notem o sujeito sentado na rede: palmas para a cobertura de telefonia! 

A última atividade antes do pôr-do-sol foi uma voltinha de caiaque. Nadar chegou a ser cogitado, mas a temperatura das águas vietnamitas no início de fevereiro não estavam muito convidativas. Gostei mais do caiaque do que de visitar a gruta, talvez pela ligeira sensação de autonomia: são apenas 45 minutos, mas você pode fazer o que quiser, desde circundar algumas ilhotas até dar um pulo nas casinhas flutuantes e praticar seu vietnamita com a galera. 

 

 
Rema rema rema remador... 

 

"Agora, pôr-do-sol!". Fiquei surpreso de não incluírem isso na programação... 

No próximo post: pescando lulas em Halong Bay, vinho de cobras, e chega de karaokê! 

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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