28/02/2012

Bibimbap-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!

 

Morando na China, é fácil dar um pulo na Coréia do Sul. O vôo de Beijing pra Seul dura coisa de uma hora e meia, e a maioria dos povos – brasucas inclusos – não precisa de visto. No último ano-novo chinês, feriadão que muda de data a cada ano e neste começou em 23 de janeiro, zarpamos para Seul. Só tínhamos três dias pra ficar lá, mas entre uma Beijing com clima de Beagá no carnaval e um novo carimbo no passaporte, bora viajar. 

Acontece que o ano-novo coreano também obedece ao calendário lunar e é celebrado no mesmo dia do chinês. O feriado não dura 15 longos dias de restaurantes fechados e fogos de artifício barulhentos e ininterruptos, como na China – não ouvi um foguete sequer em Seul, aleluia saravá! – mas, por três dias, a maior parte das lojas fecha as portas. Justamente os três dias em que estivemos por lá. 

 

Saímos do hotel e encontramos aquelas avenidonas desertas, com pouquíssimos transeuntes – o que é especialmente incomum para uma metrópole de 10 milhões de habitantes. A barriga roncava e não havia nem uma carrocinha de cachorro-quente pra salvar o dia. Um mercado aberto compridão oferecia peixes, camarões, lulas, algas marinhas, raízes, pimentas, temperos e até sacões enormes de pipoquinhas estilo Aritana (!), mas nada que pudesse saciar o bucho de um visitante ali,in loco 

 

 

 

 

 

 

A essa altura já tínhamos desistido de encontrar um restaurante: os únicos estabelecimentos abertos, por alguma razão que me foge à compreensão, pareciam ser as lojas de lâmpadas e abajures (mentira: também vi uma vendendo serras elétricas). Qualquer misto quente, méquidônalde ou espetinho de gato estava valendo. E finalmente, depois de muito caminhar, cantar e seguir a canção, deparamo-nos com o impensável: um restaurante! De comida coreana! Aberto! 

A comida coreana é popular aqui em Beijing, onde vivem dezenas de milhares de sul-coreanos (e também não é tão difícil encontrar norte-coreanos). Minha predileta é o churrasco, que até já ganhou um post aqui no Boca. Mas nunca fui viciadão na comida da península, minha maior ressalva sendo o sabor assaz apimentado quase onipresente nos pratos. Minha primeira providência antes de sair nas ruas de Seul, aliás, foi pedir para o camarada do hotel anotar num papelzinho como é que se diz "not spicy, please" no idioma local. 

Mas todas as minhas experiências gastronômicas na Coréia foram jóia, a começar por esse primeiro almoço. Pedi um prato famoso com nome que lembra groove de bateria: bibimbap. É basicamente um mexidão tudoaomesmotempoagora, com arroz no fundo, uma espessa camada de vegetais sortidos e quiçá uma carninha, além de um ovo de gema mole por cima. Você mistura tudo com afinco e manda pra dentro. Também pedimos uma panqueca de frutos do mar que foi uma boa pedida, embora carinha que só. 

 


Garçonete-mãos-de-tesoura 

Todos os pratos, não importa se fossem bibimbap, churrasco, panqueca ou macarrão, vinham sempre acompanhados de diversos pratinhos complementares, geralmente apimentados e incluindo o indefectível kimchi. O repolho picante é praticamente um símbolo do país e Seul abriga até um Museu do Kimchi, que segundo o site exibe mais de 80 variedades diferentes do troço. Não, obrigado – se fizessem um museu sobre soju ou makkeoli, as bebidas tradicionais da Coréia, eu até pensava em visitar. 

 
Quem me falar o que exatamente tinha nesses 6 pratinhos ganha um brinde do blog. 

 
Makkeoli, vinho de arroz que se bebe nessa cumbuquinha de metal. 

 
Deliciosos espetinhos de batata frita em espiral. 

Já com a pança cheia, continuamos nossas andanças e descobrimos que aquele clima de "Eu Sou a Lenda" não se espalhava por toda a cidade: nós é que demos o azar de escolher hotel numa região onde todo mundo saiu de férias. Felizmente, havia muitos mercados, cafés, bares e atrações abertas, bastava só se aventurar por outras bandas. A noite de ano-novo (lunar), por exemplo, passamos em uma ruazinha repleta de bares, na companhia de alguns amigos que também fugiram de Beijing por uns dias. Perto da meia-noite brindamos soju e fizemos contagem regressiva, mas os coreanos nas outras mesas nem tchum. É que ao contrário do nosso reveillón, em que o momento fugaz entre as 23h59min50s e a meia-noite é o ponto alto da comemoração, no ano-novo lunar você não fica com a sensação de ter perdido a festa se por acaso estiver no banheiro ou dormindo na hora da virada. 

No próximo post: como se alfabetizar em coreano, um espetáculo cômico-culinário e que inveja do metrô de Seul. 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

26/02/2012

Filmes de Dois Mil e Dôuze - Parte 9

Praticamente um especial do Oscar:


DRIVE (EUA, 2011, dir. Nicolas Winding Refn)
Tem muita violência, perseguições e batidas de carro, com um protagonista que é dublê por profissão e motorista de bandido nas horas vagas. Mas Drive não é um filme de ação: há muitos momentos silenciosos e coisas mais importantes para os personagens do que ganhar a mocinha no final. O filme acerta ao manter a aura de mistério do "Driver", que não tem nome nem passado e permanece calmo quase o filme inteiro. O elenco coadjuvante também está ótimo, incluindo Carey Mulligan (a garota de Educação, que aqui já tem até filho) e um fragilizado Bryan Cranston (o Walt de Breaking Bad). Nota 4/5


A INVENÇÃO DE HUGO CABRET (Hugo, EUA, 2011, dir. Martin Scorsese)
Taí um filme que eu queria muito ver no cinema, mas não está na lista de estréias próximas ou futuras aqui na China. E não dá pra entender: filme em 3D pra toda a família, sem temas "sensíveis" ou cenas "reprováveis", seria um prato cheio para a chinesada; em vez disso preferiram exibir Happy Feet 2. A coincidência em ser lançado na mesma época que O Artista é curiosa, pois são duas obras que homenageiam o cinema mudo de formas diametralmente opostas: enquanto o filme francês se passa em Hollywood e emula as técnicas cinematográficas de quase um século atrás, Hugo – um filme americano que se passa em Paris – usa o que há de mais moderno, incluindo 3D, computação gráfica, câmeras "voadoras" que atravessam vidros e estações de trem. Também vejo um paralelo com Bastardos Inglórios: um diretor se aventurando em um terreno bem diferente do seu habitual (Tarantino na Segunda Guerra, Scorsese no "filme-família") movido principalmente por sua paixão pelo cinema. O Hugo do título fica quase em segundo plano quando percebemos que tio Martin fez seu filme para homenagear e resgatar Georges Meliès, um cara que merece todo tipo de resgate e homenagem. (Recomendo também o último episódio da ótima minissérie Da Terra à Lua, que aborda Meliès.) Quando tenta ser engraçadinho, Hugo escorrega – as cenas com os coadjuvantes na estação encabeçados por Sasha Baron Cohen não funcionam muito, e um conflito no final (quando Hugo vai buscar o automaton) soa particularmente como encheção de lingüiça. Mas a inventividade visual de Scorsese e sua paixão pelo cinema, que transparece na tela (ele se permite até uma rara ponta como um fotógrafo), compensam e muito. Nota 4/5


CAVALO DE GUERRA (War Horse, EUA, 2011, dir. Steven Spielberg)
Tinha um livro quando eu era criança chamado Brim Azul: A História de Uma Calça. Do pouco que eu lembro, era um relato episódico de uma calça jeans que ia passando de mão em mão (ou perna em perna) e acumulando um dono atrás do outro. Cavalo de Guerra é praticamente a mesma coisa, mas com um cavalo no lugar. A cada meia hora há uma reviravolta e o bicho se vê em um novo ambiente. Primeiro, é criado em uma fazenda pelo filho de um agricultor; o filme leva 50 minutos pra estabelecer a melosa relação entre o garoto e o eqüino, tirando o primeiro da jogada assim que a guerra começa. Em seguida o cavalo vai para as mãos de um capitão inglês, depois para dois irmãos alemães, para uma família francesa, para soldados de novo, e aí parei de contar. Irrita essa mania de todo mundo falar inglês – pra que contratar atores alemães, fazer o exército alemão gritar ordens em alemão e botá-los conversando entre si em inglês com sotaque carregado? O filme tem seus momentos inspirados, como o ataque-surpresa a um acampamento alemão, o fuzilamento de dois garotos e a cena em que o cavalo corre sozinho pelas trincheiras. Mas do Spielberg a gente sempre espera mais. Ou será que, nesse caso, seria menos? Menos trilha sonora sentimental, menos personagens, menos diálogos expositivos, menos coincidências no roteiro... O pior momento é quando um personagem diz: “Quando ouvi falar do cavalo milagroso, viajei 3 dias pra chegar aqui”. Milagroso? O lazarento só traz desgraça pra todo mundo que se afeiçoa a ele! Sou fã do Spielberg e acho ruim quando alguém desdenha do cara que fez Indiana Jones, E.T., Tubarão, Jurassic Park, O Resgate do Soldado Ryan e tantos outros; mas se eu precisasse escolher 5 ou 10 ou mesmo 15 obras de sua filmografia, Cavalo de Guerra não estaria entre elas. Nota 2/5


HISTÓRIAS CRUZADAS (The Help, EUA, 2011, dir. Tate Taylor)
Não é nada assim memorável, mas também não achei execrável como estão falando por aí. O elenco é irregular e as interpretações variam do sutil (Viola Davis) ao exagerado (Octavia Spencer). E traz umas participações curiosas, como Sissy Spacek (Carrie, a Estranha) e Mary Steenburgen (a namorada do Doc Brown em De Volta Para o Futuro III). Quanto às acusações de racismo, é complicado: as intenções do filme são boas, mas não ajuda que a heroína seja uma garotinha branca e que a personagem de Octavia Spencer seja responsável por uma vingancinha escrota e deplorável, situação que é tratada como piada pelo filme e seus personagens. Histórias Cruzadas patina de vez a partir do momento da revelação do "ingrediente secreto" da tal torta, quando investe em motivações artificiais e injustificáveis – como o flashback da mãe de Skeeter ou a mesa de comida preparada pela patroa, que "dá forças a Minny para abandonar o marido" (o que é explicado em uma simples frase narrada). Mais injustificável ainda é toda o prestígio que esse filme tem recebido nas premiações desta temporada. Nota 3/5


TÃO FORTE E TÃO PERTO (Extremely Loud & Incredibly Close, EUA, 2011, dir. Stephen Daldry)
O mais malhado dos indicados ao Oscar de Melhor Filme este ano (tem inclusive um atestado de "podre" no tomatômetro), Tão Forte e Tão Perto merece as críticas. Quando o protagonista de um filme dramático é um moleque chato e malcriado e o principal recurso narrativo é uma narração em off redundante e repetitiva, temos problemas. Até o compositor Alexandre Desplat, que fez a bela trilha de A Árvore da Vida, entrega aqui um trabalho burocrático e meloso – todas as vezes que alguém menciona a expressão "11 de setembro", sobe o som da orquestra implorando pro espectador chorar. O pentelho Thomas Horn lembra uma versão infantil do Sheldon de Big Bang Theory, mas sem o tino cômico que torna o personagem do seriado suportável. As raras cenas em que o pirralho não aparece (como o telefonema entre Tom Hanks e Sandra Bullock) saem beneficiadas. A narração é outro pé no saco, repetindo pela enésima vez tudo o que acabamos de ver ("Se havia uma chave, também havia uma fechadura. Se havia um nome, também havia uma pessoa. Tinha que haver uma fechadura." Vontade de socar o moleque). Tão Forte e Tão Perto tem uma história parecida com A Invenção de Hugo Cabret e uma execução xinfrim como Os Descendentes – mas eu queria mesmo é que fosse mudo como O Artista. Nota 2/5

Bonus track - minha lista dos candidatos a Melhor Filme em ordem de preferência:

1. O Artista
2. O Homem que Mudou o Jogo
3. A Invenção de Hugo Cabret
4. A Árvore da Vida
5. Meia-Noite em Paris
6. Os Descendentes
7. Histórias Cruzadas
8. Cavalo de Guerra
9. Tão Forte e Tão Perto

Bonus track 2 - meus palpites para os vencedores da noite. (Update pós-Oscar: acertei 16 das 24 categorias, até que não fui mal. Os chutes em curtas e documentários foram todos pra fora. Categorias como Montagem, Fotografia e Efeitos Visuais foram surpresas pra quase todo mundo; e Atriz estava bem dividido de qualquer forma.)

Filme – O Artista
Diretor – Michel Hazanavicious (O Artista)
Ator – Jean Dujardin (O Artista)
Atriz – Viola Davis (Histórias Cruzadas)
Ator Coadjuvante – Christopher Plummer (Toda Forma de Amor)
Atriz Coadjuvante – Octavia Spencer (Histórias Cruzadas)
Roteiro Adaptado – Os Descendentes
Roteiro Original – Meia-Noite em Paris
Animação – Rango
Filme Estrangeiro – A Separação
Fotografia – A Árvore da Vida
Direção de Arte – Hugo
Figurino – O Artista
Documentário – Paradise Lost 3
Curta Documentário – Incident in New Baghdad
Montagem – O Artista
Maquiagem – A Dama de Ferro
Trilha Sonora Original – O Artista
Canção Original – Os Muppets
Curta Animação – La Luna
Curta – Pentecost
Edição de Som – Hugo
Mixagem de Som – Hugo
Efeitos Visuais – Planeta dos Macacos

14/02/2012

Filmes de Dois Mil e Dôuze - Parte 8

Filmes vistos entre 9 e 13 de fevereiro:


O ABISMO PRATEADO (Brasil, 2011, dir. Karim Aïnouz)
"Faroeste Caboclo" vai virar filme em breve, mas "Olhos nos Olhos", do Chico Buarque, saiu na frente e ganhou uma adaptação livre estrelada pela Alessandra Negrini. Abandonada pelo marido no início da trama, acompanhamos a moça pelas ruas do Rio durante 24 horas. O filme é bem dirigido e Alessandra mata a pau na dura tarefa de transmitir seu turbilhão de emoções em poucos diálogos. Mas o fato de ser uma adaptação da música acaba gerando uma decepçãozinha, justamente por não seguir a letra à risca. Quando lembramos de versos como "Quantos homens me amaram / Bem mais e melhor que você", imaginamos a atriz despirocando geral, mas o roteiro prefere passear por outras praias. E a própria canção inspiradora dá as caras no final, mas numa versão chatinha que nem se compara com a do Chico ou da Bethânia. Nota 3/5


E AÍ, MEU IRMÃO, CADÊ VOCÊ? (O Brother, Where Art Thou?, EUA/Reino Unido/França, 2000, dir. Joel & Ethan Coen)
Engraçado: revendo o filme em meio à minha maratona coeniana, e comparando com outras obras dos irmãos, não achei tão bom quanto da primeira vez. A trama (uma adaptação amalucada da Odisséia do Homero) é episódica demais, faltando a lógica orgânica de uma-coisa-leva-a-outra tão presente nos roteiros dos Coen. Mas minhas cenas preferidas continuam excelentes – em especial a das sereias e todas aquelas que envolvem os Soggy Bottom Boys. E tem um momento específico que, assim que revi, lembrei que da primeira vez fiquei voltando e assistindo umas cinco vezes seguidas. E, revendo agora, fiz o mesmo da vez passada. É quando John Turturro, disfarçado com uma barba falsa, diz aos companheiros: "Crazy! No one's ever going to believe we are a real band!". A forma como Turturro mexe a boca quando diz band (em 1h21m04s) é uma nuance brilhante de interpretação. Nota 3/5


NA RODA DA FORTUNA (The Hudsucker Proxy, EUA/Reino Unido/Alemanha, 1994, dir. Joel & Ethan Coen)
Talvez o único filme com efeitos de computador dos irmãos Coen, Na Roda da Fortuna assume um tom de fantasia no final que lembra muito A Felicidade Não Se Compra. A história de Tim Robbins como o zé mané alçado a presidente da empresa é bacana, mas o que gostei mesmo neste filme foram os detalhes – a burocracia infernal do sistema de correspondências com códigos quase iguais (3-37, 37-3...), o minuto de silêncio que pedem pela morte do presidente e depois dizem que será deduzido do pagamento, o ascensorista piadista ("Mr. Kline, up to nine. Mrs Dell, personnel. Mr. Levin, thirty-seven." "Thirty-six." "Walk down!"). E ainda tem uma das melhores seqüências de todos os filmes dos Coen, a que acompanha o bambolê desde o início de sua fabricação até o fracasso nas vendas e a subseqüente reviravolta quando um exemplar solitário vagueia pelas ruas e é encontrado por uma criança. Nota 4/5


OS MERCENÁRIOS (The Expendables, EUA, 2010, dir. Sylvester Stallone)
O conceito era promissor: juntar todos os heróis de ação dos anos 80, hoje cinqüentões ou sessentões, em uma porradaria nostálgica. O problema é que o filme não vai muito além disso. As piadas não funcionam, as cenas de ação são meio nhé, e muitas participações soam como a ponta de Keith Richards em Piratas do Caribe 3: só estão ali para falarmos "porra, é o fulano!", pois não acrescentam mais nada. O maior exemplo é a cena que reúne Stallone, Schwarzenegger e Bruce Willis. Se ela parece meio desconjuntada, é porque é mesmo: foi filmada com os atores separadamente usando fundo verde. Os Mercenários 2 vai trazer de volta Sly, Schwarza, Dolph Lundgren, Jason Statham e Jet Li, e ainda contará com Van Damme e Chuck Norris. O elenco, mais uma vez, promete. Esperemos que o resto funcione dessa vez. Nota 2/5


GOSTO DE SANGUE (Blood Simple, EUA, 1984, dir. Joel & Ethan Coen)
Filme de estréia dos Coen, já trazia todas as marcas registradas da dupla, e muito bem executadas. A direção é segura, fazendo o dever de casa ao estabelecer com calma personagens, motivações e objetos futuramente importantes. Dan "Dois Queixos" Hedaya está ótimo como o corno vingativo que ordena o assassinato da esposa e o amante, M. Emmet Walsh é um detetive/mercenário adequadamente asqueroso, e os protagonistas John Getz e Frances McDormand são responsáveis pelas duas cenas mais angustiantes do filme: a que Getz enterra um personagem vivo ("respeitosamente" começando pelas pernas, mas mudando para o rosto quando a coisa aperta) e a que McDormand espeta uma faca na mão de Walsh. Filmaço. Nota 5/5

08/02/2012

Filmes de Dois Mil e Dôuze - Parte 7

Filmes vistos na primeira semana de fevereiro:


AJUSTE FINAL (Miller's Crossing, EUA, 1990, dir. Joel & Ethan Coen)
Um filme de gângster que só não fez o sucesso merecido porque teve a infelicidade de estrear junto com Os Bons Companheiros – isso é que é timing ruim. O roteiro é intrincado mas não é difícil de seguir, girando em torno do personagem de Gabriel Byrne e suas idas e vindas de uma gangue para outra. O grande destaque no elenco é John Turturro, que aparece pouco mas sempre rouba a cena. A fotografia (de Barry Sonnenfeld, futuro diretor de Homens de Preto) e a montagem (que aqui não é dos Coen como de praxe, mas de Michael R. Miller) criam transições belíssimas como em uma cena crucial no "Miller's Crossing" do título original. Nota 4/5


BATMAN - O HOMEM-MORCEGO (Batman, EUA, 1966, dir. Leslie H. Martinson)
O único longa-metragem com o Batman e Robin de Adam West e Burt Ward tem todos os ícones camp do seriado de TV: a galhofa, as piadas infames, os bordões do Robin ("santa festa a fantasia!"), as onomatopéias pipocando na tela, os milhares de bat-trecos. Batman enfrenta nada menos que quatro vilões (toma essa, Joel Schumacher!): Coringa, com aquele bigodinho safado sob a maquiagem; Pingüim, com seus gritos de qüen-qüen e disfarces infames como "P. N. Gwynne"; Mulher-Gato (que aqui não é a Julie Newmar da TV, mas uma Lee Meriwether que capricha no sotaque russo de sua falsa alter-ego Kitka); e Charada, responsável por charadas tão ridículas, mas tão ridículas, que acabam sendo ótimas. Um exemplo: "O que é amarelo e escreve?" E o Robin: "Uma banana esferográfica!" E o Batman: "Precisamente, Robin! O único significado possível." Os bat-trecos não são apenas absurdos, mas aparecem todos identificados com plaquinhas redundantes: "instant costume change lever", "bat-escada", "bat-spray repelente de tubarão" (sem falar em bat-sprays repelentes de baleia, arraia e barracuda). A história é uma sucessão de cenas nonsense, culminando na "desidratação" do Conselho de Segurança de um órgão estilo ONU – todos os delegados viram pozinhos coloridos. E as coincidências do roteiro? O batcóptero sofre uma pane mas aterrissa em terreno macio; quando vão ver, caíram sobre a "Convenção de Atacadistas de Espuma de Borracha". Batman – O Homem-Morcego sabe que é infame, e se diverte muito com isso. Nota 4/5


UM DRINK NO INFERNO (From Dusk Till Dawn, EUA, 1996, dir. Robert Rodriguez)
São dois filmes em um. A primeira metade é bem tarantinesca, com diálogos espertos e situações tensas – seu Quentin, não por acaso, escreveu o roteiro e é um dos personagens principais. George Clooney faz aqui sua estréia no cinema, meio tardiamente e já agrisalhando. A segunda metade muda o tom completamente e abraça o trash sem pudor, com direito a pistola de água benta, guitarra feita de membros humanos, muita gosma e mortes absurdas. O conceito dois-em-um ganha pontos por ser original e reverter expectativas, mas com isso o filme perde um pouco a unidade e acaba sendo só um bom divertimento. Nota 3/5


O AMOR CUSTA CARO (Intolerable Cruelty, EUA, 2003, dir. Joel & Ethan Coen)
Este é o mais próximo que os Coen chegaram de fazer uma comédia romântica – e mesmo assim, só o terceiro ato pode ser encaixado nessa classificação. George Clooney e Catherine Zeta-Jones estão ótimos como o advogado canalha e a beldade atrás de marido rico, e os coadjuvantes incluem uma galeria de personagens bizarros típicos dos Coen: o detetive particular, o "barão" afetado, o velhinho advogado com o pé na cova e o assassino asmático. Só há uma cena de morte no filme mas é uma das mais criativas (e das mais inverossímeis) da carreira dos irmãos. E os diálogos estão cheios de pérolas como essa:
"Attila the Hun, Ivan the Terrible, Henry the Eight – what did they have in common?"
"The middle name?"
Nota 4/5


MATADORES DE VELHINHA (The Ladykillers, EUA, 2004, dir. Joel & Ethan Coen)
Filme com a pior reputação da carreira dos Coen, Matadores de Velhinha é sem dúvida irregular, mas funciona como bom passatempo de humor negro. A quadrilha de bandidos bizarros é heterogênea: Tom Hanks está quase sempre ótimo como o eloqüente Professor Dorr (deslizando apenas nas risadinhas de Sheldon Cooper), J.K. Simmons só não funciona quando é obrigado a encenar piadas de peido, e o General feito pelo hongkonês Tzi Ma é excelente e responsável por pouquíssimas e memoráveis falas (a do provérbio budista me fez gargalhar sozinho). Por outro lado, Marlon Wayans e principalmente Ryan Hurst (o brutamontes bobalhão) parecem muito fora de lugar num filme dos Coen. O roteiro depende de coincidências demais, mas a intenção é ser mesmo galhofa, e mesmo um Coen menor ainda vale a pena conferir. Nota 3/5

02/02/2012

Filmes de Dois Mil e Dôuze - Parte 6

Filmes vistos ou revistos entre 29 de janeiro e dia 2 de fevereiro (dia de festa no mar), incluindo três candidatos ao Oscar 2012 e dois da minha maratona particular de irmãos Coen:


O ARTISTA (The Artist, França/Bélgica, 2011, dir. Michel Hazanavicius)
Este é definitivamente o melhor filme mudo feito nos últimos 80 anos! (Rá.) Mas falando sério: é preciso ter colhões pra lançar uma obra assim no cinema colorido, ultradinâmico e tridimensional da segunda década do século 21. Se pra maioria das pessoas este será o primeiro filme mudo que elas verão no cinema, para uma grande parcela será também o primeiro filme mudo que verão na vida – e, sendo tão simpático e fácil de agradar, vai servir pra tirar de muitos esse preconceito ridículo contra filmes mudos ou mesmo em preto-e-branco. A trama é uma mistura de Cantando na Chuva com Crepúsculo dos Deuses, tratando da transição do cinema mudo pro falado e de como grandes estrelas de uma era caíram rapidamente no esquecimento. Pode-se argumentar que o roteiro é convencional e até formulaico; que é "filme francês pra agradar americano" (usando Hollywood como cenário e o inglês nos intertítulos); ou que tanto prêmio e aval da crítica acaba criando uma expectativa muito alta. Mas O Artista funciona, e funciona muito bem. Jean Dujardin e Bérénice Bejo ganham a simpatia do público desde a primeira cena, pra não falar de Uggie, o cachorro (e não deixa de ser curioso ver rostos conhecidos como John Goodman em um filme mudo). Há alguns efeitos sonoros, raros, mas sempre adequados, mas gosto principalmente de como o filme trabalha o silêncio absoluto em dois momentos: em aplausos efusivos – e silenciosos – na primeira cena, e em um instante crucial no clímax. Quem diria que o cinema de 2011 conseguiria ousar olhando quase um século para trás. Nota 5/5


O HOMEM QUE MUDOU O JOGO (Moneyball, EUA, 2011, dir. Bennett Miller)
Eu não sou fã de baseball, não entendo de baseball e não costumo assistir filme de baseball – mas gostei muito de O Homem Que Mudou o Jogo. O foco aqui não são os jogadores ou o técnico, mas o administrador responsável por montar o time (um Brad Pitt com jeitão de Robert Redford) e seu conflito entre os métodos nada científicos comumente usados pelo clube – um cara chega a desconsiderar um jogador porque "ele tem uma namorada feia", e isso "demonstra pouca autoconfiança" – e as teorias matemáticas defendidas pelo personagem de Jonah Hill (que finalmente deixa de ser só um nerd gordo e ganha uma profissão!). É como se fizessem um filme sobre Elifoot. Além do elenco inspirado (que também inclui Phillip Seymour Hoffman como o treinador cansado e pançudo) e dos diálogos espertos ("I'm playing my team in a way I can explain in job interviews next winter", diz Hoffman), vale destacar a montagem, que cria boas transições em cenas geralmente clichês, como flashes do passado de Pitt ou repórteres entrevistando jogadores. Nota 4/5


OS DESCENDENTES (The Descendants, EUA, 2011, dir. Alexander Payne)
Já começa com o pé esquerdo quando depende de 20 minutos de narração em off para apresentar a história e explicitar as emoções do protagonista. O filme tenta se estabelecer como "dramédia", pontuando uma difícil situação familiar com momentos esporádicos de humor, mas se a parte dramática geralmente funciona, os alívios cômicos soam forçados e inverossímeis. Tome como exemplo um personagem como Sid, o peguete da filha mais velha de George Clooney: ele acompanha o elenco principal o filme inteiro sabe-se lá por que motivo, agindo ora como um boçal que não mede as palavras, ora como um adolescente maduro com insights certeiros sobre a vida, conforme for mais conveniente para o roteiro. O carisma de Clooney e as cenas que envolvem Judy Greer e o sumido Matthew Lillard salvam Os Descendentes de virar uma novela das oito em widescreen. Nota 3/5


FARGO (EUA/Reino Unido, 1996, dir. Joel & Ethan Coen)
Acho que este foi o primeiro filme que eu vi dos irmãos Coen, e lembro que não curti tanto. Hoje, depois de ter visto 10 dos 15 filmes da carreira de Joel e Ethan e bem mais familiarizado com o estilo dos irmãos, gostei muito mais. São obras meio à parte do cinema tradicional, muito imprevisíveis para serem filme de gênero, muito frias pra funcionarem como comédia, e ainda assim excelentes. Fargo tem tudo o que há de mais particular nos filmes dos Coen: uma situação que foge do controle, personagens importantes que só aparecem depois de 40 minutos, um roteiro que parece tomar vida própria e vai andando, andando, sem querer saber onde vai dar. Nota 5/5


ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (No Country for Old Men, EUA, 2007, dir. Joel & Ethan Coen)
Quando vi Onde os Fracos Não Têm Vez no cinema, um senhor ao meu lado reclamou em voz alta: "Ah, eles tão com mania disso agora!" – referindo-se ao "final sem final", que parece terminar do nada. Mas é um desfecho totalmente coerente com o estilo dos Coen, mesmo que o roteiro aqui seja adaptado de um livro. A direção é primorosa, criando tensão só com a composição dos planos e praticamente não usando música. Javier Bardem, assustador com aquele cabelo de Beiçola, é o "ultimate badass" perfeito. Tommy Lee Jones é quase o espectador, assistindo a tudo sem compreender muito bem qual é o propósito, se é que há algum. E Josh Brolin, com seu destino totalmente anticlimático (pisquei na hora errada no cinema e fiquei sem entender) é quase uma piada dos diretores para a platéia: "vocês investiram tanto tempo nesse personagem, e olha como descartamos ele fácil". Nota 5/5

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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