02/04/2008

A Velha Debaixo da Cama - Capítulo III - Sinuca de bico



O pundonoroso concurso a vinte mãos da piauí continua de vento em popa, revelando desta vez o terceiro capítulo vencedor. O gancho desta vez era mais ardiloso e resolvi escrever bobagem mesmo. O resultado está logo aí embaixo.

Recapitulando:

Capítulo I - O rato (Ciço Léo)
Capítulo II - Quase volta à ilha (Rodolfo Viana)
O Capítulo III vencedor - A proposta (Cláudio Parreira)

Um resumo da coisa pra quem tiver preguiça de ler tudo:

No eletrocinético capítulo I, Antônio, o ex-garoto de cabaré, acorda cansado da vida ao lado da viúva Maria de Maria Mergulhão. Ela o suga, exige dedicação constante e é dada a esquisitices como obrigar o mancebo a dormir a seu lado sob a cama, outrora ocupada pelo defunto marido, um coronel tão ciumento quanto violento. Decidido a fugir, Antônio sobe ao sótão para recuperar a sunga e a camisa furta-cor de seus tempos de go go boy. No langoroso capítulo II, Maria de Maria flagra Antônio no momento da fuga e lhe entrega um maço de cartas encontrado na soleira da porta. Após folhear o conjunto com desinteresse, ele se detém no quinto envelope. Lê o nome do remetente e, como nos bons folhetins d’antanho, empalidece... Tan-tan-ran-tan...

E finalmente, a minha versão:

A Velha Debaixo da Cama

Capítulo III - Sinuca de bico


Antonio poderia ter ignorado qualquer correspondência que chegasse às suas mãos e continuado firme o nobre intuito de pôr sebo nas canelas, fosse ela o que fosse, um aviso do Exército alertando para a guerra iminente e pedindo que todos construíssem um abrigo nuclear de pau-a-pique seguindo o passo-a-passo em anexo, um telegrama do Laboratório Família Feliz informando que parabéns, ele era semi-pai de uma criança gerada por fertilização in vitro a partir do óvulo obsoleto de Maria de Maria, o esperma coletado enquanto ele dormia e o sêmen congelado do Coronel Mergulhão, ou mesmo uma carta escrita por si mesmo no passado recordando sua contraparte futura de que a vida na boate não era assim um jardim de borboletas e que devia dar graças à velha pela oportunidade de sair da perdição. Tudo isso teria feito Antonio repensar sua decisão por um minuto ou dois, até que a bocarra asquerosa de Maria o trouxesse de volta à desgostosa vida de marido. Tudo, menos o que o envelope pardo realmente aconchegava no interior: a edição semanal de sua assinatura da revista Fuxicos & Fofocas.

Não houve o que ponderar. Como poderia Antonio dar no pé e privar-se do deleite que era ler as baixarias perpetradas por artistas, as travessuras dos cantores quando atrás dos holofotes, as safadezas que pareciam ensaiadas e lançavam a incerteza: meretriz ou mera atriz? Não podia, e Maria sabia, a danada. Ela encorajara a assinatura, ela espanava o pó da coleção que ele estocava sob a pia do banheiro, ela via o vício dele como bênção e disso não podia reclamar.

Enquanto andava pelos pomares, ombro a ombro com a esposa, ouvindo o orvalho das romãzeiras gargalhando da sua cara, Antonio avaliou alternativas. Podia escapulir como queria e voltar semanalmente pra resgatar seu exemplar. Claro, claro. No mínimo encontraria a revista ruminada pelos perdigueiros malcriados de Maria. Morar no cabaré e solicitar à editora uma mudança de endereço era viável, mas Antonio agüentaria a chacota dos colegas ao perceberem que só saía na rua após consultar o horóscopo e saber se era dia de transcender o individualismo e ou se o momento era para repensar a primazia da matéria sobre a espiritualidade?

Ao chegar da caminhada, Antonio era um homem em crise de abstinência. Fugir já não tinha tanta urgência: precisava inebriar-se com o aroma da tinta impressa, contemplar os palmeirais que adornam as casas das celebridades, alimentar-se de informação em sua forma mais vã. Foi o que fez com avidez durante as horas que se seguiram, esquecendo o café, o almoço, o chá das cinco regado a biscoitinhos de limão. Ao emergir da leitura, porém, sentia-se vazio novamente, e não era só o buraco negro estomacal. Percorreu o bangalô estranhando o silêncio, notou a mesa da sala parcialmente posta para o jantar e, ao entrar na cozinha, deparou-se com uma cena tão disparatada que nem os sórdidos roteiristas da fotonovela da Fuxicos & Fofocas seriam capazes de inventar.

*****

Em tempo: A Saga de Tião está chegando ao fim da temporada e o capítulo XXIV, o penúltimo, está aguardando a sua leitura.

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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