26/11/2017

Fiz um teste de DNA e confirmei que sou uma salada genética


Funciona assim: você encomenda um kit online, que vem com dois cotonetes gigantes, dois tubinhos e um envelope de plástico com um rótulo inquietante, “RISCO BIOLÓGICO”. Antes de fazer o teste, você precisa ficar pelo menos meia hora sem beber, comer, fumar ou mascar chiclete. Daí você passa um dos cotonetões por dentro da bochecha direita durante 1 minuto e coloca a ponta do bastão cheio de baba num dos tubinhos. Repete o processo, agora juntando saliva da bochecha esquerda, e coloca no outro tubinho. Põe tudo no envelope e manda de volta para o laboratório, que fica em Houston. Depois é só aguardar algumas semanas e eles te mandam um e-mail detalhando a quais etnias o seu DNA pertence e qual a porcentagem de cada uma na sua composição genética.


Esses exames são controversos e muita gente diz que não passam de especulação. Afinal, eles analisam apenas uma fração do DNA e a maioria dos laboratórios carece de dados mais completos sobre populações mais inacessíveis (por exemplo, indígenas amazônicos ou aborígenes australianos). Os próprios sites que oferecem o serviço reconhecem que os resultados são estimativas, e que algumas populações exibem DNA semelhante por conta da proximidade e a mistura de populações.

De qualquer forma, eu queria fazer o teste por pura curiosidade. Alguns amigos já tinham feito: uma colega japonesa, por exemplo, “descobriu” que é 97% japonesa, 2% coreana e 1% chinesa; um outro, da Lituânia, tem 94% de seu DNA vindo do Leste Europeu. Eu sei que tive dois bisavós libaneses, um bisavô italiano (do Vêneto, nordeste do país), uma bisavó alemã (de Magdeburgo) e mais uma porção de antepassados do sul da Europa. Queria ver como essa mistureba apareceria num exame desses. Aí aproveitei que o site MyHeritage estava em promoção e encomendei meu kit.

Mas o meu resultado, que chegou esta semana, mostrou nada menos que 8 etnias vindas de 3 continentes – algumas esperadas, outras francamente meio disparatadas. Vamos a elas:

41,7% italiano
Faz sentido. Herdei o sobrenome “Paio” do meu avô paterno, italiano; meu pai já traçou sua árvore genealógica e descobriu primos distantes que ainda moram no Vêneto, e há sangue italiano também na família da minha avó paterna. Siamo tutti italiani.

5,9% ibérico
Essa parte cobre Espanha e Portugal – é uma região pequena para isolar com mais precisão –, mas a minha parcela deve vir mesmo da terra de Cabral, como tantos outros brazucas.

8,1% do Oriente Médio + 5,9% do oeste asiático
Meu nariz e minha monocelha já não me deixavam mentir, e agora o DNA confirma meus genes árabes. Coloquei as duas porcentagens juntas porque, se você olhar no site do MyHeritage, essas duas regiões se sobrepõem com uma pá de países em comum, incluindo o Líbano, de onde vem metade da família da minha mãe.

8,3% norte-africano
A região é imensa e abrange do Marrocos (que fica a um pulo da Península Ibérica) ao Egito (perto do Oriente Médio e do Líbano). Sem falar que os mouros, que vieram exatamente dessa parte do mundo, ocuparam Portugal por séculos a fio.

0,9% somali
Todo Homo sapiens tem um antepassado distante que veio do leste africano, mas parece que o meu é relativamente mais recente: talvez um hexavô ou hexavó da Somália – que, se você olhar no mapa, também não fica muito longe do Oriente Médio.

3,1% judeu asquenazita
Diz o site: “os asquenazes são uma diáspora judaica europeia que remetem suas origens comunais à Alemanha e França e mais tarde à migração ao leste em direção à Polônia e aos países eslavos”. Suspeito que uma parte dos meus genes alemães – dos quais, teoricamente, eu teria 12,5% (por conta da bisa) –, vem daí.

26% escandinavo
Esse é o mais bizarro, e talvez um motivo pra achar que esse troço é furada. Não tenho traços escandinavos e nenhum parente nórdico conhecido, quanto mais um avô inteiro. Mas sei lá: dinamarqueses e suecos também são povos germânicos, e no mapa do MyHeritage, “escandinavo” abrange também o norte da Alemanha.

Notoriamente ausente da minha composição genética está... o Brasil. Mas se não é assim tão estranho eu não ter sequer 0,1% de índio no DNA, fica ainda mais difícil aparecer um tupi ou guarani como meu antepassado se você considerar que os dados existentes para as populações indígenas de todas as Américas são bem escassos: para o Brasil, por exemplo, o MyHeritage só considera “indígena amazônico” e “centro-americano”.


Há ainda os exames de DNA que revelam quais doenças você está propenso a ter, mas esses eu não faço nem a pau: imagina descobrir, por exemplo, que tenho uma predisposição acima da média ao Alzheimer? Vou ficar paranoico na primeira vez que esquecer onde coloquei a chave.

Melhor ficar na informação de que sou apenas um rapaz ítalo-íbero-árabe-africano, com parentes escandinavos e somalis e vindo da capital de Minas. Porque, acima de tudo, o sotaque não deixa negar: sou 100% mineiro.

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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