Mais um conto atípico
O palavroso discurso publicado no blog há dois anos findava com um compromisso: um dia, os lipogramas das outras quatro vogais dariam as caras por aqui. Alguns acharam pura dissimulação, claro. Mas juro: a fala foi franca. Todavia, a publicação dos posts análogos a cada tantos dias acabou dando lugar a obras inacabadas variadas: o conto da Turma da Mônica do futuro ganhou vida, o trio dos porquinhos protagonizou um musical, a lista da lagartixa já já vira um curta.
Os mais tranqüilos continuam com a bunda no banquinho, aguardando vir o dia no qual o autor do lipograma introdutório concluirá sua continuação. Os afoitos largaram pra lá, mas não os culpo, assumo o atraso. O obstáculo-mor, contudo, nunca foi o cansaço, a fadiga, a falta do ânimo. Foi notar o quanto trabalho a mais daria compor um similar suprimindo o quinto símbolo do ABC.
Vogais são bichos ariscos, obstinados. Jamais admitirão sumir do mapa assim, na maciota. O assassinato das vogais, sua ruína total, sua absoluta aniquilação são atos vagarosos. Obrigam-nos a tirar um David dum bloco frasal, cortando as sobras fora numa labuta contínua, a passos custosos. Pior: o fantasma da vogal vizinha do A assombra uma porção colossal do idioma usado por Drummond, Saramago, Suassuna. Fica a lição: quando o lipogramatista não dá valor a uma vogal tão ubíqua (dúvidas, consultar o dicionário), a vida logo torna clara sua mancada.
Jogos com palavras são práticas fabulosas. Vão da harmonia dos palíndromos à voluntária privação típica dos lipogramas, passando por lipogramas univocálicos (utilizam só uma vogal na construção toda, como, digamos, “A barata acanhada arranha a casca da batata amarga”) ou pangramas, os quais disponibilizam, num parágrafo curto, todos os sinais vocálicos ou consonantais. Os curiosos bastam vasculhar as obras-primas do grupo OuLiPo, formado na França, para saciar a ânsia por outras diabruras imaginativas.
Quanto a mim, fico por aqui.