Recordação de um passado presente, ou ou
Parte I
Morando em Beagá desde que vim ao mundo na Maternidade Octaviano Neves há boas duas décadas e meia, Ouro Preto deveria ser o meu quintal, o que não vinha sendo o caso nos últimos anos. Visitei a cidade muito na infância, incluindo as indefectíveis excursões de quarta série, mas de cinco anos pra cá só me lembro de duas passagens breves pela cidade, um almoço em 2004 e uma esticada a partir de Cachoeira do Campo em 2005.
Este mês tirei o atraso: foram três visitas em três semanas. A primeira, depois do Festival da Vida em Mariana. Almoçamos em um self-service na Rua Direita e demos uma passada na Calamidade Pública, república que recém-completou 11 anos de vida com uma obra de engenharia ímpar em suas imediações: uma caixa d'água só para encher de vodka com suco em pó, ligada a vários canos que deságuam em cinco torneiras no quintal. E você pensando que seu filhinho tava em Ouro Preto pra estudar.
A segunda e mais extensa ida a Villa Rica deu-se pela Quarta Mostra de Cinema de Ouro Preto, doravante abreviada pelo seu nome de guerra, CineOP. Já tinha ido em janeiro na Mostra de Tiradentes (sobre a qual teci algumas palavras no Cinema de Buteco), mas cometi na ocasião um erro primário: perdi o prazo para me inscrever nas oficinas. Desta vez, não quis ser burro reincidente e, tão logo abriram as inscrições, pus meu nome na lista da oficina de Realização em Curta Documental, ministrada pelo cineasta Luiz Carlos Lacerda. A proposta: "Instrumentalizar os participantes para a realização de um documentário, com a composição de uma equipe nos moldes de uma produção profissional, ocupando funções técnicas (produção, pesquisa, câmera e fotografia, som) e artísticas (direção, direção de arte, direção musical e edição)." Resumindo: pôr a mão na massa e produzir em 4 dias um documentário que seria exibido no encerramento da CineOP.
Zarpei pra Ouro Preto na quinta à noite e instalei-me no albergue O Sorriso do Lagarto, onde permaneci até segunda. Com isso, peguei praticamente a Mostra inteira - diferente de Tiradentes, a programação da CineOP é mais enxuta e dura apenas cinco dias. O pessoal da produção é o mesmo, e a estrutura é bem semelhante:
Cine-Praça - montado na Praça Tiradentes, com som excelente e imagem nem tanto, e o frio pegando. Pelo menos o céu azul era constante, evitando sessões canceladas como em Tiradentes.
Cine Vila Rica - cinemão tradicional da cidade, grande e bem inclinado. Lá exibiram muitos dos longas dos anos 70, tema da Mostra, como "Xica da Silva" e "A Ilha dos Prazeres Proibidos".
Cine-Teatro - teatro transformado em cinema para a exibição de alguns curtas. Ficava no Centro de Convenções, lá embaixão perto da Ferroviária, onde também aconteciam as oficinas e os shows noturnos pós-última-sessão.
Dessa vez vi bem menos filmes do que em Tiradentes. Lá foram 4 longas e mais de 30 curtas; aqui foram 14 curtas e 2 longas pela metade (dormi em "Xica da Silva", apesar de estar gostando bastante, e saí no meio de "Roberto Carlos a 300 km por hora" pra poder assistir ao Rendez-Vouz du Sam'di Soir, sobre o qual falarei mais tarde). Dos curtas, os que mais me apeteceram foram a animação Terra (Sávio Leite, MG) e as ficções Nas Duas Almas (Vebis Junior, SP) e Teresa (Paula Szutan e Renata Terra, SP). Os outros em geral são bem filmados, mas entregam-se a vícios que tenho observado na produção nacional recente - quem já assistiu ao vídeo Como Fazer Um Curta-Metragem Experimental, Cult e Pseudo-Intelectual vai me entender. E de inovadores acabam tendo pouco, porque se você vê coisas como Entr'Acte, de René Clair, que passou no Cine Vila Rica, percebe que em 1924 já faziam cinema experimental, e muito melhor.
No próximo post, os detalhes da produção - e o link para vocês assistirem - de "Oui Uai", o documentário que produzimos durante a quarta CineOP.