25/11/2009

Você sabe com quem está falando?

 

A língua chinesa tem uma porção de sons difíceis até de imitar, mas por outro lado carece de fonemas que nos parecem indispensáveis, como o som da letra V. Assim, nomes estrangeiros tipo Valadares ou Vladivostok viram coisas lindas como Waladaleisi e Fuladiwosituoke. Para os chineses, o presidente dos Estados Unidos é Balake Aobama, o do Brasil é Luyisi Yinaxiao Lula da Xierwa e os Pitousi eram formados por Yuehan Lienong, Baoluo Maikateni, Qiaozhi Halisen e Jilinge Sita. Todos os nomes próprios, sejam eles de pessoas, cidades, marcas ou personagens, acabam ganhando suas versões amarelas, de Alalakuala a Zhakaliyasi. 

Por outro lado, a chinesada sabe que para grande parte dos ocidentais os seus nomes são uma sucessão de ruídos imemoráveis, e dão um jeito de criar contrapartes de que os outros possam se lembrar. Só que, geralmente, eles não soam nada parecidos. Se um Lucas aqui provavelmente vira um Lukasi e um Thomas se torna Tomasi, uma Jiao Jiao pode virar Emily, Agatha ou Anabelle. 

Na hora de inventar um nome ocidental, o inglês é disparado a língua predileta. Joey, Penny, Dave, Mark. Mas se o chinês em questão é um estudante de outro idioma que não o de Hemingway, ele tenta se adequar a ele. Assim, já vi estudantes de alemão chamados Gerard e Michael; estudantes de italiano chamados Paolo, Sandro e Giovanna; e até uma porção de estudantes de português, com quem jantei um dia desses, que se apresentaram como – prepare-se! – Benjamin, Verônica, Julieta, Camilo, Rebeca e Figo. 

Mas, esquisitos ou não, ainda estamos falando de nomes próprios previamente existentes, certo? Porque a criatividade do pessoal pode ir muito além da nossa vã imaginação. Prenda a respiração e confira os nomes mais, digamos, pouco ortodoxos de pessoas que conheci ou de quem ouvi falar: 

Um aluno da minha amiga que se chama Eleven; 

Uma coreana que escolheu para si o nome Mojito; 

Um outro que se apresentou: "Olá, meu nome é Piña Colada"; 

Mais um chinês que estuda alemão, mas em vez de Hans ou Fritz escolheu "Unique"; 

A garçonete de um Starbucks cujo nome no crachá dizia: "Silence", e seu colega de trabalho chamado "Fireman"; 

Uma garota que conheceu uma Jasmim e disse, empolgada: "Seu nome é Jasmim, como em Chá de Jasmim? Meu nome é Cheese, como em Cream Cheese!"; 

Mas o Prêmio Baby Consuelo de gosto mais exótico para nomes vai para uma chinesa que um amigo meu apresentou outro dia. Ele chegou com ela e disse assim: 

- Pessoal, esta é Flamingo. 

Foi impossível segurar o riso.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

13/11/2009

Comer comer

 

A comida da cantina aqui no campus é geralmente bem barata (pratos mais caros custam cerca de 3 reais), mas tem seus poréns. Algumas vezes você pede frango e vem umas partes esquisitas de origem indecifrável. Noutras você quer boi com ovos mexidos, e vem um pratão de ovos com uns cinco pedaços tímidos de carne lá no meio. Mas o principal problema é como pedir. Alguns balcões só têm cardápio em caracteres chineses, e sem saber diferenciar os ideogramas de peito de frango e intestino de pato você pode ter umas surpresas desagradáveis. Os menus supostamente em inglês são geralmente em "chinglish", traduzidos de uma forma tão literal que fica até difícil de entender: "the beef covers the rice", "the rice covers the vegetable"... Para os recém-chegados, as saídas mais fáceis são apontar (para uma fotografia ou para o prato de alguém), fazer mímica (cheguei a imitar um porco numa lanchonete certa vez) ou simplesmente escolher aleatoriamente e rezar pra vir algo que preste. 

Fomos num restaurante de comida típica de Sichuan, uma província no sudoeste da China. A cozinha sichuânica (neologismo atravessando o texto) é famosa por ser extremamente apimentada. O lugar onde jantamos tinha até uma placa de algum guia gastronômico dizendo: "Spiciest Restaurant in Beijing". E dá-lhe carnes e vegetais de todos os tipos carregados na pimenta, e cerveja gelada pra aplacar o ardor. Alguns na mesa estavam bebendo baijiu, mas eu só dei uns goles e larguei pra lá. Baijiu é uma bebida chinesa feita de grãos e extremamente alcóolica (pode chegar a 60%). E o gosto é terrível, a não ser que você tenha prazer em beber sabão. Ao final da refeição, alguém pediu intestino de pato e fomos experimentar. Foi um pedaço pra nunca mais: o troço tinha gosto de banheiro. 

Hot pot também é bem comum por aqui. O princípio é simples. Você reúne a patota em volta duma mesa com um buraco dentro, cheio de água e com fogo embaixo. Taca carne crua lá dentro, umas verduras, uns camarões, assiste tudo cozinhar e depois tentar pescar o resultado com os palitinhos. Como numa seqüência de fondues, o barato é o processo completo de reunir os amigos e cozinhar sua própria comida. Por isso, quando fomos em outro lugar, fizemos o pedido e já trouxeram tudo pronto, foi aquela decepção. Hot pot que se preze tem que deixar o cliente trabalhar. 

Aí você pergunta: cadê os gafanhotos? Pois é, finalmente fui à rua Wangfujing, célebre reduto dos espetinhos de insetos, mas ao que parece os grilos e gafanhotos tinham saído pra passear. Em compensação, as barraquinhas estavam repletas de bichos da seda, estrelas-do-mar, cavalos-marinhos e muitos escorpiões. Muitos deles ainda vivos e mexendo as perninhas, mesmo empalados daquele jeito. Acho que quando você escolhe o de sua preferência, eles sapecam na gordura antes. Quando eu experimentar eu conto como é, se sobreviver. 

 

E tem o Pato de Pequim, prato que leva o nome da cidade e que consiste em um pato laqueado e fatiado que você coloca em panquequinhas, adiciona molho e degusta como se fosse um mandarim. O restaurante onde fui, perto da Wangfujing, é um dos mais antigos de Beijing a ter o pato como atração principal. Dizem que cada pato vem com um cartãozinho indicando o seu número e que já estão na casa do bilhão, mas ou esqueceram de entregar o nosso ou era só lenda urbana. De qualquer forma, o pato laqueado merece a fama que tem e, se você tiver colhões, pode experimentar outras partes menos convencionais do bicho. Isso inclui a língua, o fígado, o estômago, o famigerado intestino, a pele dos dedos e até um prato especial de pato com escorpiões. Duvida? 

 

Nas redondezas dos restaurantes e da rua dos espetinhos, perambulavam os gatos mais gordos que já vi. A gente sabe que para animais bem alimentados desse jeito não é recomendável ficar dando sopa por aí, ainda mais na China. Talvez o Gato de Pequim seja ainda mais consumido do que o Pato, só que ninguém percebe. Vai saber...


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

01/11/2009

E agora, a previsão do tempo

Ao contrário do Brasil, onde só temos duas estações diferentes - calor o ano inteiro e chuva no verão -, na China o clima segue à risca o que aprendemos nas aulas de Estudos Sociais. Quando cheguei aqui, há pouco menos de dois meses, andar sem uma garrafinha d'água ou ficar em casa sem ar-condicionado era pedir pra desidratar. Em meados de outubro, o outono começou a dar as caras e o vento, impiedoso, derrubava bicicletas e arrastava criancinhas. Na última sexta-feira, minha professora começou a aula com uma expressão amedrontadora e pediu que nos preparássemos, porque neste fim-de-semana a temperatura chegaria a -2°C. Já tenho que andar com cachecol, gorro, luvas e duas meias na hora de sair na rua, e até já desmontaram o Beer Garden, o lugar onde todos os dias reuníamos o pessoal e que agora é só uma memória. Mas como o aquecedor central aqui do prédio só vai ser ligado daqui a duas semanas, achei que por agora teríamos que conviver apenas com um pré-inverno aceitável. A minha professora, no entanto, estava certa e é só comparar as três fotos abaixa, todas tiradas da minha janela, pra ver a evolução das estações em Beijing. A primeira é de 16 de setembro, a segunda de 25 de outubro e a terceira foi feita esta manhã, quando abri a cortina e me deparei com esse tempo maluco. Daqui a uns dias já dá pra voltar à infância que só conheço dos filmes e fazer guerras de bolas de neve.

 

 

 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Quem

Lucas Paio já publicou contos em revistas e antologias, já dirigiu curtas-metragens e compôs canções, já ganhou um campeonato de aviões de papel, tocou teclado numa banda cover de Bon Jovi, morou na China e hoje vive em Berlim. É autor do romance de fantasia cômica MACADÂMIA, lançado em 2025.

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