Comer comer
A comida da cantina aqui no campus é geralmente bem barata (pratos mais caros custam cerca de 3 reais), mas tem seus poréns. Algumas vezes você pede frango e vem umas partes esquisitas de origem indecifrável. Noutras você quer boi com ovos mexidos, e vem um pratão de ovos com uns cinco pedaços tímidos de carne lá no meio. Mas o principal problema é como pedir. Alguns balcões só têm cardápio em caracteres chineses, e sem saber diferenciar os ideogramas de peito de frango e intestino de pato você pode ter umas surpresas desagradáveis. Os menus supostamente em inglês são geralmente em "chinglish", traduzidos de uma forma tão literal que fica até difícil de entender: "the beef covers the rice", "the rice covers the vegetable"... Para os recém-chegados, as saídas mais fáceis são apontar (para uma fotografia ou para o prato de alguém), fazer mímica (cheguei a imitar um porco numa lanchonete certa vez) ou simplesmente escolher aleatoriamente e rezar pra vir algo que preste.
Fomos num restaurante de comida típica de Sichuan, uma província no sudoeste da China. A cozinha sichuânica (neologismo atravessando o texto) é famosa por ser extremamente apimentada. O lugar onde jantamos tinha até uma placa de algum guia gastronômico dizendo: "Spiciest Restaurant in Beijing". E dá-lhe carnes e vegetais de todos os tipos carregados na pimenta, e cerveja gelada pra aplacar o ardor. Alguns na mesa estavam bebendo baijiu, mas eu só dei uns goles e larguei pra lá. Baijiu é uma bebida chinesa feita de grãos e extremamente alcóolica (pode chegar a 60%). E o gosto é terrível, a não ser que você tenha prazer em beber sabão. Ao final da refeição, alguém pediu intestino de pato e fomos experimentar. Foi um pedaço pra nunca mais: o troço tinha gosto de banheiro.
Hot pot também é bem comum por aqui. O princípio é simples. Você reúne a patota em volta duma mesa com um buraco dentro, cheio de água e com fogo embaixo. Taca carne crua lá dentro, umas verduras, uns camarões, assiste tudo cozinhar e depois tentar pescar o resultado com os palitinhos. Como numa seqüência de fondues, o barato é o processo completo de reunir os amigos e cozinhar sua própria comida. Por isso, quando fomos em outro lugar, fizemos o pedido e já trouxeram tudo pronto, foi aquela decepção. Hot pot que se preze tem que deixar o cliente trabalhar.
Aí você pergunta: cadê os gafanhotos? Pois é, finalmente fui à rua Wangfujing, célebre reduto dos espetinhos de insetos, mas ao que parece os grilos e gafanhotos tinham saído pra passear. Em compensação, as barraquinhas estavam repletas de bichos da seda, estrelas-do-mar, cavalos-marinhos e muitos escorpiões. Muitos deles ainda vivos e mexendo as perninhas, mesmo empalados daquele jeito. Acho que quando você escolhe o de sua preferência, eles sapecam na gordura antes. Quando eu experimentar eu conto como é, se sobreviver.
E tem o Pato de Pequim, prato que leva o nome da cidade e que consiste em um pato laqueado e fatiado que você coloca em panquequinhas, adiciona molho e degusta como se fosse um mandarim. O restaurante onde fui, perto da Wangfujing, é um dos mais antigos de Beijing a ter o pato como atração principal. Dizem que cada pato vem com um cartãozinho indicando o seu número e que já estão na casa do bilhão, mas ou esqueceram de entregar o nosso ou era só lenda urbana. De qualquer forma, o pato laqueado merece a fama que tem e, se você tiver colhões, pode experimentar outras partes menos convencionais do bicho. Isso inclui a língua, o fígado, o estômago, o famigerado intestino, a pele dos dedos e até um prato especial de pato com escorpiões. Duvida?
Nas redondezas dos restaurantes e da rua dos espetinhos, perambulavam os gatos mais gordos que já vi. A gente sabe que para animais bem alimentados desse jeito não é recomendável ficar dando sopa por aí, ainda mais na China. Talvez o Gato de Pequim seja ainda mais consumido do que o Pato, só que ninguém percebe. Vai saber...
Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto
0 comments :
Postar um comentário