Qingdao é a capital chinesa da cerveja. Não por acaso, foi a única cidade da China a ser uma espécie de colônia alemã – o nome oficial era "concessão", mas a gente sabe que cidades não são dadas de presente assim por aí. Os alemães ocuparam Qingdao do finalzinho do século 19 até o início da Primeira Guerra, quando os japoneses pediram licença e se apoderaram de lá. Depois de algumas idas e vindas, a posse do lugar voltou a ser completamente da China, mas o que interessa para este texto são mesmo aqueles anos germânicos, que explicam porque, mais de um século depois, o nome da cidade virou sinônimo de suco de cevada.
Ali na beira do Mar Amarelo, no nordeste chinês, encarando a Coréia do Sul, fica Qingdao.
É claro que a alemãzada não poderia ficar muito tempo sem sua cota de bier : em 1903, meros seis anos após desembarcarem em Qingdao, eles abriam a cervejaria Germania, que acabaria virando Tsingtau e finalmente Tsingtao. Esses nomes todos (Qingdao, Tsingtao, Tsingtau) se pronunciam da mesma forma, " tchim dau " – a diferença se deve a diferentes romanizações dos nomes chineses, que também transformaram Beijing em Pequim , Nanjing em Nanquim, e tantas outras.
A Tsingtao é hoje em dia a mais famosa cerveja chinesa. É vendida em mais de 60 países, aparece em filmes como Blade Runner e Gran Torino , e durante o período em que a China esteve mais isolada do mundo, em meados do século 20, era responsável por 98% (!!) das exportações chinesas. Comparada com as cervejas brasileiras, a Tsingtao tem menos álcool (gira em torno dos 3,5%) e é bem mais barata: nos mercadinhos mais locais, dá pra achar por 2 yuans, ou R$ 0,50. Nos bares da vida, obviamente, eles enfiam a faca e cobram dez vezes mais. Cães.
"A cidade ideal do cachorro tem um barril de chope por metro quadrado..."
"O elefante pergunta pra vaquinha: tomou?"
Qingdao, a cidade, se destaca por várias qualidades. Tem praias, frutos do mar, um clima mais tranqüilão que a correria de Beijing. A cerveja entra aí como um adendo turisticamente importante, já que até a fábrica original da Tsingtao é aberta para visitação. O passeio é interessante. Começa com os obrigatórios letreiros narrando a gloriosa história da cervejaria, conta com maquetes e bonecos de cera representando os trabalhadores de outrora, apresenta um vislumbre da parte da fábrica ainda em funcionamento hoje em dia – garrafas e latinhas passando pelas esteiras, recebendo rótulos e sendo encaixotadas como pinos de boliche – e é coroado com a obrigatória degustação da gelada recém-fabricada, incluindo um exemplar da chamada raw beer , uma espécie de cerveja "crua", sem conservantes, que é uma belezura e difícil de achar fora de Qingdao.
Garrafas de 5 mil litros também são exclusivas da fábrica.
Uma maneira no mínimo curiosa de descrever o fim da Segunda Guerra: "Em 15 de agosto de 1945, quando as tropas chinesas venceram a guerra anti-japonesa..."
Vai aí uma cerveja nazista?
Uma prateleira exibe orgulhosamente as variedades de Tsingtao disponíveis no mercado...
...enquanto outra reúne latas e garrafas de marcas do mundo inteiro.
Entre a cingapuriana Tiger Beer e a mexicana Corona Extra, lá estão nossas Skol e Bohemia. Também vi latinhas de Caracu, Antarctica e até da famigerada Nova Schin.
Uma estátua de cera confere os procedimentos de fabricação.
Aí, Bruno Paio: uma idéia do que fazer com suas trocentas tampinhas.
Quer virar rótulo? Por um punhado de yuans, diga xis e ganhe uma foto-cerveja.
Linha de produção das latinhas. Opa, tá rolando uma tentativa de fuga.
Cerveja atrás de cerveja, nosso amigo ali tem que ficar de olho. Se vier barata dentro da garrafa, a culpa é dele.
Rotula, verifica, agrupa, encaixota...
Quase no final do passeio, uma tal de "Casa de Bêbado" aguarda o intrépido visitante. Ela tem uma inclinação considerável e a sensação de pisar lá dentro é realmente como a de encher a cara a noite inteira e ter que fazer esforço pra se segurar em pé.
A cabeça dói e, se você não segurar, é tombo na certa.
Tá quase...
Para terminar, chega enfim a hora da degustação (a porção é pouco generosa, mas tá valendo).
"Prove, veja, gire, cheire".
É claro que o comércio local não ia desperdiçar uma oportunidade dessas. Batizaram a rua em frente à fábrica de "Rua da Cerveja" e encheram de bares servindo chope em suas mais diversas formas.
Tem até cerveja verde (não sei o que vem dentro, mas deve ser saudável, não?)
Mas a experiência cervejeira qingdaoana por natureza é beber chope na sacolinha de plástico. Você vê isso por toda parte, e se não é das coisas mais práticas, pelo menos diverte.
É preciso perícia para entornar o líquido, ainda mais depois de um certo estado.
Pra facilitar, as sacolas vêm com um "biquinho" estilo bule. Há também que beba de canudinho. E se quiser dar uma pausa, tem que ficar segurando? Não: é só achar uma porta e pendurar na maçaneta. Sério, funciona.
Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto