05/07/2011

Tudo azul no Mar Amarelo

 

Minhas expectativas para uma praia chinesa passeavam por dois extremos: ou ela seria impossivelmente lotada, ou pós-apocalipticamente vazia. A primeira hipótese se justifica por matemática simples. Se os brasileiros já tornam tantas praias tão insuportáveis nos feriados, imagine um povo sete vezes mais numeroso. Eu me lembrava do meu último reveillón em Cabo Frio, quando precisava enfrentar quatro grandes camadas de pessoas pra poder entrar no mar, e mesclava às minhas aventuras diárias no metrô de Beijing. O prognóstico era pouco otimista. 

Por outro lado, eram grandes as possibilidades de não haver viv'alma à beira-mar. Afinal, já basta um solzinho mirrado para que as moçoilas chinesas empunhem suas sombrinhas, num receio de queimar a pele – nem que seja apenas um bronzeado – que parece beirar a fobia. A imagem de uma multidão em trajes de banho estirada na areia recebendo sol na cara me parecia improvável em território chinês. 

Minha primeira experiência praiana na China acabou acontecendo no Mar Amarelo. Que, como o Mar Vermelho e o Mar Negro, grazadeus, não reflete nas águas a cor que lhe dá nome. Foi em Qingdao, que além de terra da cerveja e de inúmeros bons restaurantes de frutos do mar, também oferece sol e praia pra galera. Fui parar lá porque o Laurens, amigo belga que estudou mandarim comigo em Beijing, agora mora e trabalha em uma cidadezinha perto de Qingdao, e além da companhia e da hospedagem grátis, ele tem carro e se ofereceu para nos levar pra cá e pra lá durante o feriado. Difícil achar proposta melhor. 

Depois de passarmos horas perdidos em busca de um hotel e depois nos empanturrarmos com peixes, camarões, caranguejos e cerveja preta, pisamos na areia da praia já num horário pouco propício para um banho de mar ixperto, por causa do vento aborrecido e da água semi-glacial. Na areia, nada de futevôlei, vendedor de água de coco ou catador de latinhas, apenas uns esparsos gatos pingados. Chamava a atenção a noiva que escolheu a praia deserta como cenário para seu álbum de casamento (na China, os noivos geralmente fazem um book antes da cerimônia pra poder mostrar pra todo mundo na festa). 


Só chove na noiva? Pô, São Pedro. 

 
"Amarelo deserto e seus temores..." 

O mergulho no Mar Amarelo só aconteceu quando fomos a Rizhao, a cidade onde meu amigo mora. Pouco populosa – tem a mesma população de Salvador, o que é quase uma aldeia para os padrões chineses –, Rizhao recebe pouquíssimos turistas estrangeiros e andar por suas ruas largas e vazias é um alívio. A praia, porém, surpreendeu: estava longe de ter gente pipocando por todo canto mas tampouco era erma. O que mais divergia da concepção tupiniquim de praia era que noventa por cento dos "banhistas" continuavam vestidos, do casal esticado na toalha ao molequinho cavando buraco no chão. O máximo a que se permitiam era levantar a barra da calça e caminhar com os pés descalços. Uns poucos marmanjos tiravam a camisa para um rápido tibum e só topei com uma garota que trajava biquíni – não chegava a ser um maiô de vovó, mas era tão ou mais bem-comportado, incluindo uma sainha na parte de baixo impensável numa praia carioca. 


Pra não falar na bóia. 

 
Com que roupa eu vou... pra praia que você me convidou? 

 

No quesito entretenimento, pelo menos para a criançada, nada a reclamar: um parque de diversões montado na orla tinha carrossel, touro mecânico, carrinho bate-bate e todos aqueles brinquedos estilo Playcenter que causam vômito fácil. Uma dupla (de adultos) empinava duas pipas gigantes, fazendo acrobacias ousadas e divertindo os espectadores. E no mar, uma série de "bicicletas aquáticas" (ou seja lá como se chama esse troço) eram pedaladas com gosto pelos, digamos, aquaciclistas. Chinês gosta tanto duma bicicleta que pedala até no mar. 

 

 

 


É pra divertir ou pra assustar? 

Na hora em que eu e o belga fomos pra água, os únicos que estavam efetivamente nadando eram dois chineses um pouco ao longe, que logo começaram a acenar e gritar: "laowai! laowai!" ("gringos! gringos!"). O mar estava limpo e refrescante, ainda que carecesse de ondas. Terminado o mergulho, voltamos à beira-mar e foi aí que notamos que tínhamos virado atração: dezenas de olhos virados para nós e pelo menos três câmeras fotografando e filmando. Unicamente por sermos branquelos saindo do Mar Amarelo. Nunca pensei que, tão longe da costa brasileira, iria um dia me sentir como se estivesse na Ilha de Caras. 

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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