26/06/2016

Paul McCartney ao vivo, enfim!


Ouvir Paul e sua banda tocando o icônico acorde inicial de "A Hard Day's Night" não foi só um alívio após duas horas em pé ouvindo um DJ desastroso, mas o fim de uma década e meia de espera. 

Em vão aguardei um show do Paul McCartney no Brasil desde os idos de 2001, 2002. Suas aparições em terras tupiniquins eram raras e a última fora no longínquo 1993, quando o Brasil nem tetra era, eu cursava a terceira série primária e só tinha visto um show na vida: o do Jaspion no Mineirinho. 

Já mencionei o assunto neste blog em algumas ocasiões. Em 2004, reclamando que Paul não vinha para o Rock in Rio do Rio, mas dava as caras no Rock in Rio de Lisboa, comentei: "o velho Macca já tá quase com seus 64 anos profetizados em "When I'm 64"... se o cara morrer antes de voltar ao Brasil mais uma vez (toc, toc, toc três vezes na madeira), não vou me conformar". Em 2007, com os grandes shows internacionais aumentando em frequência, chutei: "em breve anunciarão para o final de 2007 a vinda de Sir Paul ao nosso Brasilzão de meu Deus. Aí, contem pra imprensa que vocês leram antes no Biselho".

Fui morar na China no final de 2009 sem que minha previsão ou minhas esperanças se concretizassem. E as chances de vê-lo em Beijing eram praticamente nulas: poucos anos antes, Paul anunciara que nunca tocaria no país após ver um vídeo sobre a violência contra cães e gatos em Guangzhou. Parece que depois reconsiderou a decisão e disse que curtiria tocar para uma plateia chinesa, mas até hoje não pintou por lá.

Eis que em novembro de 2010, enquanto eu continuava a onze fusos horários de distância, Paul resolveu aportar com sua Up and Coming Tour em São Paulo e Porto Alegre, tocando hits de seus 50 anos de carreira para trocentas mil pessoas, incluindo vários amigos meus. E eu lá, vendo fotos e relatos pelo Facebook, isso quando o VPN funcionava e eu conseguia acessar.

Não satisfeito em me fazer inveja uma vez só, Paul voltou ao Brasil em 2011. E em 2012. E novamente em 2013. E uma vez mais em 2014. Tocou no Rio, em Brasília, em Floripa e Recife. Voltou a São Paulo, agitou Fortaleza e deu as caras até em Cariacica, na região metropolitana de Vitória. E, claro, animou meus conterrâneos no Mineirão, praticamente no quintal da casa da minha avó. Parecia de propósito. Só faltou ter tocado n'A Obra e no Matriz.

Enquanto isso, eu já morava na Alemanha desde meados de 2013 e nada do senhor McCartney anunciar uma apresentação por estas bandas. Ele não passava por Berlim desde 2009 e, até onde eu sabia, nada tinha contra tocar para plateias alemãs — coisa que fazia com regularidade desde os tempos loucos de Hamburgo em 1960-62. Em 2016 ele anunciou uma nova turnê mundial que passaria pela Europa, e minhas então minguadas esperanças ressurgiram.

Às 8 da manhã de uma quinta-feira de março, recebi um e-mail do Songkick, um site que informa quando seus artistas favoritos marcam show na sua cidade: "Paul McCartney em Berlim no dia 14 de junho". Vi pelo celular e comprei os ingressos assim que tive acesso a um computador, para ficar em pé, em frente ao palco. Duas horas depois, estava quase tudo esgotado. Dois meses de expectativa depois, lá estava eu em pé, a uns dez metros do palco do Waldbühne, um anfiteatro dos anos 1930 construído no meio de uma floresta no oeste berlinense.


À minha frente, um DJ medonho mutilava canções dos Beatles e dos Wings em remixes bisonhos, sem noção nenhuma de equalização ou de bom senso. Ao meu redor, cabeças brancas dividiam espaço com quarentões de rabo-de-cavalo, famílias com crianças e camisetas estampando versões sortidas da capa do Abbey Road ("The Beetles" com Fuscas atravessando a rua; "The Bottles" com garrafas). Ao todo, contando a galera em pé e todo mundo sentado atrás nas arquibancadas do anfiteatro, éramos vinte e duas mil pessoas.

Mandando a pontualidade britânica às favas, Paul McCartney subiu ao palco berlinense com meia hora de atraso e começou com "A Hard Day's Night", que entrou no setlist dessa One on One Tour pela primeira vez em sua carreira pós-Beatles. E por nada menos que 2 horas e 45 minutos, cercado de músicos supercompetentes e carismáticos (com direito a dancinhas coreografadas), tocou guitarra, violão, piano, teclado, ukulele e seu baixo Hoffner, conversou, falou alemão e cantou à beça.


Teve Beatles do começo ("Can't Buy Me Love") e do final ("I've Got a Feeling"). Teve músicas dos discos mais recentes ("Save Us", "New", "My Valentine") e canções dos primórdios de sua carreira solo ("Maybe I'm Amazed"). Teve homenagem ao John no violão ("Here Today"), ao George no ukulele ("Something", de arrepiar) e a George Martin ("Love Me Do"). Teve obras-primas como "Here, There and Everywhere" e "Eleanor Rigby" (que não é a mesma coisa sem a orquestra, mas ainda é Eleanor Rigby). Teve até uma de suas poucas aventuras no mundo da música eletrônica ("Temporary Secretary", de 1980). A mais recente foi "FourFiveSeconds", sua inusitada parceria com Rihanna e Kanye West lançada no ano passado. A mais antiga foi "In Spite of All the Danger", primeira composição própria gravada pelos adolescentes John, Paul e George quando ainda eram Quarrymen, em 1958. Cinquenta e sete anos separam uma da outra.

O telão atrás completava o show, jorrando artes psicodélicas em "Being for the Benefit of Mr. Kite", desenhos russos em "Back in the U.S.S.R.", figuras femininas fortes em "Lady Madonna" e imagens variadas dos jovens e velhos Bítous. A superprodução teve seu clímax, como de praxe, em "Live and Let Die", penúltima do set principal, onde o palco cospe um fogaréu a cada "paaaaam! paaaaaam!" e fogos de artifício inundam o céu. E aí ele mandou "Hey Jude" e milhares de pessoas repetiram os infindáveis "na na na na" até acabar a voz. No final do show, eu estava mais rouco que o Paul.


Antes de engrenar o bis, Paul se enrolou na bandeira arco-íris em homenagem às vítimas do massacre em Orlando e ainda recebeu no palco dois japoneses da plateia, pai e filho vestidos de Sgt. Pepper's, pedindo que ele assinasse a justificativa escolar do moleque para matar cinco dias de aula e ir assistir ao seu show em Berlim. Ele assinou, chamou o pai do menino de "péssimo exemplo" e demonstrou não ser exatamente dotado de ouvido absoluto ao perguntar o nome do cara ("Takushi", disse o japonês. "Hello, Tatushi!", disse Paul).

O bis teve a inevitável "Yesterday", "Birthday" (dedicada a "todos que fazem aniversário hoje ou em algum dia do ano") e o medley "Golden Slumbers"/"Carry That Weight"/"The End" que encerra o derradeiro e quiçá melhor disco dos Beatles. "And in the end, the love you take is equal to the love you make". Paul e banda cumprimentam o público e ele se despede em alemão: "Auf Wiedersehen! Tschüss! Bis zum nächsten Mal!" — "Valeu, falou, até a próxima!" Mais fogos de artifício no céu. Um fumacê no palco. Milhares de papéis picados nas cores alemãs caindo na galera. E vinte e duas mil pessoas vão pra casa mais felizes e mais do que satisfeitas após terem presenciado ao vivo a trilha sonora com a qual cresceram.

Quatro dias depois, Paul McCartney completou 74 anos.

E agora aguardo o Songkick me mandar um e-mail falando que vai ter show dos Stones.

Setlist:

1- A Hard Day's Night
2- Save Us
3- Can't Buy Me Love
4- Letting Go
5- Temporary Secretary
6- Let Me Roll It
7- I've Got a Feeling
8- My Valentine
9- Nineteen Hundred and Eighty-Five
10- Here, There and Everywhere
11- Maybe I'm Amazed
12- We Can Work It Out
13- In Spite of All the Danger
14- You Won't See Me
15- Love Me Do
16- And I Love Her
17- Blackbird
18- Here Today
19- Queenie Eye
20- New
21- The Fool on the Hill
22- Lady Madonna
23- FourFiveSeconds
24- Eleanor Rigby
25- Being for the Benefit of Mr. Kite
26- Something
27- Ob-La-Di, Ob-La-Da
28- Band on the Run
29- Back in the U.S.S.R.
30- Let It Be
31- Live and Let Die
32- Hey Jude

Bis:
33- Yesterday
34- Hi, Hi, Hi
35- Birthday
36- Golden Slumbers
37- Carry That Weight
38- The End

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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