Cozinhando pelo mundo I - Tajiquistão, Moçambique e Nauru
Projeto de 2021 para expandir minhas habilidades culinárias e descobrir novos sabores diante da impossibilidade de viajar ou mesmo visitar um restaurante neste lockdown eterno: fazer um prato de um país diferente por semana.
Estou bem longe de ser um Remy do Ratatouille: ainda só cozinho seguindo receitas e geralmente levo o dobro do "tempo de preparação" que elas sugerem. Pelo menos posso dizer que evoluí um pouquinho desde os tempos universitários, quando o ápice do meu know-how gastronômico era fazer um sanduíche de pão dormido com requeijão Itambé sabor ervas finas.
Para ir além do macarrão à bolonhesa ou frango frito acebolado do dia a dia, decidi embarcar numa volta ao mundo caseira que, seguida à risca, vou levar uns 4 anos para terminar. A regra é simples: fazer uma receita por semana de um país aleatório. E digo "aleatório" no sentido literal: estou usando um site chamado Random Country para escolher os países, e depois jogo no Google pra ver o que se come por lá.
Aqui vai um apanhado dos três primeiros pratos do projeto:
Semana 1: o glorioso PLOV do Tadjiquistão 🇹🇯
"Plov" é uma palavra muito legal. É onomatopeica, é enfática, é curta e intrigante. PLOV. Etimologicamente, a palavra é irmã do pilaf, nome de um arroz com especiarias do Oriente Médio, e prima distante da paella, o célebre guisado espanhol de arroz com frutos do mar. O plov, com esse nome, é um prato de arroz com carne típico do Tadjiquistão, que fica ali na Ásia Central perto de outros Istões como o Uzbequistão, o Quirguistão e o Cazaquistão.
Demorei horas pra fazer esse plov. Nunca tinha cozinhado carne de cordeiro na vida, e muito menos cortado cubos de cordeiro a partir de uma peça de 1 quilo de ombro, o que me levou o tempo de escutar um álbum inteiro de músicas tadjiques no Spotify.
Mas o resto é demorado porque o tempo de cozimento é longo mesmo. Primeiro refoguei cebola, carne e cenoura numa panela grandona, temperei com cominho e mergulhei tudo em água quente, que deixei borbulhando por meia hora. Depois adicionei uma camada de arroz por cima, e é aqui que o plov começa a tomar dimensões quase babilônicas: nada menos que 1 quilo de arroz foi parar na panela. Finquei um alho inteiro, fiz uns buraquinhos pra deixar o vapor escapar e deixei o negócio cozinhar por mais uns 20 minutos.
Mais de uma hora de fogão ligado depois, destampei a panela e lá estava o meu primeiro plov: a água tinha desaparecido, assim como as duas cebolas e a gordura do cordeiro, tudo devidamente fagocitado pelo arroz. A carne ficou tão tenra que desfiava só de misturar com o arroz e o que sobrou da cenoura fatiada. O alho, cozido no topo como se coroasse o plov, terminou macio a ponto de sair como uma pasta de dentro da casca.
Num futuro repeteco, talvez eu utilize menos arroz, porque a quantidade ficou realmente descomunal: a travessa aí da foto acima deve corresponder a um terço do total. Sobrou plov pra semana inteira e ainda resta um pouco no congelador. Saborosamente falando, ficou bem bão. Outras variações plóvicas de países vizinhos, como Uzbequistão e Afeganistão, incluem uvas passas e ovos cozidos – fica a dica se você quiser se aventurar pela gastronomia da Ásia Central. De qualquer maneira, o plov do Tadjiquistão é um prato que vale a pena plovar. Segue a receita para compensar esse trocadalho inevitável.
Semana 2: camarão à moçambicana 🇲🇿
"Devia ter sido camarão de Camarões", opinou meu amigo Bernardo Silveira quando lhe contei sobre meus planos. Ainda não sei se os crustáceos decápodes são típicos de seu país homônimo, mas certamente são em Moçambique, um país com 2.600 quilômetros de litoral. Eu já tinha assistido a uma porção de filmes moçambicanos para meu projeto do cinema pelo mundo para o Cinema de Buteco (que vai virar livro em breve, olha o jabá atravessando o texto), e chegou a hora de experimentar um prato de lá.
Este camarão à moçambicana foi bem mais rápido de fazer do que o plov tadjique. Primeiro você refoga umas cebolas com temperos diversos: alho, açafrão, pimentas. A receita tradicional pede por uma "piri-piri", variante flamejante da pimenta malagueta que não se encontra fácil na Alemanha. Substituí por um chili em pó que não é moçambicano de raiz, mas cumpre o papel. Em seguida, derrama-se um pouco de cerveja na mistura (é ótimo cozinhar com cerveja, pois sempre sobra um pouco para o cozinheiro). Aí é só tacar os camarões e fritar. Os pimentões vermelhos não estavam na receita que eu segui (táquí o link), mas deram uma crocância e uma coloração a mais para o prato.
Semana 3: fish & chips de Nauru 🇳🇷
Se você nunca ouviu falar em Nauru, não precisa se envergonhar. É uma ilha minúscula no meio do oceano Pacífico e o terceiro menor país do mundo, atrás apenas do Vaticano e de Mônaco. A população total é de uma cidadezinha do interior: 13 mil pessoas.
Nauru tem uma triste história de ascensão e queda. O país tinha um território rico em fosfato, que era exportado para o mundo todo e tornou os nauruenses um dos povos mais ricos do planeta, per capita, durante os anos 1970. As reservas se esgotaram, o dinheiro do fosfato foi gasto de forma descontrolada e hoje Nauru depende de ajuda externa para sobreviver.
Essa receita (link aqui) é baseada em peixe e coco, duas coisas que ainda abundam em Nauru. O peixe é frito à milanesa, mas com duas variações importantes: primeiro, marina-se no limão e sal; e em vez de passar na farinha de rosca antes de fritar, a camada externa é de lascas de coco. Fiz com tilápia e ficou uma versão polinésia bem interessante do fish & chips britânico, acompanhado por tiras de batatas doces assadas ao forno como os "chips" da parada. A salada da foto não tem nada de nauruense, mas há que se balancear essa fritura toda com um pouco de folhagem.
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Para acompanhar o progresso do projeto, imprimi um mapa para colorir de canetinha, à la Maternal III, os países já cozinhados. Ali está o Tadjiquistão de verde, espremido entre seus vizinhos mais imponentes; Moçambique de vermelho, encarando a ilha de Madagascar; e Nauru... fora do mapa. Porque só depois de imprimir é que percebi que cortei fora uma grande parte do planeta, incluindo o Alasca e a Nova Zelândia, e Nauru – que tem 21 quilômetros quadrados e, nessa escala, seria um pontinho no meio do mar – entrou na dança. Acabei desenhando uma seta azul mostrando onde ficaria essa pequenina república insular no mapa se eu tivesse impresso o PDF com um pouco mais de zelo.
No próximo capítulo: um prato de Gana (ainda não fiz, mas os ingredientes já estão comprados) e receitas de mais dois ou três países que a aleatoriedade irá decidir pra mim.