Terra brasileira
Pré-estréias são sempre legais. Além de geralmente rolar um agrado, um vale-combo pipoca e refri, às vezes um ou outro brinde surpresa (na pré de Superman - O Retorno, os fãs que vestiam a camisa do Super-Homem ganharam presentes. A minha do Chapolin não valeu de nada), é boa a sensação de ver o filme antes dos outros mortais, ainda mais quando o ingresso não pode ser comprado, só ganhado. Foi assim na última terça-feira, na pré-estréia belo-horizontina do brasileiro Linha de Passe.
Dirigido por Walter Salles (de Central do Brasil, Diários de Motocicleta e tantos outros) e Daniela Thomas (que, só hoje descobri, é filha do Ziraldo), Linha de Passe estréia por aqui dia 5 de setembro e narra o dia-a-dia de uma família paulistana, mãe e quatro filhos. A mãe é vivida por Sandra Corveloni, que ganhou até prêmio em Cannes por sua atuação. Os filhos foram escolhidos por testes, preparados em oficinas de atores pela célebre Fátima Toledo e não devem nada às outras interpretações. Há também algumas caras conhecidas, como Vinícius de Oliveira (o moleque de Central do Brasil, irreconhecível), como o filho que já beira os 18 e ainda sonha em ser jogador de futebol. Cabeludo e espinhento, fui perceber que era ele só quando vi o nome nos créditos finais.
Tenho uma certa queda por estudos de personagens. É aquela parte central de Náufrago em que o Tom Hanks está na ilha, aprendendo a sobreviver e conversando com uma bola; ou a primeira metade de Wall-E, onde o robozinho solitário nada faz além de catar lixo e colecionar trecos. Dão a impressão de que não tá acontecendo nada, mas acabam sendo muito mais interessantes do que se houvesse um vilão ou algo que o valha. Linha de Passe se encaixa um pouco no conceito, dividindo o tempo de tela entre os 5 personagens principais: Dario, aspirante a jogador de futebol; Dinho, frentista evangélico; Dênis, motoboy e pai por acidente; o caçula Reginaldo, que nunca conheceu o pai; e Cleusa, empregada doméstica, que tenta ser pai e mãe da filharada enquanto encara uma quinta gravidez. Semana que vem, faça o favor de levantar a bunda da cadeira, esquive-se de ver mais uma bomba do Adam Sandler e engula seu preconceito contra produções nacionais, porque o filme é bão pra caramba.
A cereja do bolo foi o bate-papo com a Daniela Thomas e a Sandra Corveloni após a exibição. Não tinha muita gente - são poucos os animados em discutir cinema à meia-noite de uma terça-feira - e talvez por isso tenha sido tão bacana. Abri a rodada de perguntas com uma dúvida sobre direção em conjunto: como é dividir a direção de um filme com alguém, sendo que dirigir normalmente é como escrever, uma tarefa autoral e solitária? Disse Daniela: é um caos. Mas explicou que acaba havendo uma divisão natural, ela fica mais com a parte da pré-produção, da escolha do elenco e locações, enquanto Walter Salles é "o homem do set", o cara que entende tudo de câmeras e lentes - chegando inclusive a operar a câmera em alguns takes.
O papo seguiu com várias histórias divertidas dos bastidores. Algumas situações reais evocavam cenas do filme: o teste do elenco, com milhares de candidatos, como as "peneiras" de jogadores de futebol das quais participa o garoto Dario; o ator Kaique de Jesus Santos, que viveu o Reginaldo, tão marrento no set quanto seu personagem; a Sandra disputando o papel da mãe com outra atriz, como sua personagem disputa a vaga de empregada. E os felizes acasos que não estavam no roteiro e acabam melhorando o filme: a cena da Bíblia no sofá, por exemplo, foi idéia do Kaique, que soprou a sugestão no ouvido do colega antes da gravação, sem contar pra ninguém.
Também aproveitei para sanar com a Daniela uma dúvida técnica: quanto do filme é dublado e quanto é o som real, captado na hora? Ela disse que uns 30% é dublado, o que é bastante. Cenas externas, ou dentro de ônibus, que sofrem com a barulheira ruidosa, tiveram seus diálogos totalmente refeitos em estúdio, às vezes meses depois. E é tranqüilo, ou o ator encontra dificuldade pra voltar ao personagem tanto tempo depois? Nada, é bem simples, ele escuta a voz-guia várias vezes e depois repete. Só teve uma cena em que percebi uma sincronia meio falha, o que nem se compara aos filmes nacionais de vinte anos atrás, de dar vergonha à turma do Chaves.
(Quem se interessa por curiosidades de produção, aliás, vá ler o Blog de Blindness, escrito pelo Fernando Meirelles sobre as filmagens do seu Ensaio Sobre a Cegueira. Que bem podia ter uma pré-estréia em BH também, hein, Fox Filmes?)