Devia ser proibido
Todo mundo fala do Latino ou do Calypso, mas uma das letras mais picaretas da música brasileira recente vem da afamada e aclamada senhora Marisa de Azevedo Monte, junto de seus comparsas Dadi e Seu Jorge. Senão vejamos:
Cocada, queijadinha, sorvete,
Chiclete, sundae de chocolate.
Começa com uma estrofe claramente sem critério. Não que seja ruim escrever uma letra só com nome de doces - George Harrison já fez isso em "Savoy Truffle" (do Álbum Branco), acrescentando que seu interlocutor poderia se deliciar com tudo aquilo, mas teria que arrancar todos os dentes depois da trufa de Savóia. Também não falo mal da falta de rimas: grandes clássicos do cancioneiro popular já foram feitos só com versos brancos ("A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica / Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada"). Mas "Jujuba, bananada, pipoca"? "Chiclete, sundae de chocolate"? Qualquer turma de maternal escreve um disco assim em uma tarde de brincadeiras.
Frumelo, doce de abóbora com coco,
Bala juquinha, algodão doce e manjar.
Aqui o caso é diferente. Relendo as prosaicas sobremesas encaixadas na primeira estrofe, os autores nitidamente tentaram se superar adicionando nomes de doces menos usuais, como a mariola e o frumelo. Pode averiguar: nunca a Bala Juquinha e o doce de abóbora com coco foram empregados tão gratuitamente quanto aqui.
Venha pra cá, venha comigo!
A hora é pra já, não é proibido.
Vou te contar: tá divertido
Pode chegar!
As primeiras rimas dão as caras. Um primor: "Venha pra cá" com "A hora é pra já", "contar" com "chegar", "comigo" com "proibido". De fazer inveja em Fernando Pessoa. Mas o ponto principal que quero abordar sobre este trecho é que ele é um refrão de axé disfarçado. Não faltam nem os verbos no imperativo. Eu não me surpreenderia se uma cantora baiana cantasse essa música no próximo Carnaval. Opa, espera aí: a Ivete Sangalo já fez isso.
Manda um e-mail para a Joana vir
Marisa Monte mostra como está antenada com as novas tecnologias, num apropriado uso da palavra "e-mail" em uma letra. Nos próximos álbuns certamente ela vai mandar um scrap para o Pepe e um Twitter para o Peter. E a Joana em questão é tão importante para Marisa que não vai receber um telefonema nem uma mensagem de celular, que são instantâneos, mas um e-mail que ela pode nem chegar a abrir. Sorte a dela.
Fala para o Peixoto chegar aí!
O primeiro verso é cantado com duvidosa dicção e eu sempre entendia algo como "Não precisa esquentar a cama". Acho que o meu virundum é melhor. O segundo é coberto de mistérios: será que ela se refere ao ilustre Floriano Peixoto, segundo presidente do Brasil? Ou a Alvarenga Peixoto, poeta e inconfidente exilado na África? Talvez ao médico, político, escritor e crítico literário Afrânio Peixoto? Fica a pergunta.
Traz toda a gente, tá convidado, é pra dançar,
Toda tristeza deixa lá fora, chega pra cá!
Esse refrão sem-vergonha é um axé por si só. Dava pra encaixar fácil aí no meio um "O povo do gueto mandou avisar". E como boa música de axé, é nesse ponto que Marisa começa a repetir a letra inteira novamente, sem faltar os numerosos "Uh!" que ela solta ao longo da canção. Pobre de nós.
Este post vai para a Bella, que ontem me mandou uma mensagem assim: "Tem uma infeliz sentada atrás de mim no ônibus cantando a música da jujuba da Marisa Monte. Mato ela ou não?", e para o De Pinho, que é fã de Marisa Monte mas me ajudou a descascar a letra de "Não É Proibido" em merecedores comentários sarcásticos.