07/03/2010

No dark sarcasm in the classroom!

 

Percebendo que o exercício do livro não empolgava muito e as conversas paralelas continuavam, decido que é hora de usar a arma secreta. Quando tiro o violão da sacola, instantaneamente se calam. Começo a cantar: 

- "I've got sunshine... on a cloooudy day..." 

Algumas meninas gravam vídeos com seus celulares e até a turminha que passou a aula batendo papo e desenhando agora presta atenção. No final, depois que aplaudem, um aluno me pergunta: 

- Professor, de onde você é? 
- Da América – é minha resposta, um tanto vaga. Ele parece satisfeito e eu não estico o assunto, voltando à música e explicando verso por verso porque o sujeito da música tem o sol raiando mesmo em dias nublados. 

Pois é. Não apenas virei professor de inglês para adolescentes chineses, como tenho que esconder minha nacionalidade, porque a meninada espera um falante nativo. "América" é uma solução razoável: nem chega a ser uma falácia, só omiti o “do Sul”. Mas tudo bem: na minha entrevista, perguntei ao diretor qual era a nacionalidade do professor anterior e ele disse: "francês". 

Ao entrar na sala, cumprimento o grupo de quinze meninos e meninas, me apresento como "Luke" e peço que me digam seus nomes, suas idades e o que gostam de fazer. Assim como na minha aula de chinês eu sou “Lúkǎsī ”, aqui todos têm nomes anglicanizados. E já devem ter feito essa apresentaçãozinha inúmeras vezes, porque as respostas são todas mecânicas: 

- Olá, professor, prazer em conhecê-lo. Meu nome é William, eu tenho doze anos e gosto de jogar basquete e jogos de computador. 

Ou: 

- Olá, meu nome é Victoria, eu tenho treze anos e gosto de navegar na internet e jogar badminton. Minha matéria preferida é matemática, meus colegas não gostam muito porque dizem que é chato, mas eu acho muito interessante. 

Peço para que abram o livro na página 53, se juntem em duplas e discutam o primeiro exercício. O livro-texto – “Green Channel”, Book 2 – é que nem qualquer livro-texto de inglês que a gente vê no Brasil, cheio dos velhos diálogos de sempre, educados e irreais, e sugestões de assuntos para a turma discutir. Sugeri a uma dupla o tópico “qual personalidade você gostaria de conhecer?”. Um escolheu Michael Jackson, o outro disse Mickey Mouse. 

O curioso é que, mesmo sendo todo em inglês e usando como exemplos pessoas e lugares da Inglaterra, o livro foi feito por uma editora de Shanghai, e vez ou outra a gente se depara com um lampejo da cultura local. Um exercício da unidade 1, por exemplo, listava diversos tipos de comida: “barbecue”, “cheese”, “roasted beef” e... “snake soup”. Diliça! 

No intervalo – vinte minutos no meio de uma longa aula de três horas –, enquanto janto uma comida de bandejão composta de arroz grudento e um punhado de jiǎozi, converso com o professor da turma ao lado, um australiano que logo me perguntou: 

- Eles são barulhentos, não são? 

- Muito mais que eu esperava – respondi. 

É verdade. Você vai achando que na Ásia o povo é mais organizado, us pequeno bedece us grande... Cousa nenhuma. Treze anos é treze anos em qualquer lugar e a sétima série deles traz as mesmas figurinhas carimbadas que a nossa: a menina calada e aplicada da terceira fileira, os garotos que não param de rir e conversar, as meninas que não só conversam como se olham no espelho e mexem no celular. 

Às oito e meia da noite o sinal toca, os alunos se despedem com seus “Goodbye, teacher” rumo a um fim-de-semana de esportes e joguinhos de computador, e eu volto pra casa pensando na minha merecida cerveja e na música que vou tocar sexta que vem. Quem sabe não encontro talentos escondidos na classe e sigo os passos de Jack Black numa versão oriental da Escola de Rock 

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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