Ridiculamente complexo
Qual palavra dá mais trabalho pra escrever?
Eu tenho algumas que não curto. Quando escrevo a mão, em letras cursivas, dois Cs em seguida são sempre um pé no saco. “Facção”, por exemplo: eu vou no embalo e quando vi, coloquei três Cs em vez de dois, e tenho que fazer uma gambiarra pra transformar o último num A. É por isso que não uso com freqüência termos como “occipúcio” e “ecceidade”.
Já no celular, a mais trabalhosa é “babaca”. Todas as letras ficam na tecla 2, e você não pode digitar muito rápido, senão a mesma letra fica alternando entre A, B, C e suas variações acentuadas e cedilhadas. Na hora de xingar alguém por SMS, prefira “escroto”, “idiota” ou “calhorda”.
A língua chinesa, à primeira vista, parece ser feita exclusivamente de palavras difíceis de escrever. Tome-se uma frase simples, como “不关你的事 ” (“Isso não é da sua conta”). Nossos olhos ocidentais enxergam um emaranhado de rabiscos aparentemente impenetráveis. Com a prática, porém, você vai se acostumando e vendo sentido em todos esses “deseinhos”, como diria a minha avó. Sem falar que alguns caracteres são simples mesmo: 一,二,三, 个, 十.
Mas tudo tem limite.
Perambulando por Xi'an, notei uma quantidade grande de restaurantes que estampavam na fachada um caractere ridiculamente complexo:
Eu tenho algumas que não curto. Quando escrevo a mão, em letras cursivas, dois Cs em seguida são sempre um pé no saco. “Facção”, por exemplo: eu vou no embalo e quando vi, coloquei três Cs em vez de dois, e tenho que fazer uma gambiarra pra transformar o último num A. É por isso que não uso com freqüência termos como “occipúcio” e “ecceidade”.
Já no celular, a mais trabalhosa é “babaca”. Todas as letras ficam na tecla 2, e você não pode digitar muito rápido, senão a mesma letra fica alternando entre A, B, C e suas variações acentuadas e cedilhadas. Na hora de xingar alguém por SMS, prefira “escroto”, “idiota” ou “calhorda”.
A língua chinesa, à primeira vista, parece ser feita exclusivamente de palavras difíceis de escrever. Tome-se uma frase simples, como “不关你的事 ” (“Isso não é da sua conta”). Nossos olhos ocidentais enxergam um emaranhado de rabiscos aparentemente impenetráveis. Com a prática, porém, você vai se acostumando e vendo sentido em todos esses “deseinhos”, como diria a minha avó. Sem falar que alguns caracteres são simples mesmo: 一,二,三, 个, 十.
Mas tudo tem limite.
Perambulando por Xi'an, notei uma quantidade grande de restaurantes que estampavam na fachada um caractere ridiculamente complexo:
É claro que achei que estavam de zoeira. A internet está cheia de ideogramas falsos – misturebas aleatórias tidas como caracteres chineses em uso corrente, mas que são apenas um amontoado de tracinhos reunidos para impressionar os leigos. Mas daí resolvi pesquisar, e acabei descobrindo que o caractere visto em Xi'an existe mesmo e atende pelo onomatopeico nome de “biáng”. Ele se refere ao macarrão “biang biang”, especialidade da província de Shaanxi cujo comprimento e textura deram-lhe a fama de ser que nem um cinto.
A origem da palavra provavelmente vem do som que se faz ao mastigar a iguaria. Experimente dizer “biang biang mian” (“miàn” é a palavra chinesa para macarrão). É praticamente igual a “nham nham nham”.
Nham nham nham
Já o caractere em si tem origens mais controversas. Uma versão diz que ele foi criado por um proeminente premiê da dinastia Qin, uns bons duzentos anos antes de Cristo. Em 2007, um programa de TV exibiu um documentário no qual diversos professores universitários são entrevistados em busca da origem do caractere biáng, mas ninguém conseguiu constatar a veracidade da versão mais antiga. Acabaram concluindo que ele foi inventado por uma loja de macarrão, ávida por um atrativo a mais para seu produto. Pelo visto, funcionou: inicialmente tido como “prato de pobre” em áreas rurais, o prato tem se tornando cada vez mais popular em restaurantes da moda, justamente por causa do ideograma bizarro.
Para escrever o caractere biáng, são necessários 57 traços. Dependendo da sua caligrafia, é mais do que escrever a maior palavra da língua portuguesa, “pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico”, ou a frase palindrômica “Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos”. No computador, é impossível usá-lo como fonte, apenas como imagem.
E como se faz pra decorar essa maçaroca visual? Aí é que nem decorar fórmulas para uma prova de Física. Existem truques mnemônicos, como esse poeminha psicodélico porcamente traduzido por mim:
Um ponto sobe ao céu
E o Rio Amarelo faz duas curvas
Um "oito" ( 八 ) abre sua boca
E uma "fala" ( 言 ) entra também
Você gira, eu giro
Você cresce, eu cresço
E colocamos um rei-cavalo no meio
Um "coração" ( 心 ) forma a base
Uma "lua" ( 月 ) fica ao lado
Um gancho na direita para pendurar doces de gergelim
E pegamos a carruagem para ver as ruas de Xianyang
E o Rio Amarelo faz duas curvas
Um "oito" ( 八 ) abre sua boca
E uma "fala" ( 言 ) entra também
Você gira, eu giro
Você cresce, eu cresço
E colocamos um rei-cavalo no meio
Um "coração" ( 心 ) forma a base
Uma "lua" ( 月 ) fica ao lado
Um gancho na direita para pendurar doces de gergelim
E pegamos a carruagem para ver as ruas de Xianyang
Agora ficou fácil, hein?
Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto
Boca de Gafanhoto , China , idiomas , mandarim , Xi'an
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