26/08/2010

Numa folha qualquer, eu desenho...

 

E aí eu estava andando com meu pai no 798 Art District , antigo conjunto de fábricas transformado em reduto artístico pequinês, e passamos por aquele tradicional cartaz estampado com desenhos e caricaturas. 

Homens-estátua e caricaturistas costumam ser os tipos mais comuns de artistas de rua no exterior (no Brasil, malabaristas monopolizam o mercado). Mas embora eu já tenha sido retratado por amigos e conhecidos, geralmente em traços pouco camaradas, nunca submetera minha monocelha e meu nariz libanês ao lápis de um desenhista de rua. 

Preço e tempo: 10 kuai (R$ 2,50) por uma caricatura feita em 5 minutos. O artista, de sandália e meia e rabo-de-cavalo escorrendo do boné branco, era do tipo caladão. Quando viu que ambos queríamos um registro em celulose, rascunhou dois bonecos de palitinho sem dizer nada e escreveu ao lado o preço, 20 kuai. Cinco reais por duas caricaturas. Tá difícil viver de arte no Brasil? Imagine na China. 

Munido de prancheta e um punhado de gizes de cera, nosso artista começou a desenhar pai e filho. Observava a cara de um, o focinho de outro, pedia novas cores à ajudante (ele tinha até ajudante!) e trabalhava concentrado, com as pernas abertas em A como um goleiro mal treinado. Atrás do desenhista, uma pequena platéia começou a se formar. Eles olhavam pra gente, para a prancheta e soltavam risadinhas cáusticas. Meu pai notou que o giz de cera cinza era uma constante: estava retratando seus fios grisalhos. Já as ondulações exageradas feitas com giz preto certamente representavam a saudade que meus cabelos sentiam de uma boa tesoura. 

 

Ao fim de dez minutos, o silencioso artista assinou o trabalho e exibiu o resultado. Meu pai ganhou uma túnica amarronzada e um leque amarelo nas mãos. Eu fui transformado num bebê gigante, segurando um balão azul e vestindo apenas uma bandeirola com o fú (福), popular ideograma que significa felicidade ou sorte. Da próxima vez, vou ver se adiciono uma gorjeta: quem sabe, assim, me vistam ao menos uma roupa decente. 

 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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