Numa folha qualquer, eu desenho...
E aí eu estava andando com meu pai no 798 Art District , antigo conjunto de fábricas transformado em reduto artístico pequinês, e passamos por aquele tradicional cartaz estampado com desenhos e caricaturas.
Homens-estátua e caricaturistas costumam ser os tipos mais comuns de artistas de rua no exterior (no Brasil, malabaristas monopolizam o mercado). Mas embora eu já tenha sido retratado por amigos e conhecidos, geralmente em traços pouco camaradas, nunca submetera minha monocelha e meu nariz libanês ao lápis de um desenhista de rua.
Preço e tempo: 10 kuai (R$ 2,50) por uma caricatura feita em 5 minutos. O artista, de sandália e meia e rabo-de-cavalo escorrendo do boné branco, era do tipo caladão. Quando viu que ambos queríamos um registro em celulose, rascunhou dois bonecos de palitinho sem dizer nada e escreveu ao lado o preço, 20 kuai. Cinco reais por duas caricaturas. Tá difícil viver de arte no Brasil? Imagine na China.
Munido de prancheta e um punhado de gizes de cera, nosso artista começou a desenhar pai e filho. Observava a cara de um, o focinho de outro, pedia novas cores à ajudante (ele tinha até ajudante!) e trabalhava concentrado, com as pernas abertas em A como um goleiro mal treinado. Atrás do desenhista, uma pequena platéia começou a se formar. Eles olhavam pra gente, para a prancheta e soltavam risadinhas cáusticas. Meu pai notou que o giz de cera cinza era uma constante: estava retratando seus fios grisalhos. Já as ondulações exageradas feitas com giz preto certamente representavam a saudade que meus cabelos sentiam de uma boa tesoura.
Ao fim de dez minutos, o silencioso artista assinou o trabalho e exibiu o resultado. Meu pai ganhou uma túnica amarronzada e um leque amarelo nas mãos. Eu fui transformado num bebê gigante, segurando um balão azul e vestindo apenas uma bandeirola com o fú (福), popular ideograma que significa felicidade ou sorte. Da próxima vez, vou ver se adiciono uma gorjeta: quem sabe, assim, me vistam ao menos uma roupa decente.
Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto
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