25/10/2015

Leave the gun. Take the DeLorean.


Que baita semana, cinematograficamente falando. Quarta-feira tivemos o tão aguardado 21 de outubro de 2015, uma data que me criou expectativa por mais de duas décadas, desde que eu tinha oito ou nove anos e assistia a De Volta Para o Futuro II em looping, num VHS gravado da Sessão da Tarde. Até hoje ainda revejo a trilogia a cada ano ou dois, e recentemente concluí, após longos anos de procrastinação, minha série sobre a franquia no Cinema de Buteco (com críticas do primeiro, segundo e terceiro filmes, além de um especial sobre o "universo expandido" de De Volta Para o Futuro em desenho animado, videogame, atração de parque temático e o escambau). 

Nos textos, mencionei que já tinha visto o primeiro filme na "Tela Quente, Sessão da Tarde, VHS, DVD, dublado, legendado… Só faltou ter visto no cinema, o que não foi possível por uma questão temporal – tanto eu quanto o primeiro filme nascemos no glorioso ano de 1985." A informação já estava desatualizada desde o ano passado, porque em 2014 consegui assistir a De Volta Para o Futuro no cinema pela primeira vez, num Freiluftkino (cinema a céu aberto) em Berlim. Com um detalhe: dublado em alemão. Mesmo com Doc Brown esgoelando "Großer Gott!" em vez de "Great Scott!", foi ótimo poder ver o filme numa tela grande, com plateia curtindo junto.

Aí chegou 2015. Se o primeiro de janeiro amanheceu repleto de piadas do tipo "agora precisamos usar os bolsos pra fora das calças" e "não temos hoverboards, mas temos pau-de-selfie", logo nos acostumamos a viver num futuro sem carros voadores ou minipizzas que triplicam de tamanho em dois segundos. Mas era o fatídico 21 de outubro que importava, e à medida que a data chegava perto, coisas devoltaparaofuturianas começaram a pipocar pra todo lado: o lançamento de um novo box da trilogia, a chegada do desenho animado em DVD (mais de sete anos após meu pedido no último parágrafo deste post), o novo documentário Back in Time e muitas sessões de cinema pelo mundo afora, incluindo Brasil e Alemanha, com os três filmes em sequência. Em Berlim, vários cinemas anunciavam "Zurück in die Zukunft" pela cidade — mas tudo, novamente, dublado. Quando vi que o cinema do Sony Center, um dos poucos aqui que passam tudo com o áudio original, também faria sua maratona, não titubeei e garanti meu ingresso com dois meses de antecedência. Se os filmes ensinaram uma lição, é que é melhor não deixar pra fazer tudo em cima da hora.

Veio o 21 de outubro e foi uma agradável surpresa ver que não apenas a internet inteira girava em torno de De Volta Para o Futuro, mas que pululavam referências também no "mundo real": estações de trem em Londres proibindo hoverboards, a Pepsi lançando a Pepsi Perfect, Michael J. Fox e Christopher Lloyd surgindo caracterizados no programa do Jimmy Kimmel e até os jornais alemães estampando Marty e Doc na primeira página, com manchetes como "Jetzt ist die Zukunft" ("O futuro é agora"). 

Munido de Red Bull, biscoitos e suprimentos, cheguei ao Sony Center depois do trabalho com tudo pronto para começar a maratona, vestindo inclusive minha camiseta "Back to the Berlin Future", que traz um amálgama do DeLorean com o Trabi, o carro típico da antiga Alemanha Oriental. As empresas que fazem tours de Trabi pelas ruas berlinenses perderem a chance de desenvolver um "Tralorean" como o da camisa — fariam uma grana fácil com passeios sem precisar de plutônio ou de 1.21 gigawatts. Os fãs, por outro lado, não hesitaram em tirar seus jalecos e coletes vermelhos do armário, e topei com pelo menos um Doc Brown e dois Marties McFlies na entrada do cinema.


O primeiro filme estava marcado para as 18h30, mas só começou meia hora depois. Antes vieram as inevitáveis propagandas, trailers e anúncios de sorvete, onipresentes nos cinemas alemães. Às 19h, surgiu a imagem de um Christopher Lloyd quase octogenário saindo do DeLorean e se dirigindo à plateia: "Se meus cálculos estiverem corretos, vocês estão vendo isso em 21 de outubro de 2015. O futuro não é como imagináramos, mas somos nós quem fazemos nosso próprio futuro. Por isso, façam um bom futuro". Eu já tinha visto essa gravação alguns dias antes, conferindo os extras do novo box de blu-rays, mas no dia certo fez muito mais sentido. O filme em si, então, funcionou perfeitamente: todas as piadas foram recebidas com as risadas genuínas que merecem, e rolaram até aplausos efusivos quando George McFly nocauteia Biff no estacionamento. De todas as vinte ou trinta vezes, ver este filme no cinema, no exato "Back to the Future Day", foi provavelmente a mais especial.

Um cartaz na porta da sala avisava: "Sete minutos de intervalo entre os filmes". Mas quando as luzes se apagaram para a Parte II e uma propaganda apareceu na tela, tremi: será que iam passar mais meia hora de anúncios? Para meu alívio, era apenas um comercial falso do hoverboard. O segundo filme começou na sequência, com o cinema inteiro festejando quando o Doc apontou para a data nos circuitos do tempo: "OCT 21 2015". No intervalo seguinte, aproveitei os sete minutos para tomar um espresso: ainda faltavam duas horas e eu não queria tirar um cochilo involuntário como muitos ali acabaram fazendo.

O terceiro filme terminou à 1h da manhã e eu cheguei em casa ainda cantarolando o tema: e daí que passei a quinta-feira morrendo de sono no trabalho? Só fica o pedido encarecido aos roteiristas de ficções científicas: da próxima vez que fizerem um filme futurístico com potencial para virar cult décadas depois, escolham uma data que caia no sábado.


Dois dias depois, na sexta à noite, foi a vez de The Godfather Live, no mesmo Tempodrom onde vi Cat Stevens ano passado e Roger Hodgson há algumas semanas. Assistir a O Poderoso Chefão com uma orquestra tocando a trilha ao vivo? Indubitavelmente, é uma oferta que não dá pra recusar.

(Fato avulso: antes do início do filme, colocaram uma playlist de músicas tradicionais italianas. Nisso entra a melodia de "Quem te conhece não esquece jamais… óóó Minas Gerais". Sempre presumi que a música fosse mineira, mas pelo visto estava errado. Escuto um casal atrás de mim conversando em português, o cara lendo a Wikipédia no smartphone para a esposa: "Tida por alguns como o hino oficial do estado, 'Oh Minas Gerais' é originária da valsa italiana 'Viene Sul Mare' com letra adaptada por José Duduca de Moraes". Viro pra trás pra puxar assunto e comentar que eu tampouco sabia dessa, e ainda descubro que o cara também é de Belo Horizonte.)

A orquestra subiu ao palco pontualmente às 20h, sem — grazie a Dio! — nenhum trailer ou propaganda de sorvete antes do filme. De inconveniente, apenas o cálculo errado do posicionamento do telão: a cabeça do maestro obstruía um pequeno pedaço da parte inferior da tela (mas o grandalhão que calhou de sentar na nossa frente atrapalhou muito mais). O trompetista solou o tema de Nino Rota, Bonasera surgiu na tela dizendo acreditar na América, e seguiram-se três horas do melhor que a primeira e a sétima artes podem proporcionar. E parabéns para o maestro e para os músicos por manterem tudo no ritmo certo o tempo todo, o que fica especialmente nítido quando há algum personagem tocando no próprio filme, como na sequência inicial do casamento de Connie Corleone: até quando Johnny Fontane cantava, sua voz vinha do áudio original, mas o acompanhamento era feito na nossa frente. Muitas vezes, imersos no filme, não era raro esquecer que havia música ao vivo, até que você se dava conta e espiava o senhorzinho palhetando com precisão o bandolim ali no canto.

Esse tipo de experiência tem que ser feita desse jeito, com um clássico que todo mundo já viu quinhentas vezes: não dá pra assistir a um filme pela primeira vez e querer prestar atenção na performance dos músicos ao mesmo tempo. Para O Poderoso Chefão, com sua trilha fantástica e suas cenas que estamos todos carecas de conhecer, caiu como uma luva. (Uma pena que vários músicos cujos instrumentos têm destaque na trilha, como piano, bateria e a seção de sopros, tenham ficado escondidos lá atrás.)

No final, depois dos créditos, a orquestra repetiu os dois temas principais enquanto imagens dos bastidores do filme passavam no telão. Fiquei esperando O Poderoso Chefão - Parte II na íntegra pra encerrar o bis, mas infelizmente não rolou.

0 comments :

Postar um comentário

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

Busca no blog

Leia

Leia
Cinema-Múndi: Uma viagem pelo planeta através da sétima arte

Leia também

Leia também
A Saga de Tião - Edição Completa

Ouça

Ouça
Sifonics & Lucas Paio - A Terra é Plana

Mais lidos

Leia também


Cinema por quem entende mais de mesa de bar

Crônicas de um mineiro na China


Uma história parcialmente non-sense escrita por Lucas Paio e Daniel de Pinho

Arquivo

Contato

Nome

E-mail *

Mensagem *