25/03/2007

Turismo de botas batidas



"O cara ainda tá limpando seu quarto, volta daqui a umas três horas", disse o recepcionista do albergue. Resolvi aproveitar o tempo pra dar um pulinho no cemitério Père-Lachaise, um dos pontos turísticos mórbidos da capital francesa. Uma espécie de revista People de tumbas. Ou um onde-está-Wally. Porque afinal de contas o lugar é um cemitério, e obviamente não há uma ala de celebridades com todo mundo reunido, esperando pelos turistas. Você que se esgueire no meio dos mortos pra achar os restos do seu ídolo.

Eles vendem na porta um mapinha com todas as lápides famosas, mas como custava 2 euros e logo na entrada havia uma placa grande mostrando o mesmo mapa, optei por uma solução mais econômica: fotografei a placa em alta resolução e toda hora dava uma olhada na telinha da câmera digital pra tentar descobrir onde estava. Lógico que me perdi inúmeras vezes e não consegui encontrar ícones como Balzac, Chopin, La Fontaine e Molière. Mas olha quem eu vi por lá:



James Douglas Morrison, 1943-1971. O notório vocalista d'Os Portas jaz tranqüilo num cantinho escondido do cemitério, o que não impede que todo dia apareçam novas flores de presente pro cara. Antigamente tinha um busto do Jim sobre a lápide, mas algum pig spirit encarou como souvenir e aí tchau homenagem.



Sarah Bernhardt, 1844-1923. A atriz francesa que rodou os teatros desse mundão de meu Deus e até apareceu no Xangô de Baker Street hoje mora no Père-Lachaise e recebe flores diariamente de gente que nunca a viu atuar. E se ela era uma porcaria e ninguém sabe?



Allan Kardec, 1804-1869. O codificador da doutrina espírita (ou "fondateur de la philosophie spirite", como diz a inscrição) tem uma tumba ajeitada, com um busto de bronze e uma grande estrutura de pedra erguida como os antigos dólmens druídicos. Na pedra lá do alto, a frase: "Naitre, Mourir, Renaitre Encore et Procresser Sans Cesse. Telle est La Loi" ("Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre. Tal é a lei").



Oscar Wilde, 1854-1900, não ganha tantas flores como seus companheiros de necrópole, mas em beijinhos ninguém supera o o irlandês. Beijinhos e recados pichados. Alguns que consegui identificar:

"L'importanza di essere, Oscar!"
"Gracias"
"Whatever u want!"
"Je t'aime"
"Dennis & Flavia was here from Brazil"
"So resistere a tuto tranne che alle tentazioni!"
"Ti amo"
"Desde Barcelona... 106 años después... ¡¡te queremos!! Adrian, Noemi, Javi"

Mais tumbas você encontra no site oficial do cemitério, onde é possível fazer uma visita virtual e dar uma olhada na morada eterna de um monte de gente. Quando eu morrer em Barcelona aos 99 anos tentando subir a escadaria da recém-inaugurada Sagrada Família (ela só fica pronta em 2084, é sério!), podem me levar pra Paris e me jogar num buraco qualquer no Père-Lachaise. Quero só ver como vão me definir no mapinha da entrada. "Vagabond"? "Vieillard inutile"?

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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