A Tale of One City
A cidade é uma estranha senhora, que hoje sorri, amanhã te devora
Cidade de hoje: Paraty
Paraty é uma Ouro Preto plana e praiana. A atmosfera cultural, as construções dos tempos de outrora, a alta taxa de estrangeiros por metro quadrado e as ruas de pedra que acabam com os pés muito lembram Vila Rica. Mas o fato de ser tudo plano é um adendo importante. E o mar ali tão perto muda tudo, na verdade.
Cheguei em Paraty numa manhã de sexta-feira, depois de dez horas de ônibus tentando evitar o frio usando toalha de banho como cobertor, meia hora na rodoviária de Angra e mais hora e meia em coletivo de roleta. Minha desculpa oficial era participar do segundo Enlarp - Encontro Latino-Americano de Redação Publicitária, mas como o evento só começava à noite, eu tinha ainda uma sexta inteira pela frente e um domingo livre para desbravar aquele lugar do qual tinha ouvido tanta propaganda boa.
Tenho esse hábito quando viajo sozinho: reservo o primeiro dia para reconhecimento de terreno. Andar a esmo, ficar perdido, tomar sorvete sentado na calçada vendo o violonista de rua duelar musicalmente com o saxofonista da outra esquina. Como manda o manual, comecei pelo Centro Histórico. Os limites do bairro são marcados pelas correntes fechando as ruas. Ali é proibida a entrada de qualquer veículo motorizado. Não tem carro, não corro, não morro. É a primeira diferença mais marcante entre Paraty e Ouro Preto. A segunda não tarda a aparecer: aquele marzão sem fim, margeado pelos barcos de pescadores e as escunas de passeio que se aventuram diariamente no Maior Atrativo Turístico do Mundo.
A beira-mar logo me inspirou uma cruzada por um bolinho de aipim com camarão. Percorri as barraquinhas e as lanchonetes, pedi informações e investiguei menus. Um fracasso, infelizmente. O jeito foi saciar a fome de bichos do mar sentado à mesa de um restaurante, do jeito civilizado. Os restaurantes do Centro Histórico têm duas características em comum: o cardápio, bem semelhante, e o preço, bem sem-vergonha. Não adianta, se tem turista por perto disposto a abrir a mão, metem a faca. Aliás, regra número um pra qualquer cidade turística: o preço das refeições é diretamente proporcional ao número de línguas que se lê no cardápio. Mas o clima litorâneo e preguiçoso faz a gente relaxar e deixar a fome vencer o sangue turco. Comi peixe os três dias, às vezes com pirão, às vezes com molho de camarão, sempre em um restaurante chamado Cara-alguma-coisa: Caravelas, no primeiro dia, Caramujo, no segundo, e o Caravelas de novo no terceiro (até a trilha sonora era mesma, sambas do Caymmi cantados por outrem).
O Encontro de Redação Publicitária valeu a pena: palestras com sujeitos competentes (Eugênio Mohallem, Alex Periscinoto), um inusitado concurso de piadas, a oportunidade de conhecer gente do Brasil inteiro que também vive de inventar frases e a oportunidade mais rara ainda de encontrar o Periscinoto na rua e ouvir seus causos sobre Kibon, Volkswagen, Alka-Seltzer. À noite, a gente juntava aquele grupo enorme e ia beber. Redatores de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Beagá, misturados a italianas, peruanas e ingleses que conhecêramos por aí. E dá-lhe caipicoisas, café com pinga e cerveja pra esse povo. Na segunda noite, por exemplo, voltei pro albergue às quatro e meia, depois da festa de encerramento do Enlarp no Paraty 33. O bar era bom, ali no início do Centro Histórico, ainda que caro e um pouco cheio. O que decepcionou foi a banda, que começou bem com Chuck Berry e Ultraje, caiu um pouco no conceito quando foi pra "Pescador de Ilusões", piorou com Detonautas e atingiu o fundo da caçamba de entulho com "Quando Deus te desenhou..." (ignoro solenemente o nome da canção e prefiro continuar assim).
O passeio de barco, o mergulho de snorkel no mar, a visita a Trindade e às ilhas vizinhas vão ter que ficar pra próxima visita, quem sabe no Enlarp do ano que vem, quem sabe um pouco antes, durante a FLIP. Sou só eu ou qualquer um que vai pra Paraty precisa urgentemente voltar pra lá?
Igreja Santa Rita, famoso cartão-postal-ímã-de-geladeira de Paraty. O bando de gente na porta tava filmando um comercial de turismo. Era um monte de velhinhos, que, ao sinal do grito do diretor, entravam na igreja forjando interesse e apontando uns aos outros a exuberância do sino lá em cima.
O clima bucólico das ruas do Centro Histórico...
O clima bucólico do cais do porto...
Eliana, André e eu, num domingo nublado à beira do mar.
Pichação de algum revoltado com a FLIP e a rua já começando a encher d'água.
Duas horas depois, já dá até pra andar de lancha.
Saideira no albergue: Chris e Charlotte, o casal inglês que pescava bagres no albergue, eu e o Bruno, de Curitiba.
Tá achando que albergues seguem o padrão eslovaco dos filmes de Hollywood? O albergue de Paraty não só tinha internet grátis, cozinha, quiosque de bebidas e vista para o mar como ainda não torturava os hóspedes na calada da noite!
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Tenho certeza de que vocês me sugerirão nomes melhores pra essa seção do que um trocadilho com o livro do Charles Dickens. De qualquer forma, todo domingo tem um relato sobre alguma cidade por aqui.
Cidade de hoje: Paraty
Paraty é uma Ouro Preto plana e praiana. A atmosfera cultural, as construções dos tempos de outrora, a alta taxa de estrangeiros por metro quadrado e as ruas de pedra que acabam com os pés muito lembram Vila Rica. Mas o fato de ser tudo plano é um adendo importante. E o mar ali tão perto muda tudo, na verdade.
Cheguei em Paraty numa manhã de sexta-feira, depois de dez horas de ônibus tentando evitar o frio usando toalha de banho como cobertor, meia hora na rodoviária de Angra e mais hora e meia em coletivo de roleta. Minha desculpa oficial era participar do segundo Enlarp - Encontro Latino-Americano de Redação Publicitária, mas como o evento só começava à noite, eu tinha ainda uma sexta inteira pela frente e um domingo livre para desbravar aquele lugar do qual tinha ouvido tanta propaganda boa.
Tenho esse hábito quando viajo sozinho: reservo o primeiro dia para reconhecimento de terreno. Andar a esmo, ficar perdido, tomar sorvete sentado na calçada vendo o violonista de rua duelar musicalmente com o saxofonista da outra esquina. Como manda o manual, comecei pelo Centro Histórico. Os limites do bairro são marcados pelas correntes fechando as ruas. Ali é proibida a entrada de qualquer veículo motorizado. Não tem carro, não corro, não morro. É a primeira diferença mais marcante entre Paraty e Ouro Preto. A segunda não tarda a aparecer: aquele marzão sem fim, margeado pelos barcos de pescadores e as escunas de passeio que se aventuram diariamente no Maior Atrativo Turístico do Mundo.
A beira-mar logo me inspirou uma cruzada por um bolinho de aipim com camarão. Percorri as barraquinhas e as lanchonetes, pedi informações e investiguei menus. Um fracasso, infelizmente. O jeito foi saciar a fome de bichos do mar sentado à mesa de um restaurante, do jeito civilizado. Os restaurantes do Centro Histórico têm duas características em comum: o cardápio, bem semelhante, e o preço, bem sem-vergonha. Não adianta, se tem turista por perto disposto a abrir a mão, metem a faca. Aliás, regra número um pra qualquer cidade turística: o preço das refeições é diretamente proporcional ao número de línguas que se lê no cardápio. Mas o clima litorâneo e preguiçoso faz a gente relaxar e deixar a fome vencer o sangue turco. Comi peixe os três dias, às vezes com pirão, às vezes com molho de camarão, sempre em um restaurante chamado Cara-alguma-coisa: Caravelas, no primeiro dia, Caramujo, no segundo, e o Caravelas de novo no terceiro (até a trilha sonora era mesma, sambas do Caymmi cantados por outrem).
O Encontro de Redação Publicitária valeu a pena: palestras com sujeitos competentes (Eugênio Mohallem, Alex Periscinoto), um inusitado concurso de piadas, a oportunidade de conhecer gente do Brasil inteiro que também vive de inventar frases e a oportunidade mais rara ainda de encontrar o Periscinoto na rua e ouvir seus causos sobre Kibon, Volkswagen, Alka-Seltzer. À noite, a gente juntava aquele grupo enorme e ia beber. Redatores de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Beagá, misturados a italianas, peruanas e ingleses que conhecêramos por aí. E dá-lhe caipicoisas, café com pinga e cerveja pra esse povo. Na segunda noite, por exemplo, voltei pro albergue às quatro e meia, depois da festa de encerramento do Enlarp no Paraty 33. O bar era bom, ali no início do Centro Histórico, ainda que caro e um pouco cheio. O que decepcionou foi a banda, que começou bem com Chuck Berry e Ultraje, caiu um pouco no conceito quando foi pra "Pescador de Ilusões", piorou com Detonautas e atingiu o fundo da caçamba de entulho com "Quando Deus te desenhou..." (ignoro solenemente o nome da canção e prefiro continuar assim).
O passeio de barco, o mergulho de snorkel no mar, a visita a Trindade e às ilhas vizinhas vão ter que ficar pra próxima visita, quem sabe no Enlarp do ano que vem, quem sabe um pouco antes, durante a FLIP. Sou só eu ou qualquer um que vai pra Paraty precisa urgentemente voltar pra lá?
Igreja Santa Rita, famoso cartão-postal-ímã-de-geladeira de Paraty. O bando de gente na porta tava filmando um comercial de turismo. Era um monte de velhinhos, que, ao sinal do grito do diretor, entravam na igreja forjando interesse e apontando uns aos outros a exuberância do sino lá em cima.
O clima bucólico das ruas do Centro Histórico...
O clima bucólico do cais do porto...
Eliana, André e eu, num domingo nublado à beira do mar.
Pichação de algum revoltado com a FLIP e a rua já começando a encher d'água.
Duas horas depois, já dá até pra andar de lancha.
Saideira no albergue: Chris e Charlotte, o casal inglês que pescava bagres no albergue, eu e o Bruno, de Curitiba.
Tá achando que albergues seguem o padrão eslovaco dos filmes de Hollywood? O albergue de Paraty não só tinha internet grátis, cozinha, quiosque de bebidas e vista para o mar como ainda não torturava os hóspedes na calada da noite!
Tenho certeza de que vocês me sugerirão nomes melhores pra essa seção do que um trocadilho com o livro do Charles Dickens. De qualquer forma, todo domingo tem um relato sobre alguma cidade por aqui.
"Beagá" esconde seus talentos.
ResponderExcluirMuito bom!
No domingo que vem pode ser da Cidadela dos Robinson?
ResponderExcluirNão, definitivamente não é só vc. Eu que o diga ne??? hahahah
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