13/08/2007

A Tale of One City

A cidade é uma estranha senhora, que hoje sorri, amanhã te devora

Cidade de hoje: Paraty



Paraty é uma Ouro Preto plana e praiana. A atmosfera cultural, as construções dos tempos de outrora, a alta taxa de estrangeiros por metro quadrado e as ruas de pedra que acabam com os pés muito lembram Vila Rica. Mas o fato de ser tudo plano é um adendo importante. E o mar ali tão perto muda tudo, na verdade.

Cheguei em Paraty numa manhã de sexta-feira, depois de dez horas de ônibus tentando evitar o frio usando toalha de banho como cobertor, meia hora na rodoviária de Angra e mais hora e meia em coletivo de roleta. Minha desculpa oficial era participar do segundo Enlarp - Encontro Latino-Americano de Redação Publicitária, mas como o evento só começava à noite, eu tinha ainda uma sexta inteira pela frente e um domingo livre para desbravar aquele lugar do qual tinha ouvido tanta propaganda boa.

Tenho esse hábito quando viajo sozinho: reservo o primeiro dia para reconhecimento de terreno. Andar a esmo, ficar perdido, tomar sorvete sentado na calçada vendo o violonista de rua duelar musicalmente com o saxofonista da outra esquina. Como manda o manual, comecei pelo Centro Histórico. Os limites do bairro são marcados pelas correntes fechando as ruas. Ali é proibida a entrada de qualquer veículo motorizado. Não tem carro, não corro, não morro. É a primeira diferença mais marcante entre Paraty e Ouro Preto. A segunda não tarda a aparecer: aquele marzão sem fim, margeado pelos barcos de pescadores e as escunas de passeio que se aventuram diariamente no Maior Atrativo Turístico do Mundo.

A beira-mar logo me inspirou uma cruzada por um bolinho de aipim com camarão. Percorri as barraquinhas e as lanchonetes, pedi informações e investiguei menus. Um fracasso, infelizmente. O jeito foi saciar a fome de bichos do mar sentado à mesa de um restaurante, do jeito civilizado. Os restaurantes do Centro Histórico têm duas características em comum: o cardápio, bem semelhante, e o preço, bem sem-vergonha. Não adianta, se tem turista por perto disposto a abrir a mão, metem a faca. Aliás, regra número um pra qualquer cidade turística: o preço das refeições é diretamente proporcional ao número de línguas que se lê no cardápio. Mas o clima litorâneo e preguiçoso faz a gente relaxar e deixar a fome vencer o sangue turco. Comi peixe os três dias, às vezes com pirão, às vezes com molho de camarão, sempre em um restaurante chamado Cara-alguma-coisa: Caravelas, no primeiro dia, Caramujo, no segundo, e o Caravelas de novo no terceiro (até a trilha sonora era mesma, sambas do Caymmi cantados por outrem).

O Encontro de Redação Publicitária valeu a pena: palestras com sujeitos competentes (Eugênio Mohallem, Alex Periscinoto), um inusitado concurso de piadas, a oportunidade de conhecer gente do Brasil inteiro que também vive de inventar frases e a oportunidade mais rara ainda de encontrar o Periscinoto na rua e ouvir seus causos sobre Kibon, Volkswagen, Alka-Seltzer. À noite, a gente juntava aquele grupo enorme e ia beber. Redatores de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Beagá, misturados a italianas, peruanas e ingleses que conhecêramos por aí. E dá-lhe caipicoisas, café com pinga e cerveja pra esse povo. Na segunda noite, por exemplo, voltei pro albergue às quatro e meia, depois da festa de encerramento do Enlarp no Paraty 33. O bar era bom, ali no início do Centro Histórico, ainda que caro e um pouco cheio. O que decepcionou foi a banda, que começou bem com Chuck Berry e Ultraje, caiu um pouco no conceito quando foi pra "Pescador de Ilusões", piorou com Detonautas e atingiu o fundo da caçamba de entulho com "Quando Deus te desenhou..." (ignoro solenemente o nome da canção e prefiro continuar assim).

O passeio de barco, o mergulho de snorkel no mar, a visita a Trindade e às ilhas vizinhas vão ter que ficar pra próxima visita, quem sabe no Enlarp do ano que vem, quem sabe um pouco antes, durante a FLIP. Sou só eu ou qualquer um que vai pra Paraty precisa urgentemente voltar pra lá?



Igreja Santa Rita, famoso cartão-postal-ímã-de-geladeira de Paraty. O bando de gente na porta tava filmando um comercial de turismo. Era um monte de velhinhos, que, ao sinal do grito do diretor, entravam na igreja forjando interesse e apontando uns aos outros a exuberância do sino lá em cima.




O clima bucólico das ruas do Centro Histórico...




O clima bucólico do cais do porto...




Eliana, André e eu, num domingo nublado à beira do mar.




Pichação de algum revoltado com a FLIP e a rua já começando a encher d'água.



Duas horas depois, já dá até pra andar de lancha.



Saideira no albergue: Chris e Charlotte, o casal inglês que pescava bagres no albergue, eu e o Bruno, de Curitiba.



Tá achando que albergues seguem o padrão eslovaco dos filmes de Hollywood? O albergue de Paraty não só tinha internet grátis, cozinha, quiosque de bebidas e vista para o mar como ainda não torturava os hóspedes na calada da noite!

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Tenho certeza de que vocês me sugerirão nomes melhores pra essa seção do que um trocadilho com o livro do Charles Dickens. De qualquer forma, todo domingo tem um relato sobre alguma cidade por aqui.

   3 comentários :

  1. André Calado2:04 PM

    "Beagá" esconde seus talentos.

    Muito bom!

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  2. De Pinho2:05 PM

    No domingo que vem pode ser da Cidadela dos Robinson?

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  3. bella2:05 PM

    Não, definitivamente não é só vc. Eu que o diga ne??? hahahah

    ResponderExcluir

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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