11/04/2010

A Caverna da Raposa de Prata

O nome parece título de aventura da Sessão da Tarde em que uma turminha irada parte em busca de um artefato místico e apronta altas confusões da pesada, mas é só a tradução de uma caverna nos arredores de Beijing: Yínhú Dòng, ou Silver Fox Cave. Lemos a respeito num guia sobre a cidade, em busca de passeios de fim-de-semana. A caverna pareceu uma boa pedida – a última que visitei foi a Gruta do Salitre, em Diamantina, ainda no século XX – e, numa manhã de sábado, embarcamos na inacreditavelmente longa jornada até lá.

Sim, porque apesar do lugar ser oficialmente situado em Beijing, essa cidade é enorme e você tem que dirigir por horas pra sair dos limites do município. Tivemos que pegar um táxi para a estação de metrô; dois metrôs até o Templo do Céu, no sul da cidade; um ônibus para a rodoviária mais próxima; o ônibus de longa distância 917-3 até o ponto final, Hebeizhuang; e, finalmente, um táxi "não-oficial" até a entrada da caverna. Tempo total da brincadeira: 5 horas. Na volta tinha menos trânsito e só demoramos 4.


Itinerário do ônibus 917-3: quarenta e uma paradas até o ponto final. 


Placa apontando a atração: botaram uma nova, mas fizeram questão de deixar a velha e enferrujada fazendo companhia.

A Caverna da Raposa de Prata foi descoberta em 1991, depois de uns bons bilhões de anos sem ser perturbada. Mineiros (daqueles que escavam minas, não os que habitam Minas) encontraram por acaso a entrada para o lugar e, surpresos, se depararam com uma caverna  de 5 mil metros de comprimento.

Desses 5 mil, cerca de 3 mil estão abertos para visitação. Tem que pagar, claro – o ingresso custa 43 RMB, o equivalente a 11 reais (curiosamente, os dois valores são números primos). E não pode perambular por lá sozinho: tem que seguir o guia, que vai explicando um pouco sobre as estalactites, as estalagmites, aquela coisa toda. Pra quem tem um vocabulário geológico em mandarim extremamente limitado, como eu, tanto faz: o lugar tá cheio de plaquinhas em inglês, e de qualquer forma, o que interessa mesmo é andar e apreciar. 


A entrada da caverna.

 
Cadeiras coloridas de plástico de 35 mil anos. Ou não.

O legal dessa caverna é que ela é subterrânea. Você vai descendo, descendo e quando vê já tem cem metros de rocha sobre a sua cabeça. A temperatura não varia: fica em 13 graus o ano inteiro. Os corredores são estreitos e de teto baixo, mas é tudo bem iluminado – uma pena, porque acho muito mais bacana quando a gente precisa de lanternas e tochas pra encontrar o caminho.

Quanto às formações geológicas, tem muita coisa interessante. Mas há que se dizer: a maioria das denominações que eles inventam, pra dar um atrativo a mais às rochas disformes descendo pelos tetos, cheiram a forçação de barra. Tem que tomar muito chá verde estragado pra enxergar um "Buda Sorridente" em uma pilastra de pedra, ou notar um "Leão-Marinho Rezando" em uma estalagmite irregular que nem sabe do que está sendo chamada. 


"Estátua do Presidente Mao". Tá vendo?


"Torre de Pisa"? Quem sabe numa reinterpretação de Picasso... 


Essa aí não tinha nome, mas poderia ser "O Grande Molar Cariado". 


Vá lá: esse "Velho Pescador Pescando" até que lembra um homem de costas, de chapéu, matutando à beira de um rio imaginário. 


Cabana de bambus, pilar celestial, leão-marinho rezando, urso marrom escalando a torre. Imagina a seção de brainstorm dessas plaquinhas, o que não deixaram de fora... 

De repente, você se depara com uma placa que diz: "Rio Subterrâneo". Pois é: correndo a 100 metros debaixo da terra, há um riozinho de águas claríssimas (deve ser a água mais transparente que já vi na China), que parte sabe-se lá de que nascente para desaguar sabe-se lá onde. As águas são "navegáveis" – melhor botar entre aspas, porque o rio é tão estreito e raso que só cabe um barquinho de 6 passageiros de cada vez. O piloteiro vai na frente, sem remo nem nada, guiando a embarcação através de cabos instalados no teto. A sensação de navegar debaixo da terra, à la Professor Lidenbrock, e o silêncio que só deixa ouvir o som da água correndo tornam o riozinho subterrâneo, ironicamente, o ponto alto do passeio na caverna. 


Parece entrada de Trem Fantasma.



E a tal da Raposa de Prata? Ela aparece já no finalzinho, depois que você já subiu e desceu degrau por quase duas horas. Nada mais é que uma estalactite branca de dois metros de comprimento que deveria lembrar uma raposa pendurada pelo rabo. Bem bonita quando vista de perto – mas, novamente, só vindo direto de São Thomé das Letras pra perceber a semelhança com um canídeo argênteo.


Raposa de Prata ou Girafinha de Algodão-Doce? 

Quase na saída, mais uma surpresa: te botam dentro de um trenzinho apertado e salvam suas pernas de mais uma caminhada, deixando apenas algumas dezenas de degraus pra enfrentar depois. O único problema do trenzinho é que você não vê nada: o vagão da frente atrapalha a "vista" e nem pense em esticar o pescoção pra fora, que é decepada na certa. O caminho é estreito e praticamente só comporta a pequena ferrovia. Mas, claro, vale pelo inusitado da coisa.


Claustrofóbicos, tremei. 

   
O alaranjado - e antiquíssimo, como dá pra notar - vagão do maquinista tem até placa. Será que até aqui tem guardinha multando, caramba?

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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