23/05/2010

Wild horses... not!



Uma viagem à Mongólia Interior 
Dia 2 – Domingo, 2 de maio de 2010 

05:00 AM 
Toca o alarme. O guia tinha nos falado ontem: "acordem cedo para poderem admirar o nascer-do-sol". Esse cedo era coisa de 5 da madruga, já que a primavera tá no auge. Quando vemos a luz passando pela cortina e percebemos que a noite já é passado há muito tempo, tomamos a sábia decisão de voltar a dormir, mas não sem aquele peso na consciência: e se tivermos perdido o mais magnífico nascer-do-sol da história da Mongólia Interior?

Mas tudo bem. Mais tarde, um coreano da nossa excursão falou comigo que levantou pra ver o tal nascer-do-sol e achou muito do fuleiro.

06:38 
Hora de levantar e aproveitar as facilidades de se ter um banheiro dentro do yurt. Eu já imaginava que não teríamos chuveiro quente, mas não sabia que mesmo a água que saía pela torneira da pia seria tetricamente gélida desse jeito.

 
A versão mongol da vila d'Os Outros. 

 

O yurt de 6 pessoas: colchão no nível do chão e lençóis cor-de-rosa para todos. 

Saímos do yurt e damos uma volta ao redor do nosso acampamento. Do lado de cá, uma porção de ovelhas balindo. Acolá, vaquinhas pastando sem pressa, e uma quantidade de cavalos estacionados no haras que não supriria a demanda de dezenas de viajantes sedentos por um passeio hípico. De repente, na vastidão das estepes, observa-se um grupo de cinco cavalos vindo dali, outros oito trotando de lá, trazidos por pessoas a cavalo, de moto ou mesmo a pé. A maioria nem precisa ser guiada, já sabe o caminho de cor. 

 
Everybody say "méééé"! 

 

Comedouro compulsório: tem mãe que adoraria usar essa tática pro filho não largar a comida. 

07:00 
O café da manhã, no yurt-restaurante, não tem misto quente, café com leite e biscoitinhos recheados. É tudo estilo chinês: umas gororobas esquisitas, todas salgadas, muito chá e muita sopa. O pãozinho e o ovo cozido salvam minha refeição. 

08:50 
Estou em cima de um cavalo mongol, pronto para uma cavalgada de 2 horas pelas grasslands. Não estava muito afim de ir. O passeio teoricamente era opcional, e não incluso no pacote da viagem. Mas o guia encheu tanto o saco, falou que se a gente não fosse não tinha como manter o pacote tão barato, e blá e mais bláblá, que acabamos cedendo. Os italianos do nosso ônibus já tinham ido na frente. Fomos no segundo grupo, junto com os coreanos. Muitos são cavaleiros de primeira viagem. Os eqüinos se movem de forma lenta e sossegada, nada do que eu esperaria dos descendentes dos cavalos que transportavam os exércitos de Gêngis Khan. 

 
A tropa pronta para a aventura. 

09:37 
Paramos para tomar um cafezinho em uma casa mongol. Cafezinho é força de expressão: a bebida servida foi um "milk tea", ou chá de leite (chá lácteo?), com biscotinhos locais. Há que se dizer: bem melhor que o nosso café da manhã. 

 
Você sabe que está na Mongólia quando todos aqueles retratos do Mao Tsé-Tung foram trocados pelo Gêngis Khan. 

 

"Prova, meu filho, fiz com tanto carinho..." 

 

Cavalgávamos quando vimos, ao longe, essa construção misteriosa. Seria um yurt? Uma base inimiga? Um acampamento secreto? 

 

Não: apenas mais um monte de tijolo e trapos. 

10:54 
Estamos de volta ao acampamento. Os cavalos se comportaram de forma mais tranqüila que o Pacato do He-Man, exceto pelo arroubo de empolgação já no finalzinho, quando eles avistaram o haras e notaram que estavam chegando em casa. Conversando com os italianos, descobrimos que o grupo deles não teve a mesma sorte: no passeio deles quatro garotas caíram do cavalo, e não foi força de expressão. 

12:08 
Mais cantoria na hora do almoço. Não se pode comer sem ter uma mongol esgoelando canções típicas na nossa orelha? Mais bizarro que isso, no meio da refeição trazem um bode assado, inteiro, dentes à mostra num sorriso post-mortem e um distinto cachecol azul amarrado no pescoço. Espectadores se reúnem em volta e uma das cantoras mongóis preside o ritual: o casal chega, o cara corta um pedaço e oferece à namorada, a moçoila faz o mesmo, e por fim bebem um gole da bebida mongol que nos deram quando chegamos. Perguntamos ao nosso guia se podemos participar também e ele diz que não faz parte do nosso pacote: só o bode assado custa 1500 yuans, o equivalente a módicos R$ 390,00. 

 
"Aê, aê, aê, aê, ê, ê, ê, ê, ô ôô ôô ôô ôô..." 

13:29 
Pança cheia, corpos descansados e mochilas dentro do ônibus prontas para mais uma jornada. Ainda temos uma última atividade nas grasslands de Xilamuren: assistir a uma corrida de cavalos e a uma luta mongol. A corrida passa numa piscadela, e dá pra ver que todos aqueles cavalos serenos, quase apáticos, são na verdade alazões ligeiros de primeira. 

A luta mongol acontece numa arena improvisada lá fora, com bandeirinhas juninas separando a platéia dos competidores. Oito lutadores adentram o ringue trajando um uniforme que inclui botas e saiote, cumprimentam-se e iniciam uma peleja rápida que lembra muito o esporte predileto do Borat: mão no ombro, cabeças abaixadas, ganha quem jogar o outro no chão primeiro. Dos oito, ganham quatro, que se enfrentam novamente até que só reste um ganhador. 

 
"Bota a mão no meu ombro, dá uma abaixadinha..." 

Depois, perguntam se alguém quer brincar e um dos italianos se oferece para o abate. Vestindo o uniforme mongol, ele enfrenta um dos locais. Na primeira tentativa, vai ao chão em exatos 3 segundos. Na segunda, mais maroto, tenta dar um pealo no adversário (gíria gaúcha atravessando o texto), forçando um tombo, mas acaba carregado no ar e jogado de costas na areia fina. Mas resistiu muito mais: foram longos 17 segundos dessa vez.

13:45 

Deixamos pra trás as estepes, os cavalos e as ovelhas, com destino a paisagem e animais bem diferentes. 

15:52 
Antes da nossa parada final de hoje, passamos novamente por Hohhot para visitar um museu. Felizmente, o tema não são minorias étnicas e não nos forçam a comprar bugigangas típicas ou tipicamente picaretas. Pergunto ao guia do que é que o museu trata e ele responde: "kǒnglóng", que literalmente significa "dragão do medo" e é a palavra chinesa para "dinossauros". 

Na verdade, o lugar é enorme e engloba muito mais que répteis mesozóicos. Além dos vários fósseis e os dinos animatrônicos estilo "Dinossauro" da Disney, o museu tem seções sobre História Natural, de mamíferos a insetos, exibições sobre a Terra, o Espaço, pedaços de satélites chineses, roupa de austronauta chinês (o famoso "taikonauta") e grande elenco. 


 

Na saída, experimento um picolé de banana que se revela o melhor que já provei na China até agora. 

17:10 
Estamos todos no ônibus, menos duas coreanas que se perderam sabe-se lá onde, porque o museu tem placas mil e o ônibus está plantado na entrada principal. Qual parte do "vamos sair às 17h em ponto" elas não entenderam? 

17:28 
O guia acha as fujonas e enfim podemos zarpar. 

19:30 
Entramos em Baotou 包头 ou "Bāotóu", em chinês), maior cidade da Mongólia Interior, com suas 2,4 milhões de almas. Estamos aqui só pra comer e dormir. A impressão inicial não é grandes coisas: industrial, empoeirada, feinha mesmo. Jantamos num restaurante grande e de comida satisfatória. 

20:50 
O hotel Zhengbei, no centro de Baotou, de início parece bom. Camas confortáveis, televisão mostrando a versão chinesa de "We Are The World" (!!!), banheiro com água quente. Não demora muito para que percebamos sua verdadeira face: a água quente some no meio do banho, a descarga não desce nem com reza, uma mini-barata aparece pra dar oi. Também, o que esperar de um hotel que exibe orgulhosamente na fachada suas duas estrelas? 

 
Bem-vindos ao Trapa Hotel. 

21:15 
Saímos para uma volta em Baotou. A impressão melhora. Luzes azuis, quase natalinas, enfeitam as árvores de ponta a ponta. Os quarteirões são largos, os restaurantes abundam, e só irrita a mania dos motociclistas de usarem a calçada e não a rua para se locomoverem. 

 
"Ele ficou bestificado com a cidade, saindo da rodoviária viu as luzes de Baotou..." 

Virando a esquina, vejo um monte de mesas na calçada e os locais tomando sua cervejinha de domingo à noite, enquanto saboreiam espetinhos de carne, vegetais e otras cositas más. Não fosse o bicho-da-seda espetado em um dos palitos, eu podia jurar que estava em Belo Horizonte. 

No próximo post: ande de pantufas gigantes nas dunas de um deserto mongol, faça um passeio no lombo de um camelo e descubra quanto tempo pode durar um engarrafamento-monstro na China. 

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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