24/09/2010

Coisas chinesas

 

Ganhei um livro muito legal chamado “ Chinese Stuff ”. 

Ao longo de suas páginas, somos apresentados a objetos, produtos ou simplesmente “coisas” utilizados cotidianamente em solo chinês. O prefácio traz aquele discurso habitual sobre a globalização, a sociedade consumista moderna, a Coca-Cola, o iPod, e de como há um grande número de objetos aparentemente banais que refletem muito mais as características de uma nação. 

São 125 itens divididos em várias seções - “em casa”, “comidas e bebidas”, etc. Por exemplo: 

Escritório e sala de aula 

Nenhum estudante chinês que se preze vai pra escola sem seu Dicionário Xinhua . É o Aurélio do Oriente: qualquer livraria vende e todo mundo tem. Mais de 400 milhões de cópias desse dicionário já foram vendidas na China. Só pra comparar, é mais ou menos o que os sete Harry Potters venderam no mundo inteiro. Um motorista de riquixá na província de Henan chegou a decorar todos os 9 mil caracteres do livro: ele consegue falar a página, a linha e a explicação de cada ideograma. Maluco. 

 

Outras figurinhas fáceis da seção “Escritório e sala de aula”: 

Dicionário eletrônico. Imprescindível pra estrangeiros aprendendo chinês. Procurar um caractere na pressa, com a professora te olhando torto, é muito mais fácil quando se tem a tecnologia ao seu dispor. Em todas as salas onde estudei, era batata: mais da metade dos colegas tinham um dicionário eletrônico a tira-colo. 
Ábaco. Já foi mais popular. Mas ainda hoje, principalmente em farmácias, dá pra encontrar chineses que não usam maquininha, só calculam no ábaco. Algum de vocês sabe usar esse negócio, aliás? 
Caderno para praticar caligrafia. Pra decorar milhares de caracteres não tem outro jeito: é praticar, praticar, praticar. Existem cadernos para estudantes e crianças que são quase um livrinho pra colorir: vêm só com o contorno, pra você preencher e enfiar na cachola de uma vez por todas com quantos paus se faz um ideograma. 

    

Comidas e bebidas 

Nessa seção eles nem se alongam tanto, porque dá pra escrever umas oito enciclopédias sobre a alimentação chinesa, e o negócio aqui é ser mais objetivo. Permaneceram os itens mais típicos do dia-a-dia. Como deixar de fora, por exemplo, o onipresente jiaozi ? Talvez você o conheça pelo nome japonês, “guioza”. É basicamente um pastelzinho cozido no vapor, com recheio de carne moída e/ou legumes. Lembra um raviolizinho. Em qualquer esquina chinesa você encontra uma “jiaozeria” cozinhando pilhas e pilhas de caixotes de madeira com jiaozis e baozis (um primo próximo do jiaozi, só que com massa de pão). Dá até pra comprar congelado no supermercado e fazer em casa. 

 
E não esqueça do potinho com vinagre! 

Também estão na seção de comidas e bebidas o potente erguotou , bebida destilada com graduação alcóolica de incríveis 56%; o bolinho da lua , sobremesa tradicional do Festival da Lua (que este ano caiu na última quarta, 22 de setembro) com dúzias de sabores diferentes; e o famigerado ovo de mil anos , um ovo normal que é embalado numa mistureba de argila, cinzas, sal, cal e amido de arroz por meses a fio, adquirindo uma coloração verde-esquisita e um “aroma acentuado”, nas palavras de quem já encarou. 

   

Em casa 

Qual é o item mais comum nas cozinhas chinesas? Essa é fácil: os famosos pauzinhos , aqui chamados de “kuai zi”. Usá-los com destreza é visto com admiração por olhos brasileiros, mas é das habilidades mais corriqueiras na China. Garfo e faca é que é difícil. Uma vez fui jantar num restaurante ocidental com vários amigos, incluindo um belga e sua namorada chinesa. Ele teve que partir a carne dela toda, porque ela não tinha muito a manha de usar talheres. Para os chineses, lugar de faca é na cozinha, onde você corta os alimentos e já deixa os pedacinhos preparados para a fácil captura com os palitinhos. 

A seção “em casa” é extensa e inclui também a esteira de bambu (que tem o efeito milagroso de refrescar o ambiente, porque absorve suor e umidade); o leque de folha de palma , usado indistintamente por homens e mulheres, para espantar calor e mosquitos; e a sacola vermelho-azul-e-branca , apelidada de “pele de cobra”, muito utilizada por migrantes para carregar a tralha na hora de enfrentar 30 horas dentro do trem lotado. 

   

Há um outro item que curiosamente está na lista dos objetos “de casa”, mas cujo habitat natural são as ruas. É o triciclo motorizado encontrado nas cidades grandes e nos vilarejos, com capacidade para uns dois ou três passageiros (tem que apertar bastante) e capaz de entrar nos becos mais estreitos que aparecerem no caminho. 

 

Lazer e recreação 

O que a chinesada faz nas horas vagas? Pingue-pongue é um bom chute (embora eu veja mais gente jogando basquete do que rebatendo bolinha numa mesa). Ainda mais comum de se ver é chinês jogando peteca – não com a mão como a gente faz, mas com os pés. É mania antiga: imagens gravadas em pedras de 2 mil anos de idade já mostravam pessoas chutando petequinhas na China. 

Jogos de tabuleiro fazem bastante sucesso, principalmente entre a turminha da terceira idade. Qualquer domingão ensolarado traz nas ruas um bando de senhores debruçados sobre uma mesa de xadrez chinês (um parente da versão ocidental) ou mahjong , que, com seus 4 jogadores e 152 pedrinhas, lembra uma mistura de baralho com dominó. “Onde há chineses, há mahjong”, disse Liang Shih-chiu, renomado educador, escritor, tradutor, teórico literário e lexicógrafo. Eu é que não vou discordar. 

   

Vestuário 

Sabe aquele chapéu pontudo tipicamente chinês, igual o do Raiden do “Mortal Kombat” ou dos capangas de Lo Pan em “Os Aventureiros do Bairro Proibido”? É, esse mesmo que eu tô usando na foto lá de cima. Pois é, ninguém usa isso nas ruas. Aquele é um adereço pra quem trabalha no campo, equivalente ao chapéu de palha das nossas festas juninas. Na vida urbana, outros itens do vestuário são mais importantes. A máscara de rosto é bem comum no inverno e quando a poluição está mais braba. Proteje do vento frio, das impurezas do ar, da gripe suína. Talvez com medo de parecer doente, muita gente usa máscaras decoradas. Já vi máscara com smiley e até a linguona dos Rolling Stones. 

Outra vestimenta muito comum são as calças partidas de bebês . Partidas onde? Na bunda, claro. Neném chinês não usa fralda: tem um buraco na calça, deixando o traseiro ventilado e pronto para qualquer emergência. Como isso funciona na prática, não me perguntem. Nunca presenciei nenhum número dois em plena ação. Mas a mãe levantando a criança num canto da rua para aquela aliviada na bexiga, aí já é mais comum. 

  

Decoração 

34 anos após a morte de Mao Tsé-tung (e 32 depois da reabertura da China para o mundo), retratos com a cara do líder comunista ainda são bem populares. A página do livro “Chinese Stuff” que fala dos amuletos com retratos do Presidente Mao e do Premier Zhou soa um tanto controversa: “De certa forma, os dois fundadores da Nova China têm sido idolatrados como deuses e talvez mais poderosos que deuses. Enquanto deuses trazem apenas certo conforto espiritual, os dois líderes da China realmente trouxeram uma vida feliz às pessoas”. Tiremos dessa conta os milhares de presos políticos e os milhões que morreram de fome nos tempos do Mao, mas tudo bem. Apesar dos pesares, Mao continua popular e é figurinha fácil nas lojinhas de souvenir. 

Um item decorativo ainda mais comum, e que estranhamente não se encontra no livro, é o ideograma “fu” , geralmente escrito em papel vermelho e pendurado nas portas de cabeça pra baixo durante o ano-novo chinês. O caractere 福 significa “sorte” e existem várias lendas de porquê ele é colocado de ponta-cabeça. A explicação mais comum é que “fu invertido”, em mandarim, soa exatamente como a frase “a sorte chega”. 

  

E se fizessem uma versão brasileira? Um “Brazilian Stuff” pra mostrar pros gringos, um livro reunindo os objetos mais típicos do cotidiano tupiniquim? Mantendo as mesmas seções do original chinês - “escritório e sala de aula”, “comidas e bebidas”, “em casa”, “lazer e recreação”, “vestuário”, “remédios e cosméticos” e “decoração” - o que, na sua opinião, não poderia faltar num livro de “Coisas Brasileiras”? 

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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