28/10/2015

Sufjan Stevens ao vivo em Berlim


Descobri Sufjan Stevens em 2010, lendo sobre o lançamento de The Age of Adz, seu sexto álbum de estúdio. Aproveitei para conhecer também o disco anterior do cara, Illinois (ou, como diz a capa, Sufjan Stevens Invites You To: Come On Feel the Illinoise), que o artigo descrevia como "genial".

Muitas coisas hoje em dia são descritas como geniais, mas no caso do Illinois, o adjetivo não soa tão descomedido assim. São 75 minutos de melodias que fogem do óbvio (mas nem por isso são difíceis ou deixam de grudar na cabeça), intricadas harmonias vocais, arranjos elaborados com timbres de uma mini-orquestra, faixas de durações no mínimo díspares (a maior tem 7 minutos; a menor, 6 segundos) e alguns títulos tresloucadamente longos, como "They Are Night Zombies!! They Are Neighbors!! They Have Come Back from the Dead!! Ahhhh!" (88 caracteres), "To the Workers of the Rock River Valley Region, I have an Idea Concerning Your Predicament, and It Involves an Inner Tube, Bath Mats, and 21 Able-Bodied Men" (156 caracteres) e "The Black Hawk War, or, How to Demolish an Entire Civilization and Still Feel Good About Yourself in the Morning, or, We Apologize for the Inconvenience but You're Going to Have to Leave Now, or, 'I Have Fought the Big Knives and Will Continue to Fight Them Until They Are Off Our Lands!'" (288 caracteres). Minha banda ABUNN sempre se gabava de ter a música com — segundo pensávamos — o maior título do mundo, "Quando as Borboletas Azuis de Antenas Amarelas Batem Suas Asas Fazendo Um Barulho Ensurdecedor Que Não Dá Pra Aguentar" — mas, com seus míseros 118 caracteres, ela perde feio para várias faixas do Illinois.

(Uma rápida googlada também me informa que Sufjan Stevens está longe de ser o recordista na categoria. A cantora americana Christine Lavin lançou, em 1984, uma canção chamada "Regretting What I Said to You When You Called Me 11:00 On a Friday Morning to Tell Me that at 1:00 Friday Afternoon You're Gonna Leave Your Office, Go Downstairs, Hail a Cab to Go Out to the Airport to Catch a Plane to Go Skiing in the Alps for Two Weeks, Not that I Wanted to Go With You, I Wasn't Able to Leave Town, I'm Not a Very Good Skier, I Couldn't Expect You to Pay My Way, But After Going Out With You for Three Years I DON'T Like Surprises!! Subtitled: A Musical Apology". Seriam precisos quatro tuítes para dar conta de seus 481 caracteres.)


O álbum de 2010, The Age of Adz, segue direções musicalmente bem distintas de seu predecessor: as ótimas melodias e harmonias vocais continuam lá, mas agora embaladas por arranjos eletrônicos, repletos de sintetizadores, efeitos sonoros, barulhinhos. É um disco muito mais pra baixo, sem os refrões otimistas do Illinois, sem fazer graça com títulos longos, sem faixas de curtíssima duração. Muito pelo contrário: os 25 minutos da última música, "Impossible Soul", são de fazer inveja ao Yes. The Age of Adz não foi tão unanimemente aclamado quanto o Illinois, mas eu gosto pacas. "Impossible Soul" deve ser a música de 25 minutos que mais ouvi na vida.

Depois de cinco anos em que seu único lançamento solo foi um disco quíntuplo (!) de músicas de Natal que, sinceramente, nunca tive paciência para ouvir inteiro, Stevens voltou em 2015 com um álbum de inéditas de verdade, Carrie & Lowell — que fatalmente aparecerá em várias listas de melhores no final do ano, anota aí. Mais uma vez o estilo dá outra guinada: saem as experimentações eletrônicas e entram baladas acústicas com banjo e ukulele, com letras bastante pessoais sobre sua mãe, seu padastro e suas memórias de infância. E com o disco novo, veio junto uma nova turnê mundial, que passou por Berlim em setembro no Admiralspalast.


Comprei o ingresso pela internet com meses de antecedência. Tinha lugar marcado e tal, mas já fazia tempo e eu não me lembrava onde é que havia escolhido ficar. Quando cheguei ao teatro para o show, fiquei positivamente surpreso: "Não lembrava que tinha conseguido um assento na sexta fileira por esse preço!", pensei, me acomodando na cadeira.


Eu não tinha conseguido, claro. Logo reivindicaram meu lugar e percebi que meu ingresso me colocava era lá em cima, no terceiro andar, num assento onde eu precisava ficar de pé para conseguir visualizar o palco todo. Fazer o quê.


Sozinha no palco, uma cantora-compositora canadense chamada Basia Bulat segurou bem seu show de abertura com músicas bonitas como "Tall Tall Shadow", instrumentos insólitos como a auto-harpa da foto abaixo e uma voz poderosa, chegando até mesmo a dispensar o microfone na última música — o que funcionou bem, mesmo lá do terceiro andar.


Sufjan Stevens entrou na sequência, acompanhado por quatro músicos que tocaram de tudo e deram uma força mais do que bem-vinda nos vocais. Primeiro ele mandou o Carrie & Lowell inteiro, quase na mesma sequência do álbum. E não falou bulhufas com a plateia: o primeiro "Thank you" veio após uma hora e quarenta e cinco minutos de show. Normalmente me desagrada esse tipo de postura no palco (no show do Placebo que vi há uns dois anos, o vocalista não se dirigiu à plateia uma só vez — e eles ainda tocaram com um vidro separando a banda do público), mas neste caso dá pra relevar, não só pela teatralidade da coisa, mas porque as canções desse disco são tão pessoais que era como ele estivesse cantando para si mesmo. São letras doídas do tipo "I forgive you, mother, I can hear you / And I long to be near you / But every road leads to an end" ("Death With Dignity") ou "Tell me what did you learn / From the Tillamook burn / Or the Fourth of July? / We're all gonna die" ("Fourth of July"), que falavam da morte da mãe, a Carrie do nome do álbum.

A maioria das músicas veio com arranjos novos: o que no disco era quase tudo acústico e folk, ao vivo ganhou adornos eletrônicos em versões que caberiam fácil no The Age of Adz (tanto que as duas desse disco anterior que ele tocou no meio do set principal, "Vesuvius" e "I Want to Be Well", não soaram em nada deslocadas). Geralmente tendo muito mais para o acústico/elétrico do que para o eletrônico, mas curti bastante as novas versões. Devo dizer, porém, que poderia ter passado sem o encerramento à última música do set principal, "Blue Bucket of Gold": foram nada menos do que vinte minutos de barulhinhos digitais que pareciam não acabar nunca. Tenho certeza de que muita gente na plateia adorou estar imerso na experiência, mas por mim, ele poderia ter tocado umas oito músicas do Illinois nesse meio-tempo — ou mandado os 25 minutos de "Impossible Soul".

Se ficou calado por quase duas horas, no bis Sufjan Stevens desandou a falar, contando casos de infância e se desculpando por não esticar tanto o bis. De fato, foram apenas três músicas, contra seis na noite anterior, no mesmo teatro. A canção derradeira foi "Chicago", provavelmente o mais próximo que ele tem de um hit, que aqui se despiu do arranjo multi-instrumental no Illinois e veio acústica, dedilhada no violão. Todo mundo ali aceitaria de bom grado mais umas dez canções — but every road leads to an end.

Setlist:

1. Redford (For Yia-Yia & Pappou)
2. Death With Dignity
3. Should Have Known Better
4. Drawn to the Blood
5. Eugene
6. John My Beloved
7. The Only Thing
8. Fourth of July
9. No Shade in the Shadow of the Cross
10. Carrie & Lowell
11. The Owl and the Tanager
12. All of Me Wants All of You
13. Vesuvius
14. I Want to Be Well
15. Blue Bucket of Gold
16. Concerning the UFO Sighting Near Highland, Illinois
17. To Be Alone With You
18. Chicago

25/10/2015

Leave the gun. Take the DeLorean.


Que baita semana, cinematograficamente falando. Quarta-feira tivemos o tão aguardado 21 de outubro de 2015, uma data que me criou expectativa por mais de duas décadas, desde que eu tinha oito ou nove anos e assistia a De Volta Para o Futuro II em looping, num VHS gravado da Sessão da Tarde. Até hoje ainda revejo a trilogia a cada ano ou dois, e recentemente concluí, após longos anos de procrastinação, minha série sobre a franquia no Cinema de Buteco (com críticas do primeiro, segundo e terceiro filmes, além de um especial sobre o "universo expandido" de De Volta Para o Futuro em desenho animado, videogame, atração de parque temático e o escambau). 

Nos textos, mencionei que já tinha visto o primeiro filme na "Tela Quente, Sessão da Tarde, VHS, DVD, dublado, legendado… Só faltou ter visto no cinema, o que não foi possível por uma questão temporal – tanto eu quanto o primeiro filme nascemos no glorioso ano de 1985." A informação já estava desatualizada desde o ano passado, porque em 2014 consegui assistir a De Volta Para o Futuro no cinema pela primeira vez, num Freiluftkino (cinema a céu aberto) em Berlim. Com um detalhe: dublado em alemão. Mesmo com Doc Brown esgoelando "Großer Gott!" em vez de "Great Scott!", foi ótimo poder ver o filme numa tela grande, com plateia curtindo junto.

Aí chegou 2015. Se o primeiro de janeiro amanheceu repleto de piadas do tipo "agora precisamos usar os bolsos pra fora das calças" e "não temos hoverboards, mas temos pau-de-selfie", logo nos acostumamos a viver num futuro sem carros voadores ou minipizzas que triplicam de tamanho em dois segundos. Mas era o fatídico 21 de outubro que importava, e à medida que a data chegava perto, coisas devoltaparaofuturianas começaram a pipocar pra todo lado: o lançamento de um novo box da trilogia, a chegada do desenho animado em DVD (mais de sete anos após meu pedido no último parágrafo deste post), o novo documentário Back in Time e muitas sessões de cinema pelo mundo afora, incluindo Brasil e Alemanha, com os três filmes em sequência. Em Berlim, vários cinemas anunciavam "Zurück in die Zukunft" pela cidade — mas tudo, novamente, dublado. Quando vi que o cinema do Sony Center, um dos poucos aqui que passam tudo com o áudio original, também faria sua maratona, não titubeei e garanti meu ingresso com dois meses de antecedência. Se os filmes ensinaram uma lição, é que é melhor não deixar pra fazer tudo em cima da hora.

Veio o 21 de outubro e foi uma agradável surpresa ver que não apenas a internet inteira girava em torno de De Volta Para o Futuro, mas que pululavam referências também no "mundo real": estações de trem em Londres proibindo hoverboards, a Pepsi lançando a Pepsi Perfect, Michael J. Fox e Christopher Lloyd surgindo caracterizados no programa do Jimmy Kimmel e até os jornais alemães estampando Marty e Doc na primeira página, com manchetes como "Jetzt ist die Zukunft" ("O futuro é agora"). 

Munido de Red Bull, biscoitos e suprimentos, cheguei ao Sony Center depois do trabalho com tudo pronto para começar a maratona, vestindo inclusive minha camiseta "Back to the Berlin Future", que traz um amálgama do DeLorean com o Trabi, o carro típico da antiga Alemanha Oriental. As empresas que fazem tours de Trabi pelas ruas berlinenses perderem a chance de desenvolver um "Tralorean" como o da camisa — fariam uma grana fácil com passeios sem precisar de plutônio ou de 1.21 gigawatts. Os fãs, por outro lado, não hesitaram em tirar seus jalecos e coletes vermelhos do armário, e topei com pelo menos um Doc Brown e dois Marties McFlies na entrada do cinema.


O primeiro filme estava marcado para as 18h30, mas só começou meia hora depois. Antes vieram as inevitáveis propagandas, trailers e anúncios de sorvete, onipresentes nos cinemas alemães. Às 19h, surgiu a imagem de um Christopher Lloyd quase octogenário saindo do DeLorean e se dirigindo à plateia: "Se meus cálculos estiverem corretos, vocês estão vendo isso em 21 de outubro de 2015. O futuro não é como imagináramos, mas somos nós quem fazemos nosso próprio futuro. Por isso, façam um bom futuro". Eu já tinha visto essa gravação alguns dias antes, conferindo os extras do novo box de blu-rays, mas no dia certo fez muito mais sentido. O filme em si, então, funcionou perfeitamente: todas as piadas foram recebidas com as risadas genuínas que merecem, e rolaram até aplausos efusivos quando George McFly nocauteia Biff no estacionamento. De todas as vinte ou trinta vezes, ver este filme no cinema, no exato "Back to the Future Day", foi provavelmente a mais especial.

Um cartaz na porta da sala avisava: "Sete minutos de intervalo entre os filmes". Mas quando as luzes se apagaram para a Parte II e uma propaganda apareceu na tela, tremi: será que iam passar mais meia hora de anúncios? Para meu alívio, era apenas um comercial falso do hoverboard. O segundo filme começou na sequência, com o cinema inteiro festejando quando o Doc apontou para a data nos circuitos do tempo: "OCT 21 2015". No intervalo seguinte, aproveitei os sete minutos para tomar um espresso: ainda faltavam duas horas e eu não queria tirar um cochilo involuntário como muitos ali acabaram fazendo.

O terceiro filme terminou à 1h da manhã e eu cheguei em casa ainda cantarolando o tema: e daí que passei a quinta-feira morrendo de sono no trabalho? Só fica o pedido encarecido aos roteiristas de ficções científicas: da próxima vez que fizerem um filme futurístico com potencial para virar cult décadas depois, escolham uma data que caia no sábado.


Dois dias depois, na sexta à noite, foi a vez de The Godfather Live, no mesmo Tempodrom onde vi Cat Stevens ano passado e Roger Hodgson há algumas semanas. Assistir a O Poderoso Chefão com uma orquestra tocando a trilha ao vivo? Indubitavelmente, é uma oferta que não dá pra recusar.

(Fato avulso: antes do início do filme, colocaram uma playlist de músicas tradicionais italianas. Nisso entra a melodia de "Quem te conhece não esquece jamais… óóó Minas Gerais". Sempre presumi que a música fosse mineira, mas pelo visto estava errado. Escuto um casal atrás de mim conversando em português, o cara lendo a Wikipédia no smartphone para a esposa: "Tida por alguns como o hino oficial do estado, 'Oh Minas Gerais' é originária da valsa italiana 'Viene Sul Mare' com letra adaptada por José Duduca de Moraes". Viro pra trás pra puxar assunto e comentar que eu tampouco sabia dessa, e ainda descubro que o cara também é de Belo Horizonte.)

A orquestra subiu ao palco pontualmente às 20h, sem — grazie a Dio! — nenhum trailer ou propaganda de sorvete antes do filme. De inconveniente, apenas o cálculo errado do posicionamento do telão: a cabeça do maestro obstruía um pequeno pedaço da parte inferior da tela (mas o grandalhão que calhou de sentar na nossa frente atrapalhou muito mais). O trompetista solou o tema de Nino Rota, Bonasera surgiu na tela dizendo acreditar na América, e seguiram-se três horas do melhor que a primeira e a sétima artes podem proporcionar. E parabéns para o maestro e para os músicos por manterem tudo no ritmo certo o tempo todo, o que fica especialmente nítido quando há algum personagem tocando no próprio filme, como na sequência inicial do casamento de Connie Corleone: até quando Johnny Fontane cantava, sua voz vinha do áudio original, mas o acompanhamento era feito na nossa frente. Muitas vezes, imersos no filme, não era raro esquecer que havia música ao vivo, até que você se dava conta e espiava o senhorzinho palhetando com precisão o bandolim ali no canto.

Esse tipo de experiência tem que ser feita desse jeito, com um clássico que todo mundo já viu quinhentas vezes: não dá pra assistir a um filme pela primeira vez e querer prestar atenção na performance dos músicos ao mesmo tempo. Para O Poderoso Chefão, com sua trilha fantástica e suas cenas que estamos todos carecas de conhecer, caiu como uma luva. (Uma pena que vários músicos cujos instrumentos têm destaque na trilha, como piano, bateria e a seção de sopros, tenham ficado escondidos lá atrás.)

No final, depois dos créditos, a orquestra repetiu os dois temas principais enquanto imagens dos bastidores do filme passavam no telão. Fiquei esperando O Poderoso Chefão - Parte II na íntegra pra encerrar o bis, mas infelizmente não rolou.

19/10/2015

Soneto do outono alemão


Adeus, dias tórridos de perder o sono 
Auf wiedersehen, chopes da Oktoberfest 
Se aí no Brasil o calor é inconteste, 
Berlim já mergulha, implacável, no outono 

Calçadas viraram tapetes folhosos 
Termômetros marcam um dígito só 
Quando, no Skype, contar à minha avó, 
Prevejo suspiros e risos nervosos 

Pior não são os fins de semana de chuva 
Ou ter que comprar gorro, casaco, luva 
Pois isso se arruma em qualquer loja online 

Ruim mesmo é o breu: chega manso, sem alarde 
De repente é noite. Às quatro da tarde. 
Ao menos, um alívio: logo é tempo de Glühwein


11/10/2015

Scream - Primeira Temporada



O primeiro Pânico foi um dos filmes que mais vi na vida. Lá pela sétima, oitava série, sempre chegava da escola e dava o play no VHS — acho que até hoje sei recontar a trama inteira de cabeça. Pânico 2 vi no cinema com meu primo, que saiu falando que era o melhor filme que já tinha visto. A estreia de Pânico 3 foi um evento épico que levou minha escola inteira ao Diamond Mall em uma tarde de sexta-feira: teve empurra-empurra na entrada e gritaria generalizada nas cenas de terror, e eu até levei minha máscara do Ghostface pra fazer graça.

Revendo os três filmes anos depois, apenas o primeiro continua se sustentando bem. O segundo é até divertido, mas só moleques de 14 anos poderiam considerá-lo a obra máxima de suas breves existências. O terceiro é bem fraco e às vezes parece mais Simão, o Fantasma Trapalhão do que um slasher movie. Pânico 4, lançado tardiamente onze anos após a parte 3, não é lá dos mais memoráveis: eu só lembro mesmo da criativa cena de abertura, cheia de filmes-dentro-do-filme, quase um screamception.

Meu interesse em Scream — mais um exemplar na enxurrada de séries recentes baseadas em filmes, como Bates Motel, Fargo e From Dusk Till Dawn — era nulo, mas a máscara boquiaberta do novo Ghostface apareceu na tela do Netflix e, provavelmente movido pela nostalgia, resolvi conferir o que é que a MTV tinha feito com sua reinvenção televisiva de Pânico.

A série ignora os eventos dos filmes e não menciona Sydney Prescott ou os trocentos assassinatos cometidos na quadrilogia. A história se passa em Lakewood, cidadezinha cujo nome não deixa de lembrar Woodsboro, cenário dos filmes. Há vinte anos, um serial killer mascarado deixou um rastro de vítimas e alguns poucos sobreviventes traumatizados. Duas décadas depois, um novo assassino volta a colocar a adolescentaiada em pânico. Não é coincidência que quase 20 anos separem 2015 do primeiro filme, lançado em 1996.


Muitos dos personagens principais parecem esculpidos com base nos filmes. Emma (Willa Fitzgerald) é a nova Sydney, toda hora recebendo telefonemas do assassino, escolhendo os namorados errados e descobrindo segredos do passado obscuro da mãe. Noah (John Karna) é o novo Randy: conhece os clichês do gênero e despeja referências à cultura pop a cada duas frases — além de ser um hacker de fazer inveja à garotinha de Jurassic Park, rastreando e invadindo qualquer dispositivo com dois cliques. Piper (Amelia Rose Blair) é a podcaster que equivale à repórter Gale Weathers, misturando-se à meninada para arrancar detalhes sobre as vítimas. De resto, temos a trupe usual de personagens frívolos e desinteressantes que só servem para protagonizar mortes horríveis, embora apenas uma, em que a vítima é serrada ao meio da cabeça aos pés, se distancie do monótono padrão "facada na barriga / facada nas costas" que acomete as demais.

Sobre o assassino, talvez o fato mais digno de nota seja a nova máscara. Acho bem-vindo atualizarem o visual do Ghostface, inserindo uma significância dentro da história pregressa da trama (é a mesma usada pelo serial killer de vinte anos atrás). Mas ainda prefiro mil vezes a icônica máscara original, com sua boca cartunesca, olhos franzidos e cara de dó. A voz distorcida ao telefone também está presente, mas "Hello, Emma" definitivamente não tem o mesmo apelo sonoro de "Hello, Sydney". Talvez seja o sibilar que inicia o nome "Sssssydney". Talvez seja a nostalgia falando.


A verdade é que, apesar do assassino mascarado e dos personagens derivados, a série não tem muito a ver com os filmes. O que diferenciava Pânico de todos os clássicos do horror que o inspiraram — e das dezenas de filhotes que pariu nos anos seguintes — era que seus personagens conheciam os clichês dos filmes de terror e sabiam que estavam em um. Em Scream, as referências a outras séries de TV se resumem a piadinhas com Game of Thrones, Breaking Bad e Dexter, mas apenas nos diálogos, nunca na estrutura. Vez ou outra, o personagem nerd faz menção aos clichês de terror destrinchados nos filmes ("Não vou dizer 'volto já', porque senão não vou voltar"), mas a coisa não passa disso.

No terceiro episódio já tinha ficado claro que Scream não era das melhores séries. Mas para descobrir a identidade do assassino (que só veio a dez minutos do final do último episódio), foi preciso aguentar mais sete episódios com personagens se comportando de maneira ilógica, pontas soltas sendo ignoradas (ou convenientemente deixadas para a segunda temporada) e episódios inteiros que mais parecem Malhação — cheios de historinhas de romance adolescente e subtramas envolvendo cyberbullying e chantagem — do que uma "slasher series". Em uns três episódios consecutivos, inclusive, a única aparição do assassino é numa sequência de sonho, um dos recursos de roteiro mais preguiçosos da paróquia.

O season finale tem a inevitável festa seguida de matança e a aguardada revelação de quem se esconde por trás da boca aberta (claro: um dos únicos dois ou três personagens que não tinham virado suspeitos durante a temporada inteira), mas fica a sensação de que teria sido melhor gastar esses 400 minutos revendo o primeiro Pânico mais algumas vezes. Taí uma série que poderia dizer "volto já" e não voltar, que não faria falta.

06/10/2015

Música com vassoura e pá


Viena exala música. Também, o que esperar de uma cidade que já abrigou, empregou e inspirou caras como Mozart, Beethoven, Schubert, Haydn, Brahms e trocentos membros da família Strauss — sem esquecer de Falco, mente e voz por trás de "Amadeus, Amadeus, Amadeus… ô ô ô Amadeus"? 

A música clássica está presente em todos os cantos, principalmente os turísticos. Lojinhas de souvenir comercializam chaveiros, ímãs de geladeira e garrafas de licor no formato de instrumentos musicais, e até os patos de borracha usam peruca branca cacheada e tocam violino. O turista pode visitar as antigas residências de Wolfgang Amadeus Mozart e Joseph Haydn, e concertos de preços variados oferecem os greatest hits dos compositores mais famosos quase que diariamente.

Mas há de se admirar a engenhosidade daqueles que carecem de fama e grana, mas não de talento. E um grande barato de Viena é topar com músicos de rua sem poder aquisitivo para empunhar uma Gibson — que dirá um Stradivarius —, mas cheios de ideias mirabolantes que acabam fascinando mais do que se tivessem seguido caminhos convencionais. Como um quinteto que usava apenas as cordas vocais para mandar clássicos como "Ah ba ba ba, ba Barbara Ann…" a cappella.

Ou a dupla que transformou dois inconspícuos utensílios — uma vassoura e uma pá — em guitarra e baixo. A vassoura (guissoura?) tinha apenas uma corda, mais do que suficiente para que o músico dedilhasse seu improviso à vontade, enquanto o baixo (paixo?) trazia três cordas disputando espaço no cabo. A gambiarra rendeu um som bastante decente para o blues apresentado na calçada aos atônitos transeuntes, e pareceu também dar certo em termos monetários: a toda hora chegava outra moeda no chapéu posicionado em frente aos dois.


Tentando (sem sucesso) descobrir o nome da dupla, esbarrei em outro vídeo com os caras, publicado no YouTube em 8 de novembro de 2014 — exatamente uma semana antes da visita a Viena em que registrei o vídeo acima. E não é que eles estão tocando a mesmíssima coisa?

Fica a sugestão de expandirem o repertório: a música brasileira, por exemplo, oferece ótimas opções para se tocar com uma corda só ("Um Bilhete Pra Didi", dos Novos Baianos, ou mesmo o manjado "Brasileirinho"). Pra não falar em canções tematicamente apropriadas, como o frevo centenário "Vassourinhas".

Mas inesquecível, de verdade, seria ver a dupla vienense caprichando numa versão instrumental do Molejão: "Diga aonde você vai, que eu vou varrendo…"

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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