15/11/2008

A HISTÓRIA DE PARTE II – O MEIO DO FIM

Capítulo 1 - A aula, o roteiro e o primeiro dia de filmagens

O nome da matéria era monstruoso: Empreendedorismo. Na prática, assustava bem menos do que as camadas eletrônicas da Química ou as famigeradas mitocôndrias da Biologia. Eram vários módulos: Jornalismo, Teatro, Técnicas de Pesquisa. Em cada um, um professor diferente. O terceiro módulo tinha uma professora algo picareta e razoavelmente mobral, mas o nome – “Produção de Vídeo” – e o projeto do bimestre – claro, a produção de um vídeo – nos pareciam promissores.

O trabalho era em grupo e o nosso era enorme, nada menos que 13 pessoas. Ainda assim, não houve muita discussão a respeito do tema do nosso filme: faríamos uma paródia de filmes de terror. Parece batido hoje, mas em julho de 2000 nem o primeiro Todo Mundo em Pânico tinha estreado ainda. E nossa idéia vinha de muito tempo: na sétima série, tentamos produzir A Mão Sangrenta, um thriller telefônico; na oitava, esboçamos cenas de Massacre na Turma 801, última parte de uma trilogia de sátiras escolares, e de Pânico Versão Fundo de Quintal, refilmagem sweded do terror juvenil que era fenômeno no fim da década. Nenhum desses projetos vingou, talvez por não termos uma desculpa tão boa para realizá-los quanto um obrigatório trabalho escolar. Daquela vez, porém, ia dar certo.

O primeiro esboço do roteiro data de 5 de julho de 2000 e foi escrito lá em casa por mim e pelo Adriano, no mesmo quartinho onde, meses antes, tínhamos arquitetado o site da turma que nos levara a três dias de suspensão. O roteiro em questão nada mais era do que cinco cenas resumidas e um bloco gigante de texto marcado como “resto da história”. Muitas coisas que estão no filme pronto já apareciam ali – a loira que morre no começo, os detetives Jack Jackson e John Johnson, a turma de adolescentes assistindo a aterrorizantes desenhos da Disney, a personagem que morre no banheiro, o agente secreto infiltrado no meio da turma, a festa no final seguida de chacina. Outras, como os trailers de seqüências de filmes de terror (“O Sétimo Sentido”, “Sábado 14”, “Eu não esqueci o que vocês fizeram no verão passado”), morreram no papel. Até o fim das filmagens, teríamos mais 3 versões do roteiro – nenhuma delas completa, com diálogos, rubricas e plot points bem marcados, como manda Syd Field, mas esquemas de três ou quatro linhas que davam a origem a intermináveis improvisos. Foi assim, com duas folhas grampeadas, uma filmadora com a bateria capenga e várias idéias pela metade na cabeça, que iniciamos o primeiro dia de filmagem, no início de agosto, na casa do Thiago Ursini.

Todos os dias de gravação começariam da mesma forma, está tudo registrado no making of: gente andando de lá pra cá sem ter o que fazer, garotas demorando horas pra trocar de roupa e maquiar enquanto os meninos tentavam inutilmente espiar os bastidores pela fechadura, todo mundo vestindo a roupa do assassino, o Adriano reclamando que eu estava filmando demais e que a bateria poderia acabar antes das gravações, tombos, risadas, brincadeiras. Some-se a isso a falta de experiência de 13 adolescentes tanto como elenco quanto como equipe de produção, e quando o relógio marcava cinco da tarde pouco tínhamos avançado nas filmagens.

A primeira cena feita seria a primeira a aparecer no filme: Camila, vivida pela Christiane, chega em casa depois de uma festa e adormece no sofá; um sujeito desajeitado vestindo uma roupa preta invade a casa, persegue a garota e a esfaqueia com uma faquinha minúscula; Camila cai de bunda pela escada e morre. A roupa preta com capuz pontudo à la Ku Klux Klan tinha sido feita pela minha avó Lulu, dois anos antes, para um filme que eu faria com meus primos, intitulado O Homem do Castiçal. Foi mais um projeto abandonado, mas a roupa acabou caindo bem no assassino do nosso curta.

Depois dos vários takes da cena inicial – que precisou de metade do elenco segurando cobertores perante as janelas, pra tapar a luz e fingir que era noite –, partimos para as duas cenas da delegacia. Seguíamos o clichê: todo filme de terror juvenil tinha a loira que morria no começo e depois a cena da delegacia, apresentando os detetives encarregados do caso. O nosso delegado era o delegado Peixoto – o nome eu tirei do livro A Caveira Assassina, um livro inacabado que venho adiando desde 1997 – e era o Thiago Ursini que o interpretava, com terno, cigarro e walkie-talkie. Os detetives Jack Jackson e John Johnson (nenhum parentesco com o Jack Johnson) eram Paulo e César, respectivamente. Numa das aulas de Produção de Vídeo pré-produção do vídeo, essa era a cena que havíamos ensaiado na presença da professora; lembro que ela dera atenção especial à pisada que o Thiago daria quando jogasse o cigarro no chão.

Da cena dois, fomos à cena sete, que marca a primeira aparição do Adriano como o agente Billy Nose - o nome foi escolhido na hora, em referência ao nariz avantajado do intérprete - e um (d)efeito especial calcado em Missão Impossível. A seqüência acontecia na mesma delegacia e aproveitamos o cenário montado na garagem da casa do Thiago (leia-se: mesa com toalha xadrez e cadeira) para não termos que voltar lá depois. Gravar cenas fora de ordem é a regra na maioria dos longas, por logística pura e simples; só que em filmes como nossos, gravados sem roteiro finalizado, é óbvio: dá margem a inevitáveis e inumeráveis erros de continuidade.

Nesta cena, por exemplo, o delegado Peixoto alega ter recebido uma revoltante informação: "mais uma morte, no mesmo grupo". Só que, na cena anterior, ele aparece presenciando o tal assassinato. Amnésia do delegado ou distração dos produtores? Seja como for, uma vez contei, um, a um os erros que encontrava no filme, das risadas involuntárias dos figurantes às grotescas falhas de continuidade. Foram mais de noventa.

(Continua...)

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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