26/08/2009

Ashes are burning



Pompéia, Itália
19 de fevereiro de 2007

Depois de Tróia e Esparta, a próxima cidade antiga a virar blockbuster seria Pompéia, num thriller dramático de 130 milhões de dólares dirigido por Roman Polanski. Só que o Polanski saiu do projeto e infelizmente não se sabe se o filme vai ou não vingar. Por outro lado, o mundo fica livre de mais um papel insosso de Orlando Bloom.

A história de Pompéia é cinematográfica por natureza. Cidadezinha romana típica, de agitada vida cultural e popular destino de verão. Em 62 d.C., é antigida por um terremoto de 7.5 na escala Richter, que destrói grande parte de suas edificações e instaura o pandemônio no lugar. Nos dezessete anos seguintes é reconstruída pouco a pouco, até que em 79 d.C. o vulcão Vesúvio resolve acordar e espalha pedras e cinzas pra todo lado, soterrando todo mundo. Sua localização é esquecida por mil e quinhentos anos, até que acidentalmente descobrem suas ruínas e iniciam as escavações. Até hoje não terminaram: dos 66 hectares, 21 ainda permanecem intocados. Como se não bastasse, em 1943 os Aliados jogaram 150 bombas em Pompéia, achando que os alemães estavam usando o lugar para estocar munição. Ô lugar zoado.

Eu ouvia essas histórias desde criança e, para meu último dia de mochilão, escolhi fazer um bate-e-volta a partir de Roma para conhecer o famoso sítio arqueológico à beira do Vesúvio. É só pegar um trem pra Nápolis (227km) e outro rapidim (30km) pra cidade de Pompéia. E foi aí que fiz a primeira descoberta, quando cheguei na estação com três cariocas que havia conhecido no dia anterior: existem as ruínas de Pompéia antiga, mas há também uma cidade moderna, logo ao lado, com o mesmo nome. Em italiano, elas se distinguem pela quantidade de Is: "Pompei" é a atual e "Pompeii", a antiga.

Um monte de taxistas se ofereceram pra levar a gente até as ruínas, mas preferimos a pão-duragem e rumamos para o ponto de ônibus. Esperamos, esperamos, até que o ônibus finalmente apareceu... e não parou. Vencidos, caminhamos a distância da estação até a entrada de Pompeii, que nem era tanta assim.

O ingresso custou 10 euros e deu direito a um mapa e um livrinho caprichado (80 páginas) com detalhes sobre as várias construções encontradas lá dentro. Um italiano barrigudo ofereceu seus serviços de guia turísticos, dizendo em inglês macarrônico: "Ráier a gáide ru uíl títchiu Rôman rístori". Preferimos recusar. Também me neguei a comprar um guarda-chuva, embora o sol estivesse longe e a previsão do tempo não fosse nada esperançosa. Resultado: o único dia em que levei o meu Guia do Viajante para um passeio externo também foi o único dia em que choveu. O coitado ficou encharcado.

Ainda na entrada, conhecemos duas garotas cariocas que eram intercambistas em Nápoles, e mais adiante se juntaram a nós três gaúchas que também percorriam o continente europeu. Foi também a primeira vez que andei durante o dia junto com outros brasileiros, e é impressionante como a viagem muda nessas circunstâncias: ganha-se em conversas e piadinhas, mas você deixa de ser mestre do próprio destino, e passa a ir aonde a massa vai.


Entramos em Pompéia com um desejo em comum: queremos ver os corpos! E não demoramos a encontrá-los no chamado "Jardim dos Fugitivos", um amplo espaço cheio de pompeenses mortos. Aí foi a vez da segunda descoberta: não são pessoas cobertas de lava petrificada ou algo que o valha, mas moldes de gesso feitos durante as escavações das ruínas. A técnica foi introduzida pelo diretor das escavações na segunda metade do século XIX, Giuseppe Fiorelli, e funciona assim: os corpos soterrados por cinzas foram se decompondo lentamente e deixaram um vão ali no meio, na posição em que estavam; injeta-se gesso ali dentro, que endurece e pronto. É como uma marca de giz no asfalto, em volta do cadáver recém-assassinado, só que 3D.

Caminhar por Pompéia é um barato. São dezenas de construções, entre casas, estabelecimentos comerciais, teatros e o enorme anfiteatro, onde o Pink Floyd filmou seu "Live at Pompeii", provavelmente o show com pior média de público da história. Grande parte dos objetos, bem como muitos dos corpos de gesso, foram tirados de lá e levados para o Museu Arqueológico Nacional de Nápoles, malditos napolitanos. Ainda assim, muitas estatuetas, pinturas e objetos continuam firme e fortes em seu lar original, bem conservados, e em muitas casas é possível entrar e se pegar imaginando como seria viver ali há dois mil anos.

Na volta para Nápoles, tivemos provas de que o mau humor não é exclusividade dos cidadãos de Roma. Primeiro, um cara implicou com nosso passe de trem e queria cobrar trinta e tantos euros de multa, até que a intercambista carioca, que falava um italiano mais razoável, conversou com ele e resolveu a encrenca. Em seguida, um bigodudo chato não queria aceitar meus euros pra reserva do trem porque a nota estava molhada, mas eu não tinha um secador portátil na mochila e ele acabou cedendo. Depois o Umberto Eco diz que o maior problema da Itália são os italianos, e o pessoal acha ruim.



O Anfiteatro de Pompéia.



Este pub encerrou suas atividades há 1930 anos.



Ruas romanas e mau tempo.



Um cadáver deitado.



Um cadáver agachado.



Um cadáver de bruços.



Um cadáver dormindo.

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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