11/03/2011

A sorte vem a cavalo

Quando negociou a devolução à China da colônia britânica de Hong Kong, o ex-presidente chinês Deng Xiaoping tratou de tranqüilizar os moradores da ilha quanto aos assuntos mais importantes: 

– "As boates continuarão funcionando, e os cavalos continuarão competindo". 

As corridas de cavalo são um dos passatempos preferidos dos hong kongers, uma herança britânica que já dura uns bons cento e cinqüenta anos. A incerteza quanto à continuidade dessas corridas fazia sentido: na China continental, qualquer jogatina valendo grana é proibida. Mas assim como os inúmeros cassinos de Macau prosseguiram a pleno vapor, os cavalos de Hong Kong não foram aposentados e permanecem fazendo a alegria de sua multidão de fãs – e apostadores. 

Tirei minha última noite em Hong Kong para conferir a famosa corrida de cavalos. Não fazia idéia de como seria – se o ambiente era tranqüilo ou agitado, quantas corridas havia por noite, qual o valor das apostas, se teria que usar roupa chique –, mas só a experiência já tava valendo. O hipódromo onde fui, o Happy Valley, é véio de guerra: sua primeira corrida foi em 1846. 

Indo pra apostar ou pra bisoiar, tem que pagar a entrada. Mas o preço é camarada: 10 dólares de Hong Kong (HKD), o que dá uns 2 reais. Muita gente freqüenta o Happy Valley só pra matar o tempo e tomar uma cerveja. E nisso, ele é bem equipado. Tem quiosques de marcas famosas de cerveja, restaurantes e até um méquidônalde. O freqüentador comum, que não tem cadeira cativa e carteirinha do Jockey Club, pode escolher as arquibancadas ou ficar na grade pra ver os cavalos de perto. Não estava muito cheio e escolhi a grade. Mas eu não tinha ido ali só pra olhar: como é que vou na primeira corrida de cavalos da minha vida e não aposto ao menos uns trocados? Às vezes a sorte vinha a cavalo e eu saía de lá com cheio da nota. 

 

O sistema de apostas parece complicado de cara, mas é preparado para calouros. Cheguei lá com cara de perdidão e um funcionário veio me explicar como proceder. Disse que a aposta mínima era de 10 HKD e me deu um papel cheio de dados e estatísticas, que não entendi patavina e resolvi ignorar, escolhendo meus cavalos pelo nome. Algumas possibilidades: Conqueror, King Galileo, Son of the West, Incredible Eagle. Optei pelo número 7 (Fantastic Time) e o 2, Kowloon Pride, em homenagem à região de Kowloon, onde eu estava hospedado 

 

Voltei ao alambrado para esperar a corrida, que começava às 19h15. Trouxeram os cavalos, doze no total. Vieram os jóqueis e subiram em suas cacundas. Veio a contagem regressiva e pá! Foi dada a largada. A tropa veio zunando e desapareceu rápido do nosso campo de visão, mas um telão mostrava tudo o que acontecia, com ângulos espertos de câmera e informações sobre quem vinha na frente. Pouco depois, comecei a ouvir o galopar, os cavalos despontaram no horizonte, os jóqueis empolgados, a galera gritando alucinada, vai Malhado!, vai Malhado!, e terminou. No total, um minuto, 42 segundos e 25 centésimos (eu contei). 

Decepção. O primeiro lugar foi para o Amazing Venture, seguido por Multilove e Incredible Eagle. Meus cavalos foram terríveis: Fantastic Time terminou em sétimo e Kowloon Pride amargou o penúltimo lugar, para vergonha de Kowloon. 


Tem que limpar rápido, senão os cavalos passam por cima. 

Nesse ponto eu estava com um copão de cerveja numa mão, o folheto de estatísticas na outra e já tinha desistido de ir embora cedo. Ao meu redor, aficionados liam compenetrados seus jornais, analisando chances e riscos, levando a coisa a sério. A próxima corrida seria dali a meia hora. Peguei uns folders explicativos e resolvi aprender direito como é que funcionava aquele troço. 

Não é difícil. Existem dois tipos básicos de apostas: WIN e PLACE. 

Apostando em algum cavalo no WIN, você só ganha se ele chegar em primeirão. 

Apostando no PLACE, você ganha se o cavalo escolhido ficar em primeiro, segundo ou terceiro. 

Por ser mais duvidosa e arriscada, a aposta no Win paga muito mais. O Place triplica suas chances, mas paga bem menos – e se seu cavalo chegar em primeiro, você ainda passa raiva de pensar que poderia ter jogado no Win. 

Você pode apostar quanto quiser, em quantos cavalos quiser, e o valor do prêmio é inversamente proporcional à popularidade do cavalo: quanto mais gente aposta suas fichas no cavalo tal, menos cada apostador receberá. No telão você fica sabendo em detalhes se um cavalo está em alta ou em baixa: 

 
Qualquer relação entre a foto tremida e meu copão de cerveja terá sido mera coincidência. 

Vamos lá. A coluna em vermelho indica o número do cavalo, de 1 a 12. Ao lado de cada um desses, temos um número em azul claro (representando o WIN) e outro em amarelo (PLACE). Esses números mostram quanto é que cada aposta vai pagar nessa corrida. Digamos que você apostou 10 HKD no número 1. Se jogou no Win e o cavalo chegou em primeiro, você receberá 19 vezes o valor da aposta, ou seja, 190 HKD. Se marcou Place e o eqüino ficou entre os três primeiros, ganhará 5,3 vezes a sua aposta (53 HKD). 

Número alto significa que ninguém está botando fé no bicho: um Win no cavalo 9 está pagando 29 pra 1, tornando este o azarão da corrida. Número baixo significa que ele é um dos favoritos. Nesta aqui, o mais cotado é o cavalo 4, que paga o menor valor: 4,5 pra 1 no Win, 1,9 pra 1 no Place. (O vencedor da corrida da foto foi o cavalo 1.) 

 

O que esse pessoal tanto lia nos jornais eram as estatísticas de corridas passadas e os palpites dos especialistas sobre quem tá com tudo, quem pode surpreender, esse lero-lero. Tava tudo no papel que ganhei do cara do balcão de apostas. Dá pra você saber se determinado cavalo venceu alguma corrida recente, se tem costume de correr com esse jóquei, qual sua velocidade média, só faltou falar se come ração fortificada e se o horóscopo do dia é favorável. 

 

Claro que, na hora do vamuvê, estatísticas não significam nada. Tanto que o meu Kowloon Pride, que perdeu vergonhosamente, era o único que tinha 3 "joinhas" no papel. É tipo o Brasil nas últimas Copas. 

Para a segunda corrida, diversifiquei minhas apostas. Continuei jogando no Place, dessa vez em três cavalos: Good Boy Boy, Oriental Courser (ambos com 3 joinhas) e Fastplus Master (cujo nome já impunha respeito). 

É bem complicado saber quem venceu se não ficar de olho no telão. Às vezes a disputa é bem acirrada e eles ganham por um focinho. O vencedor dessa segunda corrida foi o Hawthorne, número 1, que completou a volta em 0'57''85. O número 11, Oriental Courser, em que apostei, terminou em 0'57''86. Um centésimo de diferença! Como eu havia jogado no PLACE, dava no mesmo se ele chegasse em primeiro ou segundo. Mas meu prêmio foi uma merreca: 16 HKD. 

Poucas horas no Happy Valley me fizeram perceber um negócio: se eu morasse numa cidade com hipódromo e tivesse amigos que também gostassam, esse fatalmente acabaria virando um programa freqüente. Menos por gostar de ver cavalos correndo, mas pelo clima, as apostas, a cerveja, a diversão. Ali eu conheci por acaso uma pá de brasileiros (vários deles pilotos de avião da Hong Kong Express, óia só), que curtiam ir ao hipódromo regularmente, como entretenimento mesmo. 

Na corrida das 20h15, a terceira, apelei: apostei em quatro cavalos, tudo no Place. Solar Up, Joyful Joyful e Dr. Win não deram em nada. O Fionn's Dragon chegou em segundo e me rendeu míseros 11,50 HKD. Eu já tinha perdido dinheiro demais – gastei mais de 100 HKD nessa brincadeira e só recuperei 27,50 – e, prudentemente, resolvi parar. 

Mas passei o resto da noite ali, conversando com a brasileirada e vendo a cavalaria passar. Foram 8 corridas no total, com um intervalo de meia hora entre cada uma. E você acha que vai querer ir embora depois da próxima, mas vai ficando, porque naquele intervalo tem a volta olímpica do cavalo vencedor, o jóquei felizão saudando a galera, a apresentação dos cavalos da próxima corrida, e dá aquela curiosidade de saber se o próximo ganhador será o favorito ou o azarão. 

 

Na sexta corrida, quebrei minha promessa e cedi a uma última aposta. Foi porque vi no telão que o cavalo número 7 ("Team Work") tinha o maior índice de rejeição da noite, e por isso pagava absurdos 99 para 1 no Win. Resolvi apostar nele, e unicamente nele, na expectativa de que essa corrida de cavalos desse zebra, e joguei no Place, que pagava menos, mas ainda valia a pena: 10 HKD podiam me garantir uns 400. 

Fiz uma figa, a corrida começou, e o Team Work disparou em segundo! Caramba, nem acreditei. Era só agüentar nesse ritmo por mais um minutinho que eu teria grana suficiente pra pagar cerveja pra todo mundo e ainda voltar pra casa com a carteira polpuda. 

Mas nos vintes segundos finais... bom, aí eu entendi o que faz um cavalo ser bom de pista. É a regularidade. Os piores desembestam na frente, enchem de esperança seus apostadores e morrem na praia ali no finalzinho, bufando. Os bonzões mantêm um ritmo mediano constante e só na reta final é que galopam a mil, ultrapassando os concorrentes e garantindo o pódio. O Legend Express, que começou lá atrás, ficou em primeiro. E o Team Work, que chegou a ficar em segundo durante boa parte da corrida, terminou num mirrado oitavo lugar. 

A sorte quase me veio a cavalo, mas perdeu o fôlego. 

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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