23/01/2005

O computador daltônico



Começou quase imperceptível. Liguei o computador e, de repente, a tela ficou meio amarelada, mas logo voltou ao normal. Estranhei mas nem liguei. Com o passar do tempo, no entanto, o amarelão passou a ser freqüente. Do nada, a tela mudava de cor. Desenvolvi um sistema para consertar isso que era tão primitivo quanto funcional: dava pancadas na lateral do monitor. E ele consertava.

Não posso afirmar com certeza, porém, que as pancadas deram muito certo. Porque, embora na hora funcionasse, as semanas foram se passando e a tela do computador foi adquirindo novas cores: verde, azul, vermelho, rosa. Talvez seja como pais que batem muito nos filhos: o choro insistente pára no ato, mas os traumas que ficam na criança, a longo prazo, podem ser muito piores. O fato é que eu dava as porradas e a tela voltava ao normal. Mas foi piorando: às vezes eu passava preciosos minutos do meu dia espancando o computador, porque ele passeava por todo o arco-íris antes de ficar bom de novo. Nas últimas semanas a tela adquiriu até habilidades novas, como se transformar em widescreen ou ficar daltônico.

(Explico o daltônico: assim como as pessoas atingidas por esse inusitado mal, meu computador confundia algumas cores. Mostrava o azul e o verde corretamente, mas vermelho e preto, pra ele, eram a mesma coisa)

A situação tornou-se séria quando a tela começou a ficar preta. Breu total. Pôxa, não dá pra ler ou ver nada no breu total. Eu batia no monitor e ainda ficava feliz quando a tela mudava pra verde. Pelo menos, com o passar das horas de funcionamento, a tela ia melhorando: de preto para rosa, de rosa para verde, até, no final do dia, ao daltonismo ao qual eu já estava acostumado. Parecia que ele tinha que "esquentar" pra funcionar. Mas na manhã seguinte, após uma madrugada inteira desligado, a pancadaria voltava.

Tomei vergonha na cara e mandei o monitor pra arrumar no dia em que, estando a tela verde, fui assistir televisão e quando voltei nem a luzinha do bicho acendia mais. "Você venceu", falei pra ele, e fiquei um bom tempo sem poder mexer no computador, razão pela qual este blog demorou quase uma semana para receber atualizações. Quando o técnico o trouxe de volta foi como a Dorothy em O Mágico de Oz, na hora em que o filme fica colorido. É como voltar a enxergar.

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Lucas Paio já publicou contos em revistas e antologias, já dirigiu curtas-metragens e compôs canções, já ganhou um campeonato de aviões de papel, tocou teclado numa banda cover de Bon Jovi, morou na China e hoje vive em Berlim. É autor do romance de fantasia cômica MACADÂMIA, lançado em 2025.

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