26/12/2009

圣诞快乐!

O Natal é uma coisa meio nova pros chineses, que se abriram para o mundo há relativamente pouco tempo e tentam assimilar toda a cultura ocidental do jeito que dá. O que significa que nessa época é fácil encontrar um monte de árvores iluminadas, muitos restaurantes servindo peru na noite do dia 24 e a figura do Papai Noel ("Shengdan Laoren", em mandarim) devidamente explorada pelo comércio, mas dificilmente se vê o menino Jesus cercado por vacas e ovelhas, seja em presépios, seja em cartões de Natal. Não dá pra culpá-los: primeiro, que não são cristãos; segundo, que a imensa maioria de filmes e desenhos que chegam do oeste foca mais no Pólo Norte do que em Belém, e convenhamos que a compração e a comilança desenfreadas são muito mais a cara do Natal dos dias de hoje.

Enfim. O Natal acabou de acabar, mas deixo aqui duas fotos que simbolizam bem o espírito dessa data tão festiva. A primeira é de um inusitado Papai Noel chinês lendo os números vencedores de um sorteio no jantar do qual participei. A outra é da árvore de Natal mais original que já vi na vida, situada no lado de fora do Bla-Bla-Bar, no campus da BLCU. Cadeiras empilhadas, galhos amontoados e luzinhas pisca-pisca amarrando tudo, numa demonstração muito bonita de que o que vale é a intenção. Shengdan kuaile!
 

 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

22/12/2009

Alô alô brasileiro

Vivendo num reduto de estrangeiros como é Wudaokou, às vezes me esqueço de quanto somos criaturas exóticas no meio de uma multidão de cabelos pretos e olhos puxados. Perambulando pela Cidade Proibida e a Praça da Paz Celestial, no último domingo, fiquei surpreso com a quantidade de chineses que veio puxar papo comigo, assim sem mais nem menos. Alguns poucos intentam te arrastar para galerias de arte onde expõem e vendem pinturas a precinhos nem tão camaradas, mas a maioria quer mesmo é praticar o (ch)inglês ou entender o que um alienígena tá fazendo em Beijing. Se você fala um mínimo de mandarim então, nem que seja um "nihao" no tom errado, vira atração. Até foto comigo pediram pra tirar. E quando perguntam de onde eu sou e respondo: "巴西", não tem um que não emenda: "football!", ou "soccer!", ou "足球!", ou "you must play football very good!" (é, quem me conhece sabe o quanto sou habilidoso). 

Só teve um caso de uma mulher que, ao ouvir "Baxi" como resposta, não mencionou o esporte bretão mas perguntou: "Ah, ¿hablas español?". Curioso pra saber como uma chinesa de raiz falava a língua de Cervantes, indaguei-lhe e ela esclareceu: "Yo no soy china, soy de Costa Lica. Soy plofesola de mandalín". Eu já tinha notado a dificuldade da população local em dizer coisas como "obrigado" ou "Firenze" (conheci chineses estudantes de português e italiano que falavam "obligado" e "Filenze"), mas uma costa-riquenha, ainda que de origem oriental, que não aprendeu a pronunciar um dos fonemas mais importantes de seu idioma nativo me surpreendeu. Palece que o esteleótipo de chineses falando que nem o Cebolinha tem seu glande fundo de veldade.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

15/12/2009

Surprise me

 

Homer Simpson disse uma vez que não é homem de se surpreender facilmente (fala imediatamente seguida por: "O que é aquilo, um carro vermelho?!"). Ao pisar na China pela primeira vez, é difícil não olhar tudo com um ar intrigado, como se desembarcássemos no Mundo Bizarro de uma historieta do Super-Homem. Mas com o passar do tempo, a gente acaba se acostumando a ver algumas coisas. Hoje em dia eu (quase) não me surpreendo mais com: 

1. Cuspes. Ia usar um eufemismo qualquer, tipo "secreções viscosas expelidas pela cavidade bucal", mas a palavra certa é cuspe mesmo. É raro andar na rua sem ouvir os ruídos da puxada de ranho e da garganta raspando, seguido por um "ptu!" característico. Jovens, adultos, velhinhos, e – sim! – mulheres, inclusive as bonitas, curtem lançar saliva e companhia limitada em torpedos certeiros nos chãos da cidade. Mamãe ficaria horrorizada. 

2. Camisas com estampas absurdas. Algumas recriam marcas famosas virando a ortografia de ponta-cabeça, como a já citada logo da Diesel que dizia "DSELEI". Outra que me fez rir alto pelas ruas foi uma com a bandeira do Reino Unido e o texto que dizia: "New York, New York". Sem falar nos diversos amálgamas entre Mao Tsé-tung e Barack Obama, resultando em desenhos do Barack com chapeuzinho comunista e o improvável nome: "Obamao". 

 

3. Camelôs vendendo de tudo. Bolsas, cadernos, cachecóis, macaco, praia, jornal. Livros – falsificados, é claro, mas geralmente sem páginas faltando; dá pra comprar por 10 yuans (R$ 2,50) o que vendem nas livrarias por 200. Comidas de todos os tipos, incluindo algumas que fedem (tofu, tô fora). Outro dia tinha até um camelô vendendo aquários com peixinhos vermelhos. Era fim de tarde e tava tão frio que a água começava a congelar, e os peixinhos lá dentro, uns nadando lentamente, outros já completamente imóveis. 

4. Gente usando máscaras. (Não máscaras de monstros ou da Ópera de Pequim, bocó, falo das máscaras de proteção das que se compra na farmácia.) Se fosse no Brasil a gente imediatamente ia olhar e pensar: "Fudeu, gripe suína!". Mas em Beijing elas são comuns por vários motivos, entre eles: a) protegem nariz, boca e bigode do frio de lascar que tá fazendo e ainda vai piorar, e b) Beijing é uma cidade notória por sua poluição, e tem dias que é mais saudável cheirar um cigarro aceso do que respirar o ar das ruas. Mas a moda é usar máscaras que não pareçam vindas do hospital, mas de um shopping center. Aí dá-lhe florzinhas, moranguinhos, Hello Kitty e Bob Esponja. Mas uma vez vi uma menina com uma linguona dos Rolling Stones estampada em sua máscara, foi divertido. 

5. Bicicletas transportando as mais diversas coisas. Enquanto no Brasil a gente usa Kombis, caminhões e até carroças, em Beijing a galera curte uma bicicleta com carroceria pra levar de alimentos a bolas de basquete (?!). O cúmulo foi quando vi um ciclista carregando uma porção de botijões de gás em sua bike – e fumando ao mesmo tempo! 

 

6. Chinglish. É como foi apelidada a insólita maneira chinesa de falar e escrever inglês por essas bandas. Se em cardápios brasileiros eu já me deparei com um certo "against-fillet", aqui a coisa é muito mais comum e a gente fica surpreso é quando vê tudo escrito corretamente. Os exemplos já começam no meu quarto. No banheiro há uma placa avisando: "Do not put toilte paper into toilte". As informações sobre as saídas de emergência do prédio incluem "you aer here" e "evaxuation route". Também é comum substituir uma letra por outra "similar". Tipo: "loud conversation not affowed". Ou um cabeleireiro aqui perto cuja placa diz "hQirdresser", assim mesmo, com um Q maiúsculo vandalizando o idioma. 

7. Velhinhos se exercitando nas ruas. Com que freqüência você vê os seus avós fazendo jogging ou pedalando bicicletas? Na China a terceira idade é bem ativa e mesmo às 7 da manhã, com o frio que for, a gente se depara com senhores e senhoras praticando os intrincados movimentos do tai-chi-chuan ou chacoalhando o esqueleto em animadas partidas de tênis. 

 

8. O trânsito caótico. Deixei esse pro final porque, na verdade, é o que menos me acostumei. Em três meses de Beijing eu ainda não sei como atravessar a rua. Sinais vermelhos e verdes são ignorados de tal forma que parece que todos os motoristas são daltônicos. Chega uma hora que você toma a decisão de atravessar e atravessa, pedindo pelo amor de Confúcio que não passem por cima. Andar de táxi é sempre adrenalina pura, buzinas são muito mais usadas que retrovisores e as ultrapassagens dão a impressão de que estamos jogando GTA, mas sem acesso ao joystick. E quando as motos cismam de invadir a ciclovia e se comportar como bicicletas selvagens?


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

25/11/2009

Você sabe com quem está falando?

 

A língua chinesa tem uma porção de sons difíceis até de imitar, mas por outro lado carece de fonemas que nos parecem indispensáveis, como o som da letra V. Assim, nomes estrangeiros tipo Valadares ou Vladivostok viram coisas lindas como Waladaleisi e Fuladiwosituoke. Para os chineses, o presidente dos Estados Unidos é Balake Aobama, o do Brasil é Luyisi Yinaxiao Lula da Xierwa e os Pitousi eram formados por Yuehan Lienong, Baoluo Maikateni, Qiaozhi Halisen e Jilinge Sita. Todos os nomes próprios, sejam eles de pessoas, cidades, marcas ou personagens, acabam ganhando suas versões amarelas, de Alalakuala a Zhakaliyasi. 

Por outro lado, a chinesada sabe que para grande parte dos ocidentais os seus nomes são uma sucessão de ruídos imemoráveis, e dão um jeito de criar contrapartes de que os outros possam se lembrar. Só que, geralmente, eles não soam nada parecidos. Se um Lucas aqui provavelmente vira um Lukasi e um Thomas se torna Tomasi, uma Jiao Jiao pode virar Emily, Agatha ou Anabelle. 

Na hora de inventar um nome ocidental, o inglês é disparado a língua predileta. Joey, Penny, Dave, Mark. Mas se o chinês em questão é um estudante de outro idioma que não o de Hemingway, ele tenta se adequar a ele. Assim, já vi estudantes de alemão chamados Gerard e Michael; estudantes de italiano chamados Paolo, Sandro e Giovanna; e até uma porção de estudantes de português, com quem jantei um dia desses, que se apresentaram como – prepare-se! – Benjamin, Verônica, Julieta, Camilo, Rebeca e Figo. 

Mas, esquisitos ou não, ainda estamos falando de nomes próprios previamente existentes, certo? Porque a criatividade do pessoal pode ir muito além da nossa vã imaginação. Prenda a respiração e confira os nomes mais, digamos, pouco ortodoxos de pessoas que conheci ou de quem ouvi falar: 

Um aluno da minha amiga que se chama Eleven; 

Uma coreana que escolheu para si o nome Mojito; 

Um outro que se apresentou: "Olá, meu nome é Piña Colada"; 

Mais um chinês que estuda alemão, mas em vez de Hans ou Fritz escolheu "Unique"; 

A garçonete de um Starbucks cujo nome no crachá dizia: "Silence", e seu colega de trabalho chamado "Fireman"; 

Uma garota que conheceu uma Jasmim e disse, empolgada: "Seu nome é Jasmim, como em Chá de Jasmim? Meu nome é Cheese, como em Cream Cheese!"; 

Mas o Prêmio Baby Consuelo de gosto mais exótico para nomes vai para uma chinesa que um amigo meu apresentou outro dia. Ele chegou com ela e disse assim: 

- Pessoal, esta é Flamingo. 

Foi impossível segurar o riso.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

13/11/2009

Comer comer

 

A comida da cantina aqui no campus é geralmente bem barata (pratos mais caros custam cerca de 3 reais), mas tem seus poréns. Algumas vezes você pede frango e vem umas partes esquisitas de origem indecifrável. Noutras você quer boi com ovos mexidos, e vem um pratão de ovos com uns cinco pedaços tímidos de carne lá no meio. Mas o principal problema é como pedir. Alguns balcões só têm cardápio em caracteres chineses, e sem saber diferenciar os ideogramas de peito de frango e intestino de pato você pode ter umas surpresas desagradáveis. Os menus supostamente em inglês são geralmente em "chinglish", traduzidos de uma forma tão literal que fica até difícil de entender: "the beef covers the rice", "the rice covers the vegetable"... Para os recém-chegados, as saídas mais fáceis são apontar (para uma fotografia ou para o prato de alguém), fazer mímica (cheguei a imitar um porco numa lanchonete certa vez) ou simplesmente escolher aleatoriamente e rezar pra vir algo que preste. 

Fomos num restaurante de comida típica de Sichuan, uma província no sudoeste da China. A cozinha sichuânica (neologismo atravessando o texto) é famosa por ser extremamente apimentada. O lugar onde jantamos tinha até uma placa de algum guia gastronômico dizendo: "Spiciest Restaurant in Beijing". E dá-lhe carnes e vegetais de todos os tipos carregados na pimenta, e cerveja gelada pra aplacar o ardor. Alguns na mesa estavam bebendo baijiu, mas eu só dei uns goles e larguei pra lá. Baijiu é uma bebida chinesa feita de grãos e extremamente alcóolica (pode chegar a 60%). E o gosto é terrível, a não ser que você tenha prazer em beber sabão. Ao final da refeição, alguém pediu intestino de pato e fomos experimentar. Foi um pedaço pra nunca mais: o troço tinha gosto de banheiro. 

Hot pot também é bem comum por aqui. O princípio é simples. Você reúne a patota em volta duma mesa com um buraco dentro, cheio de água e com fogo embaixo. Taca carne crua lá dentro, umas verduras, uns camarões, assiste tudo cozinhar e depois tentar pescar o resultado com os palitinhos. Como numa seqüência de fondues, o barato é o processo completo de reunir os amigos e cozinhar sua própria comida. Por isso, quando fomos em outro lugar, fizemos o pedido e já trouxeram tudo pronto, foi aquela decepção. Hot pot que se preze tem que deixar o cliente trabalhar. 

Aí você pergunta: cadê os gafanhotos? Pois é, finalmente fui à rua Wangfujing, célebre reduto dos espetinhos de insetos, mas ao que parece os grilos e gafanhotos tinham saído pra passear. Em compensação, as barraquinhas estavam repletas de bichos da seda, estrelas-do-mar, cavalos-marinhos e muitos escorpiões. Muitos deles ainda vivos e mexendo as perninhas, mesmo empalados daquele jeito. Acho que quando você escolhe o de sua preferência, eles sapecam na gordura antes. Quando eu experimentar eu conto como é, se sobreviver. 

 

E tem o Pato de Pequim, prato que leva o nome da cidade e que consiste em um pato laqueado e fatiado que você coloca em panquequinhas, adiciona molho e degusta como se fosse um mandarim. O restaurante onde fui, perto da Wangfujing, é um dos mais antigos de Beijing a ter o pato como atração principal. Dizem que cada pato vem com um cartãozinho indicando o seu número e que já estão na casa do bilhão, mas ou esqueceram de entregar o nosso ou era só lenda urbana. De qualquer forma, o pato laqueado merece a fama que tem e, se você tiver colhões, pode experimentar outras partes menos convencionais do bicho. Isso inclui a língua, o fígado, o estômago, o famigerado intestino, a pele dos dedos e até um prato especial de pato com escorpiões. Duvida? 

 

Nas redondezas dos restaurantes e da rua dos espetinhos, perambulavam os gatos mais gordos que já vi. A gente sabe que para animais bem alimentados desse jeito não é recomendável ficar dando sopa por aí, ainda mais na China. Talvez o Gato de Pequim seja ainda mais consumido do que o Pato, só que ninguém percebe. Vai saber...


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

01/11/2009

E agora, a previsão do tempo

Ao contrário do Brasil, onde só temos duas estações diferentes - calor o ano inteiro e chuva no verão -, na China o clima segue à risca o que aprendemos nas aulas de Estudos Sociais. Quando cheguei aqui, há pouco menos de dois meses, andar sem uma garrafinha d'água ou ficar em casa sem ar-condicionado era pedir pra desidratar. Em meados de outubro, o outono começou a dar as caras e o vento, impiedoso, derrubava bicicletas e arrastava criancinhas. Na última sexta-feira, minha professora começou a aula com uma expressão amedrontadora e pediu que nos preparássemos, porque neste fim-de-semana a temperatura chegaria a -2°C. Já tenho que andar com cachecol, gorro, luvas e duas meias na hora de sair na rua, e até já desmontaram o Beer Garden, o lugar onde todos os dias reuníamos o pessoal e que agora é só uma memória. Mas como o aquecedor central aqui do prédio só vai ser ligado daqui a duas semanas, achei que por agora teríamos que conviver apenas com um pré-inverno aceitável. A minha professora, no entanto, estava certa e é só comparar as três fotos abaixa, todas tiradas da minha janela, pra ver a evolução das estações em Beijing. A primeira é de 16 de setembro, a segunda de 25 de outubro e a terceira foi feita esta manhã, quando abri a cortina e me deparei com esse tempo maluco. Daqui a uns dias já dá pra voltar à infância que só conheço dos filmes e fazer guerras de bolas de neve.

 

 

 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

28/10/2009

Finalmente, a Muralha

 

Nos tempos de escola, excursões eram coisa corriqueira. Umas boas vezes por ano deixávamos a sala de aula para viagens rápidas a Ouro Preto ou Gruta da Lapinha ou mesmo Sabará. Durante o ensino médio elas escassearam, mas em compensação quando havia uma – como Diamantina e Itamarandiba - era sempre um evento memorável. Na faculdade, claro, acabou a mamata: nada de viagens ou passeios organizados pela reitoria. Eu nem imaginava que em pleno dois mil e nove, formado há três anos, eu voltaria ao mundo das excursões escolares viajando com colegas de todos os cantos do mundo para conhecer a Grande Muralha da China. 

Zarpamos às oito da manhã saindo do estacionamento principal da BLCU num ônibus moderno – tinha até microondas (?!) – mas pouco generoso no espaço entre os assentos. No início o clima era de farra e eu até ensinei um israelense da minha sala a cantar "jererê, jererê, ú éle ésse dê", mas depois todo mundo hibernou e acordei com o corpo doído de dormir sentado. Às nove e quarenta e tantas, descemos em Mutianyu. 

 

Como você pode deduzir, a muralha é incomensuravelmente grande e há diversos pontos onde você pode visitá-la. O setor mais famoso – e mais próximo de Beijing – é Badaling, abarrotado de turistas como se esperaria de uma das sete maravilhas do mundo moderno. Mutianyu é um pouco mais distante daqui e é supostamente menos turística, mas não espere encontrar meia dúzia de farofeiros fazendo piquenique, porque menos turístico na China ainda é gente pra burro. 

Disse Mao: "aquele que nunca escalou a Grande Muralha não é um homem de verdade". Escalar é força de expressão, porque tudo que você tem que fazer é subir algumas dezenas (tá bom, várias dezenas) de degraus para chegar na muralha propriamente dita. E uma vez lá dentro, é só escolher esquerda ou direita e caminhar até onde seus pés agüentarem, sem aclives ou declives de maiores proporções. No dia em que estivemos lá, tinha até um bebê alemão aprendendo a dar seus primeiros passos no famoso monumento. 

 

A Grande Muralha leva esse nome não por sua altura ou largura, mas por seu comprimento. Essa história de que é a única construção humana que dá pra ver do espaço é uma Grande Balela, porque ela é estreita, apenas alguns passos entre um lado e outro. Em compensação, se estende por milhares de quilômetros e existe até um ponto onde ela encontra o mar. Ouvi falar de um casal britânico que andou a muralha toda, mochilando e acampando. Levaram 167 dias. 

 

O trecho que visitamos é repleto de torres de vigília. Em algumas dá pra subir no topo e tem até vendedores na porta vendendo água, cerveja e Snickers (!!). Da paisagem não preciso me alongar muito: é previsivelmente belíssima, com montanhas por todo lado, e especialmente interessante agora no outono, quando as folhas das árvores mudam de cor. Aí no alto de uma montanha tinha uma inscrição enorme em ideogramas chineses, e fui perguntar à minha professora qual era o significado. Ela respondeu empolgada: "Chairman Mao!". Não dá pra escapar desse cara. 

 

Para descer, tínhamos três opções: voltar a pé pelos mesmos degraus, pegar o teleférico até a base ou descer ladeira abaixo numa espécie de tobogã. Preferimos a opção mais divertida e até nossa l osh entrou na dança. Você sobe num protótipo de carrinho com apenas dois controles – brecar e acelerar – e volta à infância enquanto os guardinhas ao longo da descida gritam desesperadamente pra galera diminuir a velocidade. 

 

O estacionamento de Mutianyu, aonde voltamos depois do tobogã, é na verdade o pedaço mais "turistão", com trocentas lojinhas vendendo bugigangas, leques, chapéus, camisetas escrito "I have climbed the Great Wall", pingentes com seu nome em chinês e todas as tralhas que se espera de um lugar como esse. Esfomeados têm à disposição panquecas, espetinhos e até uma unidade do Subway. Quanto a mim, comprei um chapéu de camponês estilo Rayden do Mortal Kombat, uma aquisição que não me será de muita serventia, mas que eu vinha desejando há algum tempo. Pelo menos, vale pra tirar fotos bizarras. 

 

21/10/2009

Mãe, acabei!

 

O povão quer saber: os banheiros chineses são mesmo a pocilga asquerosa de que a gente ouve falar? 

A resposta mais honesta é: não dá pra generalizar. Da mesma forma que há diversas comidas chinesas deliciosas e outras que literalmente fedem (não tô brincando, a gente tem que tampar o nariz quando passa perto), existem banheiros de todo tipo por aqui. Estou particularmente feliz com o do meu quarto, que tem privada ocidental do jeito que aprendi a usar desde criança. Mas definitivamente não é o mais comum de se encontrar em terras chinesas. 

Em qualquer bar ou restaurante, boate ou atração turística, você entra e encontra a louça lá no chão, a meio corpo de distância dos países baixos. Para os homens é só uma questão de acertar a mira, mas as garotas costumam passar um certo perrengue nos primeiros dias, até se acostumarem. Um conselho valioso é sempre ter um lenço ou um papel higiênico em mãos, pra não correr o risco de ter que usar as meias. De qualquer forma, atender ao chamado da natureza agachado e não sentado é indubitavelmente mais higiênico. Como diz o pára-choque do caminhão, KH 100 H chá é 

A limpeza varia bastante. Tem sempre aqueles toaletes com cheirinho de lavanda, constantemente limpos e geralmente situados nos restaurantes mais caros. Mas a maioria dos banheiros dos lugares que freqüento carecem de mais atenção. O do Beer Garden onde a gente costuma se reunir aqui no campus, por exemplo, recebeu o apelido carinhoso de "disgusting toilet". E as meninas dizem que o delas é ainda pior. 

Mas o Prêmio Druida da Pocilga de maior bizarrice sanitária vai para o dábliu cê do restaurante muçulmano onde fomos jantar um dia desses. Quando perguntei a um amigo onde era o banheiro do qual ele acabara de voltar, ele começou a rir e me apontou a direção. Cheguei lá meio cabreiro, sem saber o que esperar. Da porta, viam-se alguns vultos e umas luzinhas no meio de um breu total. Quando pisei lá dentro, a luz se acendeu e me deparei com a insólita cena: os vultos pertenciam a três chineses que – na falta de um termo melhor – obravam agachados em três dos quatro buracos que havia ali. As luzinhas flutuando no ar eram de seus celulares: todos os três faziam suas necessidades enquanto se divertiam com os joguinhos de seus telefones. O quarto buraco estava desocupado – e quando digo buraco, é buraco mesmo, sem louça; o "material" descia em queda livre e estacionava num lamaçal uns dois metros abaixo – e foi só o tempo de me posicionar para tirar a água dos joelhos e a luz se apagou de novo. O banheiro não tinha privada, mas tinha sensor de movimento. Isso é que é vontade de economizar. 

A ausência de fotos neste post deve-se principalmente ao bom senso, mas se você estiver curioso (eu sei que está), é só dar uma olhada no vídeo que postei aqui outro dia. A partir de 5:34 tem um registro do agradável banheiro do Bla-Bla-Bar.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

07/10/2009

Feriadão em Tianjin

Ainda estamos no meio do feriadão dos 60 anos do comunismo na China, que começou em 1º de outubro e só termina nesta sexta. O solão e o céu azul, bem apropriados para a parada militar que lotou a Praça da Paz Celestial no dia primeiro, não foram mera coincidência: o governo chinês realmente lançou alguns mísseis com produtos químicos que mandaram as nuvens pra fora da capital (mais detalhes, fuce o Google. Dá pra ver que química não é o meu forte).

Para nós estudantes estrangeiros, que não somos membros do Partido Comunista – até onde eu sei – o tempo se mostrou igualmente apropriado para passeios e viagens. Teve gente que foi pra Xi'an ver os guerreiros de terracota, outros zarparam para Qingdao e estão lá até agora porque todas as passagens de volta estão esgotadas, e eu aceitei o convite de um casal de chineses amigos do meu pai e fui passar o último domingo em Tianjin, a 120 quilômetros daqui.

Demorei uma hora e meia pra cruzar Beijing até a Estação Ferroviária Sul, e apenas meia hora pra percorrer o trajeto de Beijing a Tianjin. Por dois motivos. Primeiro, porque fui de metrô para a Estação Sul, e a única linha que chega até lá é a recém-inaugurada linha 4 (recém mesmo, abriu semana passada). O metrô custou a sair da estação Xizhimen, depois a luz acabou por alguns segundos, o trem começou a andar em velocidade reduzida, e eu lá, apertado no meio da multidão sem entender lhufas. Em compensação, o trem para Tianjin é o trem intermunicipal mais rápido do mundo e fez os 120 quilômetros a 350 por hora. Uma belezura.

 

Achei que Tianjin fosse ser uma cidade pequena, mas 11 milhões de habitantes é um bocado até para os padrões chineses. Enorme, bem estruturada e com muita curiosa pra se ver nas ruas. Logo quando saímos da estação, damos de cara com o volumoso rio Hai e as suntuosas construções à sua margem que, pelo tamanho e pela vista, não devem custar pouco. 

 

Transporte tem de todos os tipos, de ônibus e táxis até esses divertidos veículos de três rodas, muito comuns na China. O cara dirige aquilo que nem louco, desviando de bicicletas e pedestres como se fosse videogame. E é melhor botar as pernas pra dentro, porque o troço não tem porta e o tempo todo o motorista quase tira lasca dos carros que estão estacionados, e do que mais aparecer na frente. 

 

Essa foto eu só tirei porque nunca vi um cachorro de pedra tão feio como esse. 

 

Tianjin é cheia de avisos engraçados para os motoristas. Esse aí eu achei que significava "Não coma com palitinhos enquanto estiver dirigindo", mas parece que não são palitos, mas um X recomendando ao motorista não jogar lixo fora do carro. Prefiro a minha versão. 

 

Comida bizarra exposta dentro de uma padaria, com a placa: "O maior mahua do mundo". Um metro e meio de comprimento, 25 quilos. Diz a placa que foi feito em 1999. Se o mahua em tamanho comestível, uma estranha pretzel meio seca e salgada, não é lá essas coisas, imagina esse aí que já tem dez anos nas costas. 

 

Playmates chinesas dançando na porta de uma loja, em uma rua famosa pelos vários shoppings. Não tem nada a ver com a Playboy, elas só estavam fazendo propaganda para essa loja, que tem algo a ver com casamentos. Embora sejam bem mais apropriadas para despedidas de solteiro. 

 

A China também tem preguiça: uma prosaica passarela para atravessar a rua precisa de escada rolante! 

 

Entrada da famosa Rua da Cultura Antiga, onde tem lojas chinesas de tudo o que você puder imaginar: instrumentos musicais, pinturas, esculturas, bengalas, leques, kits de chá, chaveirinhos com insetos dentro. 

 

Os dois primeiros caracteres, "Bāxī", significam "Brasil". Fiquei pensando no que seria aquilo: churrasco brasileiro? depilação brasileira? Não: as palavras seguintes, "mǎnǎo", significam "ágata", um tipo de mineral que eu nem sei se é comum na nossa terra. Mas gringos adoram uma pedrinha brasileira, sejam elas vendidas em Ouro Preto ou numa rua antiga da China. 

 

Azulejos pintados dentro de um templo ao melhor estilo onde-está-Wally. 

 

Você já entrou num porta-aviões? Nos arredores de Tianjin dá pra visitar o Kiev, porta-aviões soviético construído nos anos 70 e transformado em museu na costa de Tianjin há cinco anos. Há algumas semanas, meus amigos aqui do campus foram em uma rave nesse mesmo navio, que custou os olhos, o nariz e a boca da cara, e ainda levaram cinco horas de ônibus pra ir e mais cinco pra voltar. Foi bom matar a vontade de visitar o barco, dispondo de menos tempo, menos dinheiro e menos música eletrônica. 

 

Sol rachando, bandeiras tremulando (não consegui encontrar a brasileira) e o marzão visto de cima do Kiev. 

 

Esse helicóptero poderia muito bem fazer uma ponta num filme da Pixar. 

 

Terminamos o dia jantando num ótimo restaurante de frutos do mar. Como em muitos restaurantes chineses, tem um aquário cheio de bichos vivos nadando graciosamente, sem consciência do cruel destino que os espera em questão de minutos. Dá pra escolher peixes, camarões, lagostas e até tartarugas, dizer algumas palavras de adeus e degustá-los no prato pouco tempo depois. 

 

Alguns frutos do mar são como pipoquinhas Aritana: os mais feios são os mais saborosos. Mas tem coisas que não animo de provar, como essa gosma disforme aí em cima, entre conchas e camarões. 

 

Ou então esses estômagos de peixe. Você se atreveria?


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

29/09/2009

De volta ao pré-primário

 

Quando tomei a decisão de vir para a China, procurei em Beagá algum lugar para aprender um básico de mandarim e não passar tanto aperto na hora de estudar de verdade. Mas ou as escolas eram caras demais ou já estavam no meio do semestre. Foi através de um fórum em português sobre a língua chinesa na internet que encontrei o Chéng, taiwanês criado no Brasil que topou me dar aulas particulares na casa da minha avó (?!), que era perto da agência onde eu trabalhava. Por dois meses pude me familarizar com sons, números, caracteres, cumprimentos, nacionalidades, usando coincidentemente um livro-texto da própria BLCU, onde estudo agora. O livro era destinado a crianças, mas ser um chinês de 5 anos de idade e um rapaz latino-americano de quase 25 dá no mesmo quando a tarefa é ler ideogramas. 

Não fui exatamente o aluno mais aplicado do mundo nas minhas aulas de mandarim no Brasil, mas quando cheguei a Beijing e fiz o placement test da BLCU, acabei pegando a classe A6, o que significa que ainda sou analfabeto e incapaz de discutir com um motorista de táxi, mas já sei dizer "nǐhǎo" no tom certo. São trocentos níveis diferentes. Só no A, que é pra quem não fala lhufas, vai do A zero ao A15. Depois tem o B, pra quem já sabe uma gramática básica e consegue pedir comida com mais propriedade, e por aí vai até chegar no F, pra quem é fluente mesmo, como eu e você deveríamos ser em português. 

O tal do placement test era só uma folha com perguntas básicas em inglês: você já estudou mandarim antes? Sabe o que é "xièxiè" e "zàijiàn"? Reconhece os caracteres de "lǎoshī"? Teve um teste oral também, que durou 2 minutos. A professora até perguntou se gostaríamos de fazer a prova para o nível A+ (a partir da classe A10), mas dei uma olhada e só o placement test era todo em mandarim. Não, brigado, fico com o meu A6 que tá bão demais. 

O mais engraçado foi na hora do teste oral. As duas primeiras perguntas foram: qual o seu nome? E qual a sua temperatura corporal? E eu: sei lá, trinta e seis? Ela se deu por satisfeita e anotou o dado. Isso é que é estranho: eles parecem preocupados com a gripe suína e todo dia querem saber, na hora da chamada, qual é a nossa temperatura, mas ninguém lasca termômetros sob os sovacos dos alunos para averiguar a veracidade das informações. Aí a gente começa a inventar números quebrados: trinta e seis e meio, trinta e seis ponto três, trinta e seis ponto quatro. No fundo, acho que é só para praticarmos a pronúncia dos números. 

A pergunta que não queria calar: as aulas do nível básico são em chinês ou em inglês? Sem delongas: é tudo em chinês. Explicações, exemplos, perguntas, respostas dos alunos. Os livros, no entanto, têm certas traduções em inglês, e quando é realmente necessário a professora faz uso da língua de Hemingway. Afinal, dá muito mais trabalho explicar o que é "Chángchéng" com mímicas malucas do que simplesmente dizer "Great Wall". 

 

Um dia normal de aula é assim. Às 8h em ponto (chineses são sempre pontuais) entra a professora Liáng para lecionar gramática. É a aula em que a gente mais aprende. As lições começam sempre com um vocabulário que vem crescendo a cada dia – semana passada tínhamos 13 caracteres pra aprender por dia, agora já são 30. Ela escreve no quadro o p ny n (nome dado à transcrição dos ideogramas no alfabeto romano), faz a gente repetir quinhentas vezes, escreve os caracteres ao lado, apaga o pīnyīn, repetimos de novo, na ordem do livro, depois em outra ordem. É tanta repetição que a gente acaba guardando. 

Depois vêm os diálogos. Por exemplo: 

- Você está cansado? 
- Não, não estou. Estou com sede. 
- Você quer beber Coca-Cola? 
- Sim. 
- Aqui está. 

Pois é. Além de cumprimentos e verbos como falar e comer, as primeiras lições de qualquer livro de mandarim sempre incluem "Kěkǒu-Kělè" (Coca-Cola), "Mài Dānláo" (McDonald's) e "Kěndéjī" (KFC). Aprendemos a falar Coca-Cola em chinês antes de sabermos pedir um Pato de Pequim. Imagine uma coisa dessas na China de trinta anos atrás. 

Todos os dias temos quatro aulas de 50 minutos, com intervalos de 10 ou 20 entre elas. Então dá tempo de tomar um ar, bater papo com o pessoal do lado de fora do prédio, comprar uma água ou um croissant. Comer e beber é sempre muito barato. Embora no Run Run Shaw Building, onde estudo, a água seja o dobro do preço do mercado aqui perto do meu dormitório, ainda assim 550ml saem por R$ 0,53. 

Às terças e quintas, depois da aula de gramática, chega a professora Hé para as aulas de listening. São duas horas ouvindo e repetindo sons, distinguindo tons, adivinhando terminações que soam quase iguais (vai diferenciar um áng de um éng logo de manhã pra você ver). Outro dia fizemos um joguinho entre as três fileiras: a professora falava uma sílaba e tínhamos que procurar entre várias opções a consoante inicial, a terminação e o tom correto. Nossa fileira ficou em 2º lugar, apenas um ponto atrás do primeiro colocado. É como voltar ao pré-primário. 

Às segundas e sextas é a vez da professora Zhèng. Justo no dia mais preguiçoso e naquele em que estamos com um pé no fim-de-semana, temos a lǎoshī mais elétrica de todas. Se aqui não fosse a China, apostaríamos que ela toma uma dose de cocaína no café da manhã. Todo mundo com cara de sono e ela na velocidade cinco: 

- Nǐhǎo! Nǐ lèi ma? Nǐ máng bu máng? Nǐ bàba, māma dōu hǎo ma? 

A aula dela é de speaking, então ela pergunta bastante, e ainda manda a gente ir na frente da sala interpretar diálogos. Agora eles andam fazendo mais sentido, mas no início, com nosso vocabulário ainda precário, beiravam o non-sense: 

- Olá! 
- Olá! 
- Obrigado! 
- De nada! 
- Desculpe! 
- Não há de quê! 
- Tchau! 
- Tchau! 

Somos 18 pessoas na classe. Dois americanos, um francês, um australiano, um indiano, uma menina do Cazaquistão, vários das Filipinas, Malásia, Indonésia. Tem um que é meio israelense e meio americano. Outro é meio americano, meio dinamarquês, só que nasceu em Amsterdam. E tem eu, nascido e criado no Brasil, filho e neto de brasileiros, a quem as professoras chamam de Lùkasī ou algo assim. É, já sei pedir cerveja mas ainda não aprendi a escrever meu próprio nome. Um dia chego lá.

22/09/2009

Pyongyang é logo ali

 

Estava eu no Beijing Aquarium, fazendo um lanche antes de assistir ao show dos golfinhos, quando olhei um casal e fiquei pensando: esses aí têm muita cara de brasileiro. A gente acha que brasileiro não tem cara, mas é só viajar pra perceber que dá pra achar tranqüilo um tupiniquim no meio da multidão. Fui até lá e perguntei em português mesmo, sem medo de errar: com licença, vocês são de onde? 

Eram do Rio. Mas encontrar carioca nesse mundão é relativamente fácil. Curioso mesmo foi descobrir onde eles estão morando agora: Pyongyang, a capital da famigerada Coréia do Norte. "Coréia do Norte? Sério?" E aí uma conversa que seria apenas o tradicional "onde você já foi? tá aqui há quanto tempo?" tornou-se um rico papo sobre como é viver sob o governo do tão falado, temido e zoado Kim Jong II. 

O cara é secretário da Embaixada Brasileira em Pyongyang. Ainda é só um protótipo e não tem todas as funcionalidades de uma embaixada de verdade. Trabalham lá só ele e o embaixador, e moram todos em prédios dentro de uma mesma área, destinada somente a estrangeiros. Além dos brasileiros, também têm embaixadas na Coréia do Norte os russos, os ingleses, os alemães, os chineses, os cambojanos e grande elenco. Já os estadunidenses e sul-coreanos, obviamente, não passam nem perto. 

E como é o dia-a-dia em Pyongyang? Na verdade, não parece muito diferente de morar em uma cidade pequena no Brasil. Por exemplo: eles têm acesso irrestrito à internet. O único porém é que a banda larga não chegou por lá ainda, então têm que se contentar com a internet discada e aquele velho e irritante barulhinho do modem. Em compensação, conseguem acessar YouTube, Facebook e blogs, coisa que aqui na China não permitem. Os norte-coreanos de raiz, porém, não conseguem acessar nada. Não é que alguns sites sejam bloqueados: eles simplesmente são proibidos de acessar a internet, mesmo que seja algo tão inocente quanto um joguinho online de gamão. 

O casal carioca me contou que eles conhecem vários norte-coreanos e que são todos gentis, boas pessoas. É aquela coisa: para os locais, a Coréia do Norte é o paraíso na Terra, o melhor lugar para se viver, e não sonham em questionar o governo nem o bloqueio à informação à qual são submetidos – mesmo porque nem devem saber que estão sendo privados de alguma coisa. As artes – música, dança, pintura – são todas ligadas à propaganda oficial do governo. 

Me lembrou muito a China dos anos 70 que o Henfil narra em seu "Henfil na China". Para fazer compras de verdade e conseguir roupas, eletrônicos, produtos de beleza, qualquer coisa, o casal brasileiro precisa vir a Beijing uma vez por mês. E, provavelmente, também para espairecer e poder andar por conta própria em uma cidade grande, sem chateações como a de ter obrigatoriamente um guia local ao seu lado até quando você vai ao banheiro. Ok, não é assim tão exagerado: eles podem ir a restaurantes sozinhos, por exemplo. Mas outras atividades corriqueiras, como ir ao banco ou mesmo tomar um táxi, têm que ser acompanhadas por um norte-coreano especialmente designado para a função. Uma vez, o carioca tentou pegar um táxi sozinho e o motorista se recusou a aceitar, temendo alguma represália legal. 

E não seria perigoso morar num país como a Coréia do Norte? Segundo eles, nenhum lugar poderia ser menos perigoso. Ninguém vai te assaltar em um país onde jornalistas estrangeiros podem ser condenados a 12 anos de trabalhos forçados. Mas e se, sei lá... estoura uma guerra? Quanto a isso também estão tranqüilos, o governo norte-coreano anda dialogando mais com o mundo ocidental ultimamente e acho que o Kim Jong II é louco, mas nem tanto a ponto de realmente comprar briga com tantas potências nucleares. 

Beijing tem vôos diretos para Pyongyang todos os dias e trens várias vezes por semana. De repente, visitar a Coréia do Norte não parece tão inusitado e ameaçador assim. E de qualquer forma, se algo der errado, sempre se pode contar com um ex-presidente, a exemplo de Bill Clinton e sua quase hollywoodiana missão de resgate às jornalistas norte-americanas. Será que o Fernando Henrique também toparia fazer algo parecido pra salvar minha pele?


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

21/09/2009

16/09/2009

É fácil andar de metrô em Beijing?

 

Fácil pra cacete. Passei muito mais aperto em Berlim do que em Beijing, só pra ficar em cidades que rimam (Betim, até onde sei, ainda é só carroça e ônibus). Claro que um mapa da cidade, pra você saber onde está e resolver aonde quer ir, é de grande valia. Na entrada das estações tem um monte de terminais para comprar a passagem. Dá pra clicar em "English" se o mandarim não for o seu forte. Aí é só escolher a estação de destino, inserir a grana e tem-se um ticket novo em folha para usufruir as facilidades do transporte público pequinês. 

Tanta modernidade tem um preço quase ridículo: 2 yuans, o equivalente a 53 centavos de real. São 8 linhas que cobrem boa parte da metrópole. Curiosamente elas não seguem uma lógica muito aritmética: linha 1, 2, 5, 8, 10, 13, Batong e Aeroporto. Mas pra quem tem toc e passa mal quando vê uma numeração faltando pedaço, as linhas 4, 6, 7, 9, 14 e 15 estão em construção (a 3, a 11 e a 12 permanecem um mistério). Agora, não sei se todas são de superfície, como a que eu peguei, ou tem também debaixo da terra. Ou será que eles deixaram o subsolo da cidade só para abrigos antiatômicos e correlatos? 

Da estação Wudaokou até a Xizhimen, passando pela Zhichunlu e a Dazhongsi, rodei uns dez quilômetros em pé, mas sem a superlotação que eu tinha imaginado. (Talvez por ser um domingão, claro. Quando enfrentar a hora do rush chinesa eu conto como foi, se eu sair ileso). Bem mais trabalhoso foi descer do trem e tentar achar o zoológico munido apenas de mapa e do meu precário senso de direção. Sorte que chinês é o que não falta: me aproveitei da boa vontade de vários, fazendo cara de perdido, apontando no mapa onde queria ir e finalizando com um "xièxie" de gratidão. 

Pior foi ontem, que saí sozinho de uma boate chamada "Propaganda", à uma da manhã, sem fazer idéia de como voltar pra casa. Sem o meu mapa e a boa vontade chinesa, eu estaria na rua até agora – porque a única estrangeira a quem pedi informação disse um "I don't know" apressado e saiu pela tangente, talvez com medo da minha cara de árabe. O negócio é perguntar pra chinesada mesmo, ainda que seu vocabulário seja como o meu, só oi, tchau e obrigado. Mapa e cara-de-pau: não ande na China sem eles.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Propaganda é isso aí

 

E ontem, que eu tava tomando uma cerveja (Beijing Beer, 500ml por R$1,34) com um pessoal da Alemanha, e uma chinesinha nos abordou para participarmos de um comercial? Ela disse que precisavam de estrangeiros para um anúncio de roupas e que nos encaixávamos bem no que eles queriam. Levaram a gente para um espaço aberto atrás do bar e um chinês tirou algumas fotos: de frente, de costas, de perfil. A única palavra em inglês que ele falava era "smile". Fiquei me sentindo o Bill Murray em "Encontros e Desencontros", fazendo propaganda de uísque ("For relaxing times, make it a Suntory time") com um diretor que não falava lhufas de inglês. Depois, o chinês pegou a filmadora e gravou um vídeo no qual eu dizia meu nome, minha idade e de onde eu vinha. A palavra "Brazil" não despertou reação, mas aí emendei o seu correspondente em mandarim – Bāxī – e ele ficou satisfeito: "Ah, Bāxī!". Ainda falta o diretor do comercial analisar as fotos e aprovar, mas se der certo eu já tenho trabalho para o dia 4 de outubro, ganhando um cachê de 500 yuans e a glória de aparecer na televisão chinesa. Pelo visto, os padrões estéticos chineses não são lá muito altos. 

(Na foto: vista da janela do meu quarto. Os guarda-sóis azuis são do bar onde eu estava.)


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

12/09/2009

Anotações sortidas aeroportuárias

 

Guarulhos, 9 de setembro de 2009, 4:47 pm. 

Se for amarrar alguma coisa na sua mala pra ficar mais fácil de achá-la no desembarque, não escolha fitas vermelhas. Nada menos do que quatro malas pretas com fitas vermelhas apareceram na esteira antes que a minha despontasse no horizonte. 

A livraria Laselva tem o nome mais apropriado possível. Lá vale a lei da natureza: quem tem mais pressa e malas maiores atropela quem só está de bobeira, tentando folhear uma revista. 

Passagem trocada por milhas não dá direito a mais milhas. Parece óbvio, mas não custava perguntar, né? Pois é, perguntei e não dá mesmo não. 

O tempo para percorrer a pé da Asa A à Asa D do aeroporto de Guarulhos é de 6 minutos. (Sim, eu fiquei a tarde toda sem ter muito o que fazer.) 

Frankfurt, 10 de setembro de 2009, 3:38 pm. 

Estou sentado no balcão de uma lanchonete chamada Collection. Não pretendia comer nem nada, mas o garçom (Herr Schlotthauen, segundo o crachá) me viu folheando o cardápio, perguntou o que eu queria e acabei pedindo um refrigerante, pra não ficar escrevendo no balcão deles de mãos abanando. De acordo com o cardápio do Collection, todos os anos 50 milhões de pessoas passam por esse aeroporto. 50 milhões de passageiros com sede, porque não vi nenhum bebedouro por aqui. Ou talvez a água da pia seja potável e eu é que não arrisquei experimentar.

Acabo de ver o Bóris Feldman entrando na Relay, livraria-revistaria aparentemente onipresente em Frankfurt (só na área do aeroporto onde estou tem umas três). Deve ter algum evento automobilístico acontecendo na cidade: até onde eu sei, ele não viria até aqui para ver só o Jaguar antigo em exposição no aeroporto, o Opel Insignia aberto para curiosos e o carro pregado no teto de cabeça pra baixo (esses germânicos são loucos).

Ao lado da Relay tem o Quicker's, onde mais cedo degustei um saboroso pão com chocolate. Daqui dá pra ver lá dentro o coração em espiral da Kibon, só que aqui se chama Langnese. É a única marca que conheço que tem um nome diferente a cada país (Streets na Austrália, Ole na Holanda, etc). No meio do saguão, 8 telões de LCD informam aos transeuntes os vôos que vêm a seguir: Estocolmo, Cracóvia, Copenhagen, Düsseldorf, Istambul, Hong Kong. A Lufthansa opera a imensa maioria deles, e conta até com uma lojinha própria aqui dentro, vendendo malas, camisas, aviõezinhos.

A fauna humana varia: muitos alemães, muitos asiáticos, um ou outro árabe barbudo de turbante, uma africana de roupa longa colorida. Mas o prêmio de melhor figurino vai para um gordinho que usava camisa vermelha e macacão azul. Olhei pra ele e comecei a rir sozinho, sem ter pra quem verbalizar a piada pronta: estou diante de ninguém menos que o Super Mario em pessoa! 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Primeiro dia na China


É engraçado você chegar quase aos 25 anos e de repente voltar a ser analfabeto. Me senti feito um recém-nascido, que vê um monte de coisas, ouve um monte de coisas, mas não entende lhufas e não sabe se eles tão discutindo o preço de uma compra, contando um caso ou rindo da sua cara.

Este primeiro texto será um amontoado de notas sem muito rigor, escritas enquanto estou em frente ao Ramble Cafe, dentro do campus da BLCU, esperando abrirem para o café da manhã. Depois, espero, virão textos mais coesos, sobre assuntos específicos, com um mínimo de embasamento.

Vôo da Lufthansa tranqüilo, apesar das nove horas de pescoço doído de dormir sentado. Vim ao lado de duas alemãs que estão indo ao interior da China visitar um hospital para ursos (!!).

O aeroporto de Beijing é enorme, mas estava bem mais vazio do que eu imaginava. Todos os agentes da imigração usavam máscara (e no avião distribuíram questionário perguntando se estávamos tossindo, o nariz escorrendo...), e não tive trabalho algum pra passar na alfândega. O cara não me fez nem perguntas: pegou o passaporte, carimbou e tchau.

Tive a sorte de ser recebido pela Penny, uma conhecida do meu pai que fala russo e inglês fluente. Com a ajuda dela, do sr. Sheng Gen (que é professor de inglês e alemão na BLCU) e do motorista, Lao Wang (que ainda não aprendeu a pronunciar "thank you"), consegui me registrar no dormitório do campus, fazer um cartão de débito, comprar um laptop e um celular com número chinês.

É bem difícil achar chineses falando inglês compreensível, inclusive dentro do campus de uma universidade cheia de estrangeiros. O vendedor do laptop tentava me falar: "tao lao", "tao lao", até que ele escreveu num papel e pude entender: era "download". Ele também tentou pronunciar "Brasil", mas só saía "Plazil".

No caminho do aeroporto pra universidade, vi o Ninho de Pássaro e o Cubo d'Água. As estradas são largas e pegamos um engarrafamento já esperado. Se em Beagá que é roça grande o trânsito pára todo dia, o que dizer de uma metrópole com 16 milhões de habitantes?

A mulher do dormitório preenchendo minha ficha: primeiro escreveu "LUCAS" no campo "Sobrenome". Depois, no campo "Primeiro nome", olhou o passaporte e não teve dúvidas: colocou "BRASILEIRO".

Meu quarto é bem ajeitado: cama, armário, escrivaninha, bule para chá, frigobar, televisão com trocentos canais – inclusive em inglês, espanhol e coreano. A privada é ocidental, grazadeus. Sanitário no chão não é de todo ruim, e certamente é mais higiênico – até a descarga você aciona com o pé – mas todo dia não dá.

Tem um mercadinho atrás do meu prédio, onde comprei papel higiênico e água. Ainda vou explorá-lo de forma mais aprofundada. Vou ver se encontro um rodo, porque meu chuveiro não tem box nem cortina, e fica tudo alagado.

Meu primeiro almoço não foi chinês, mas vietnamita. Muita carne (boi, frango, porco, camarão, por enquanto nada de insetos), arroz com frutos do mar e abacaxi picado, tudo em grande quantidade.

O shopping onde comprei o laptop é só de eletrônicos. Enorme, vários andares, zilhares de produtos, lojinhas, estandes. Os vendedores te abordam assim que você passa perto, e não é no estilo cortês de perguntar o que o senhor deseja: eles começam a gritar, todos ao mesmo tempo, para que você os acompanhe e confira suas ofertas imperdíveis. Aí você vai andando atrás, subindo escadas sinistras, entrando em elevadores lotados; chega numa salinha nos fundos do topo do prédio e pechincha até sair feliz.

Ainda não tenho internet no meu quarto, mas aqui no café tem rede wireless e dá pra mexer tranqüilo. MSN, Google, Hotmail, Gmail e Orkut entraram sem problemas. Quanto ao Facebook, YouTube e blogs em geral – inclusive este – não posso dizer o mesmo. Tô escrevendo e postando através de e-mail.

Não vi ninguém de tênis Mike ou agasalho Adadis, mas notei a blusa de uma garota com as letras da Diesel, só que escrito "DSELEI".

Lição final do dia: nunca mais comprar um picolé de feijão! Tinha de morango, chocolate, mas não: resolvi pegar o de feijões verdes e vermelhos. Não bastasse a crosta externa, quase impenetrável de tão gelada, o recheio era feijão de verdade. E não tinha nem um arrozinho pra fingir que era PF. 



Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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