É engraçado você chegar quase aos 25 anos e de repente voltar a ser analfabeto. Me senti feito um recém-nascido, que vê um monte de coisas, ouve um monte de coisas, mas não entende lhufas e não sabe se eles tão discutindo o preço de uma compra, contando um caso ou rindo da sua cara.
Este primeiro texto será um amontoado de notas sem muito rigor, escritas enquanto estou em frente ao Ramble Cafe, dentro do campus da BLCU, esperando abrirem para o café da manhã. Depois, espero, virão textos mais coesos, sobre assuntos específicos, com um mínimo de embasamento.
Vôo da Lufthansa tranqüilo, apesar das nove horas de pescoço doído de dormir sentado. Vim ao lado de duas alemãs que estão indo ao interior da China visitar um hospital para ursos (!!).
O aeroporto de Beijing é enorme, mas estava bem mais vazio do que eu imaginava. Todos os agentes da imigração usavam máscara (e no avião distribuíram questionário perguntando se estávamos tossindo, o nariz escorrendo...), e não tive trabalho algum pra passar na alfândega. O cara não me fez nem perguntas: pegou o passaporte, carimbou e tchau.
Tive a sorte de ser recebido pela Penny, uma conhecida do meu pai que fala russo e inglês fluente. Com a ajuda dela, do sr. Sheng Gen (que é professor de inglês e alemão na BLCU) e do motorista, Lao Wang (que ainda não aprendeu a pronunciar "thank you"), consegui me registrar no dormitório do campus, fazer um cartão de débito, comprar um laptop e um celular com número chinês.
É bem difícil achar chineses falando inglês compreensível, inclusive dentro do campus de uma universidade cheia de estrangeiros. O vendedor do laptop tentava me falar: "tao lao", "tao lao", até que ele escreveu num papel e pude entender: era "download". Ele também tentou pronunciar "Brasil", mas só saía "Plazil".
No caminho do aeroporto pra universidade, vi o Ninho de Pássaro e o Cubo d'Água. As estradas são largas e pegamos um engarrafamento já esperado. Se em Beagá que é roça grande o trânsito pára todo dia, o que dizer de uma metrópole com 16 milhões de habitantes?
A mulher do dormitório preenchendo minha ficha: primeiro escreveu "LUCAS" no campo "Sobrenome". Depois, no campo "Primeiro nome", olhou o passaporte e não teve dúvidas: colocou "BRASILEIRO".
Meu quarto é bem ajeitado: cama, armário, escrivaninha, bule para chá, frigobar, televisão com trocentos canais – inclusive em inglês, espanhol e coreano. A privada é ocidental, grazadeus. Sanitário no chão não é de todo ruim, e certamente é mais higiênico – até a descarga você aciona com o pé – mas todo dia não dá.
Tem um mercadinho atrás do meu prédio, onde comprei papel higiênico e água. Ainda vou explorá-lo de forma mais aprofundada. Vou ver se encontro um rodo, porque meu chuveiro não tem box nem cortina, e fica tudo alagado.
Meu primeiro almoço não foi chinês, mas vietnamita. Muita carne (boi, frango, porco, camarão, por enquanto nada de insetos), arroz com frutos do mar e abacaxi picado, tudo em grande quantidade.
O shopping onde comprei o laptop é só de eletrônicos. Enorme, vários andares, zilhares de produtos, lojinhas, estandes. Os vendedores te abordam assim que você passa perto, e não é no estilo cortês de perguntar o que o senhor deseja: eles começam a gritar, todos ao mesmo tempo, para que você os acompanhe e confira suas ofertas imperdíveis. Aí você vai andando atrás, subindo escadas sinistras, entrando em elevadores lotados; chega numa salinha nos fundos do topo do prédio e pechincha até sair feliz.
Ainda não tenho internet no meu quarto, mas aqui no café tem rede wireless e dá pra mexer tranqüilo. MSN, Google, Hotmail, Gmail e Orkut entraram sem problemas. Quanto ao Facebook, YouTube e blogs em geral – inclusive este – não posso dizer o mesmo. Tô escrevendo e postando através de e-mail.
Não vi ninguém de tênis Mike ou agasalho Adadis, mas notei a blusa de uma garota com as letras da Diesel, só que escrito "DSELEI".
Lição final do dia: nunca mais comprar um picolé de feijão! Tinha de morango, chocolate, mas não: resolvi pegar o de feijões verdes e vermelhos. Não bastasse a crosta externa, quase impenetrável de tão gelada, o recheio era feijão de verdade. E não tinha nem um arrozinho pra fingir que era PF.
Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto