29/01/2010

Os animal tem uns bicho interessante

Era meu terceiro dia na China, um domingão ensolarado, eu acordei cedo ainda sob os efeitos do jet lag e pensei: “quer saber? eu vou é pro zoológico”. Aproveitei as facilidades do metrô pequinês e passei um dia criando bolha no pé de tanto caminhar. A última vez que visitara um zoológico tinha sido em Beagá, há uns bons sete anos, e na Pampulha não tem pandas nem pingüins. 

O zoológico de Beijing tem mais de um século nas costas e foi criado no finalzinho da dinastia Qing, em 1906. Suas 500 espécies de hoje em dia constrastam com a escassez de bichos dos primeiros anos: consta que em 1949, às vésperas da Revolução Comunista, o parque abrigava apenas doze macacos, um papagaio e um emu cego (!!). De lá pra cá, trouxeram zebras, elefantes, girafas, cangurus, ursos, bisões, tartarugas, ou seja, a faunarada que se espera de um lugar como esse. 

 

A espécie mais abundante, entretanto, é mesmo o filhote do Homo sapiens: crianças correm por todo lado, imitam patos, perseguem bolas de sabão, conversam com os bichos, comem, bebem e fazem suas necessidades... no chão. É um costume muito comum: em vez de fraldas descartáveis, os nenês passeiam por aí com um rasgão na calça estrategicamente localizado nos fundilhos. A natureza chamou, faz no chão mesmo, deixando o campo minado à mercê das pegadas alheias. O meio ambiente agradece, o seu sapato nem tanto. 

 
Vai lá, filhinho, ninguém tá te olhando. 

 
A pirralhada em frente a um mar de pandas. 

 
Ela não sorriria assim se soubesse que sua estampa está invertida. 

Quanto aos bichos, tem de tudo um pouco. Os ornitófilos podem admirar gansos, patos, flamingos, araras, avestruzes, pavões. Fãs de répteis têm jacarés, tartarugas, serpentes. Os mamíferos comparecem com guaxinins, camelos, lobos, hienas, alpacas, ursos, panteras. 

 

Mas é aquela coisa. Sabe os protagonistas do longa “Madagascar”, que viviam aquela vidinha pacata e tediosa confinados no zôo de Nova York sem um pingo da vitalidade que teriam na selva? É mais ou menos assim em qualquer jardim zoológico pelo mundo – lembre-se do célebre Idi Amin em BH – e não é na China que seria diferente. Em Beijing, enquanto patos podem exercer suas habilidades aquáticas em lagos grandes e cercados de vegetação, outras espécies têm que se contentar com jaulas pequenas e claustrofóbicas. Nesse sentido, a ala dos grandes felinos é a que chama mais a atenção. Os leões, as panteras e os tigres brancos passam dia após dia trancados atrás das grades num galpão com pouca luz. Tá certo, têm todos uma portinha que leva a um espaço aberto e com algumas plantas, mas raramente eles estão por lá. Falta energia até pra tomar banho de sol. 

 
"Odeio segunda-feira..." 

Plaquinhas de “não alimente os animais” estão por todo lado, mas o pedido é solenemente ignorado por grande parte dos visitantes. E dá-lhe criança dando alface na boca do alce, adulto tacando biscoito pro lobo, e daí pra pior – há relatos de quem viu gente servindo refrigerante para os ursos. Influência dos comerciais da Coca-Cola? 

(Um adendo interessante, ou não, dependendo do seu amor pelos bichinhos. Alguns amigos meus foram pra gélida cidade de Harbin, no norte da China, e visitaram um parque cheios de tigres siberianos soltos pela neve. Você entra num carro e vai andando por ele, estilão Jurassic Park. E pode comprar animais vivos para servi-los. Uma galinha ou um pato custam cerca de 200 yuans, ou 50 reais. Se estiver com um grupo grande, dá pra fazer uma vaquinha – literalmente –, pagar 400 reais e servir uma vaca inteira e viva aos tigrinhos.) 

O ingresso do zoológico de Beijing é barato: 15 yuans (R$ 4,00). Mas olha que legal: se você quiser ver os pandas, tem que pagar 5 yuans a mais. Quem é que vai num jardim zoológico na China e deixa de ver pandas? Se aumentassem o valor do ingresso e eliminassem essa bobagem de pagar separado, seria ao menos mais honesto. Mas vá lá: preguiçosos e engraçadinhos, os pandas cumprem o que a propaganda promete. 

 

 

 
“Me dá aquele panda gordo ali, pra essa menina parar de chorar” 

 
Sem pêlos nem carne, eles não parecem tão fofinhos. 

O aquário de Beijing fica dentro do zoológico mas a entrada também é à parte, e uma fortuna se comparada à do parque: 100 yuans (cerca de R$ 27). Dezenas de tanques com tartarugas, águas-vivas, tubarões, arraias e peixes de todas as cores do espectro. E se você estiver por lá no horário certo, pode assistir ao show dos mamíferos aquáticos. Tão lá a foca batendo palminha, o leão-marinho fazendo sua imitação de cameraman do Faustão (como era o nome dele mesmo?) e os golfinhos assumindo sua posição de grandes astros, com nados sincronizados de fazer inveja nas gêmeas do Pan e piruetas de deixar o Diego Hypólito chorando. 

 

Na saída do aquário tinha um mural de recados, e a moça do balcão me ofereceu post-it e caneta pra eu deixar o meu. Meus caracteres ainda eram precários – só sabia escrever 你好 em traços tortos – então escrevi na nossa língua pátria mesmo. Aproveitando o ambiente marinho, parafraseei Rogério Skylab na sua brilhante resposta ao Jô quando perguntando a respeito das baleias e registrei minha igual ignorância acerca do assunto. 

27/01/2010

Comé que chama?

A língua chinesa é antiga pra burro e, assim sendo, possui milhares e milhares de caracteres representando água, montanha, estrela, piolho e todas essas coisas que estão por aí desde que o mundo é mundo. Mas quando se trata de vocábulos mais recentes – digamos, de duzentos anos pra cá –, existem dois caminhos mais comuns. O primeiro é fonético, combinando sons razoavelmente parecidos, como no caso de kāfēi (café) ou mǎkǎliánnà (macarena). Também é o que geralmente acontece com nomes próprios, dos Beatles (Liènóng, Mǎikǎtèní...) aos presidentes do Brasil (Sàernèi, Fèiěrnánduō Ēnlǐkè, Lúlā).

A outra forma é literal, juntando ideogramas que descrevem imageticamente a palavra em questão. Assim, coloca-se lado a lado os caracteres 电 (diàn), que representa eletricidade, e 脑 (nǎo), que significa “cérebro”, e tem-se电脑 (diànnǎo), que é “computador”: literalmente, um cérebro elétrico. Na mesma linha, xampu é uma “água de lavar cabelo”, semáforo é uma “luz verde e vermelha” e guilhotina, uma singela “plataforma de cortar cabeça”. Não dava pra ser mais preciso.

Por outro lado, enquanto “prato voador” descreve bem um frisbee e “cobre-peito” é uma definição certeira de sutiã, a palavra para papel higiênico – shǒuzhǐ ou “papel de mão” – acaba parecendo eufemismo, porque não é exatamente na mão que ele costuma ser usado. E há algo de sacana na expressão informal pela qual o membro sexual masculino é conhecido: xiǎo dìdi, ou “pequeno irmão mais novo”. Definitivamente não contribui para melhorar a fama dos orientais.

 

Folheando o dicionário durante uma aula chata de listening uns dias atrás, e fuçando o excelente dicionário online Ncikuenquanto queimava neurônios com o dever de casa, garimpei algumas descobertas curiosas. Como a palavra 海王星, formada por 海 (hǎi, “mar”), 王 (wáng, “rei”), 星 (xīng, “estrela”). Estrela do Rei dos Mares? É como os chineses chamam o planeta Netuno. Somando o mesmo 海 de mar com 盗 (dào, “ladrão”) temos um pirata. Um cometa, com sua cauda que varre o universo, é chamado de huìxīng ou “estrela-vassoura”. E o canguru, com aquela cara que não engana ninguém, recebeu o simpático nome de dàishǔ, ou “rato com bolsa”. 

Já os dinossauros, na falta de uma comparação mais apropriada, acabaram sucumbindo à predileção chinesa por dragões e viraram todos恐龙 (kǒnglóng), dragões do medo. Aí dá-lhe dragões por todo o Jurassic Park: o tiranossauro-rex é “dragão brutal”, o velociraptor é um “dragão veloz e violento” e o brontossauro, um inexplicável “dragão do trovão”. 

 
“Fujam, crianças! Aí vem o dragão do medo!” 

Nem os super-heróis escapam à fúria neologista chinesa. Muitos fazem uso do caractere 侠 (xiá), que significa “cavaleiro”. Bruce Wayne é o “Cavaleiro Morcego”, Peter Parker é o “Cavaleiro Aranha” e Tony Stark, o “Cavaleiro de Ferro”. Particularmente, prefiro as recriações que fizeram com os X-Men (“Agentes Secretos Mutantes”), Wolverine (“Lobo de Metal e Aço”) e o Incrível Hulk (Lǜjùrén, “Pessoa Verde Imensa”). 

 
O Wolveline do extlemo oliente 

Abrindo caminho para o próximo post, que tratará do zoológico de Beijing, separei dez exemplos de nomes de animais em mandarim pra vocês adivinharem. Claro que coloquei só as traduções literais, sem caracteres nem nada, senão o tio Google resolveria num segundo. Quem acertar primeiro todos os dez ganha a indescritível glória de vencer o primeiro quiz do Boca de Gafanhoto. 

1. Cachorro de crina 
2. Rato de pinheiro 
3. Águia com cabelo de gato 
4. Doninha fedida 
5. Inseto blindado 
6. Inseto cabeludo 
7. Cervo de pescoço longo 
8. Bicho com boca de pato 
9. Cavalo de rio 
10.Gato-urso 

RESULTADO 

1. 鬣狗 [liègǒu] ou “cachorro de crina” é a hiena. Ela também pode ser chamada de tǔláng, ou “lobo da terra”. Adriano acertou primeiro. 
2. 松鼠 [sōngshǔ] ou “rato de pinheiro” é o esquilo. Márcia acertou primeiro. 
3. 猫头鹰 [māotóuyīng] ou “águia com cabelo de gato” é a coruja. Ariane acertou primeiro. 
4. 臭鼬 [chòuyòu] ou “doninha fedida” é o gambá. Thiago Dylan acertou primeiro. 
5. 甲虫 [jiǎchóng] ou “inseto blindado” é o besouro. Márcia acertou primeiro. 
6. 毛虫 [máochóng] ou “inseto cabeludo” é a lagarta. Thiago Dylan acertou primeiro. 
7. 长颈鹿 [chángjǐnglù] ou “cervo de pescoço longo” é a girafa. Márcia acertou primeiro. 
8. 鸭嘴兽 [yāzuǐshòu] ou “bicho com boca de pato” é o ornitorrinco. Márcia acertou primeiro. 
9. 河马 [hémǎ] ou “cavalo de rio” é o hipopótamo. Aliás, o próprio nome “hipopótamo” vem do grego: “hippos” é cavalo e “potamos” é rio. André acertou primeiro. 
10. 熊猫 [xióngmāo] ou “gato-urso” é o panda. André acertou primeiro.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

25/01/2010

Vende-se tudo

A escada que descia por debaixo da avenida levava a crer que apenas cruzaríamos a rua por uma passarela, mas o que se via era uma galeria subterrânea de lojas e mais lojas. Tínhamos ouvido falar de um lugar ali embaixo que vendia DVDs de todos os tipos, só que ao chegar na loja em questão encontramos todas as prateleiras completamente vazias. Apenas uma tinha produtos à mostra – porta-CDs de plástico – mas o balcão contava com duas vendedoras prontas para atender, e a não ser que fossem os porta-CDs mais inflacionados do mercado, algo estava errado. Quando perguntamos onde estavam os tais DVDs, uma delas puxou a prateleira dos porta-CDs e revelou uma portinha secreta que dava acesso a uma sala contígua – essa sim com milhares de filmes, séries e desenhos animados à inteira disposição dos clientes.


Cadê o DVD que tava aqui? 

Já seria de se esperar encontrar todos os lançamentos recentes, de Avatar a Sherlock Holmes – se qualquer camelô da Savassi vende, imagine na China, onde o governo só permite 20 lançamentos estrangeiros por ano. Boxes com a última temporada de Lost ou 24 Horas também não é exatamente uma surpresa. Mas todos os episódios de todas as séries de Jornada nas Estrelas? Todos os episódios das vinte temporadas dos Simpsons? Boxes completos com todos os Friends, Seinfeld, Família Soprano, Family Guy e até McGuyver? Toda a filmografia de Chaplin, Fellini, Antonioni, Kubrick, Buñuel?! Todos os longa-metragens animados da Disney, de Branca de Neve a A Princesa e o Sapo?!! A lista é impressionante e cada DVD sai por uma média de 8 yuans (R$2,00), passíveis de desconto dependendo da quantidade que você levar. 

Lojas como essa são comuns em Beijing. Aliás, nem sei por que motivo eles escondiam tudo em uma salinha secreta, porque na maioria das vezes os DVDs piratas surgem atrás de vitrines à luz do dia, com letreiros luminosos piscando “DVD Shop” pra todo mundo ler. Livros, roupas e eletrônicos falsos são vendidos nas calçadas de toda a cidade. E mercados enormes, com todo tipo de produtos que você puder imaginar, estão sempre a poucas estações de metrô de distância. 

Desses, o exemplo mais famoso é o Mercado da Seda. Ocupando um prédio de vários andares em Guomao, centro financeiro de Beijing, o Mercado da Seda – ou 秀水街 (Xiùshuǐjiē), em chinês, ou Silk Market, como é mundialmente conhecido – é o paraíso de quem quer comprar umas lembrancinhas pra levar pra casa, seja um despertador com a cara de Mao Tsé-tung, seja uma caneta Mont Blanc igualzinha à original, mas por um décimo do preço. 

 
Vendedora fazendo um colar de pérolas: vinte e cinco nós por minuto 

Roupas? Tem camisas, calças, cachecóis, meias de lã, cintos, sapatos, casacos, camisas de futebol, cuecas com estampa do Bob Esponja. Se quiser um terno, eles tiram suas medidas e você pega no dia seguinte. Óculos? Você faz o teste na hora e eles juntam a armação de sua preferência com a lente mais adequada à sua vista. Tapetes? Chá? Brinquedos? São milhares de opções. Souvenirs chineses? A relação é interminável e inclui chapéus de camponeses, pandas de pelúcia, jogo de xadrez com imperador e imperatriz no lugar de rei e rainha, o livro de citações de Mao em inglês, espanhol, alemão, russo, máscaras da Òpera de Pequim, estatuetas de todos os animais do horóscopo chinês, tigres de tudo quanto é jeito (o Ano do Tigre começa em três semanas), o irritante gatinho dourado que fica dando tchau com a pata, Budas gordos e felizes, leques, bules de chá, bonés comunistas... bom, deu pra entender. 

 
Peter Parker largou o Clarim Diário e agora faz bico na Ópera de Pequim. 

Pechinchar é obrigatório, e muitas vezes chega a ser exaustivo. O primeiro preço é invariavelmente ridículo, eles jogam o valor lá em cima e nenhum comprador em sã consciência se atreveria a pagar. Então você ri e se recusa, e eles pedem pra você falar o valor máximo que está disposto a gastar. Você obviamente fala outro preço ridículo, só que no outro extremo, lá embaixo. E por aí vai, até você chegar num valor que julga razoável. Mas a gente sempre sai com aquela sensação de que poderia ter pedido menos, porque afinal de contas a venda foi feita e eles não são bobos a ponto de deixar o lucro de lado.

Em que língua a gente compra na China? Saber um pouco de chinês ajuda bastante, mas na maioria dos lugares dá pra misturar mímica com inglês e se sair bem. E em centros de compras lotados de turistas, como o Mercado da Seda, a grande maioria dos vendedores fala um inglês decente, especialmente focado em seu campo de atuação (“Hello sir, do you want to buy underware?”, etc). Muitas vezes eles vão além, e não é difícil se deparar com chineses te chamando em francês, russo, espanhol. Eu estava vendo umas bugigangas quando uma menina me perguntou, em inglês, de que país eu vinha. Respondi, em chinês: “Baxi”. E ela emendou, em um português claro e compreensível: “Oi, tudo bem?”. 

 

Mas não é a regra. Uma outra hora fui arranhar um mandarim com uma vendedora/artista que pintava minúsculas paisagens e microscópicos animaizinhos em grãos de arroz, e ela quis saber de onde eu era. 

- Adivinha – falei. 
- Inglaterra? 
- Não. 
- França? 
- Não. 
- Estados Unidos? – ela parecia chutar a esmo todos os países que conhecia. 
- Não. – resolvi ajudar e disse – Sou da América do Sul. 
- América do Sul... – ela não conseguia pensar em nada. Eu fui bonzinho até demais: 
- O maior país da América do Sul. 

Ela pensou mais um pouco e soltou: 

- Espanha! 

Da próxima vez que andar por lá, vou ver se compro um presentinho pra ela na barraquinha de mapas-múndi.

20/01/2010

Karaokê, uma instituição asiática

Lembra da febre do videokê no Brasil? Lá pelo fim dos anos 90, qualquer birosca tinha uma maquininha com dois microfones e uma seleção de canções que misturava Djavan, Mamonas Assassinas, Tetê Espíndola e Só Pra Contrariar. Pois na China – e na Coréia, e no Japão... – o ato de se esgoelar em público em reinterpretações baratas de sucessos musicais não é uma febre, é uma instituição.

A palavra “karaokê” é japonesa, como é fácil deduzir, e literalmente significa “orquestra vazia”. Na China, o nome oficial é “kǎlā ōukèi” ou 卡拉OK (isso mesmo, com um OK ocidental disputando espaço com os ideogramas), mas é muito mais fácil esbarrar por aí com a sigla pelo qual é mais famoso: KTV. Shoppings, prédios comerciais, becos escuros, hutongs – quando você menos espera, olha pro lado e tá lá um KTV chamando pro abraço. Uma busca rápida no Google Maps por “KTV Beijing” indica quatro mil, quatrocentos e oitenta e seis resultados.

 
Quer impressionar sua namoradinha chinesa? Tente uma canção de amor local que ela vai gamar. 

No início não era nada que me fizesse dizer “que puxa! hoje não vou nem tomar café, vou direto pro karaokê!”. Tanto que demorei uns três meses de China pra encarar um KTV de perto. Sei lá, a imagem que eu tinha era de pessoas em roupa de banho cantando “Papo de Jacaré” num fim de tarde em Iriri, então você me entende. Após um jantar de aniversário, no entanto, aproveitamos a presença de um KTV no mesmo prédio do restaurante e alugamos uma salinha por duas ou três horas. Resultado: nas cinco semanas seguintes, voltei ao karaokê outras sete vezes, incluindo o primeiro reveillón que passei sem assistir à queima de fogos. 

Uma noite típica num KTV é assim: 

Começa com a decisão de aonde ir. Você já jantou, brindou umas cervejas e agora precisa urgentemente de um lugar pra continuar a noitada. O primeiro que vem à cabeça é Sanlitun, com seus infinitos pubs e boates, mas que fica longe, é caro e invariavelmente toca música ruim. Não demora até alguém sugerir karaokê, que é sempre mais perto e mais barato. Nosso preferido é um KTV coreano em Wudaokou, que além de um catálogo bem variado tem soju, o destilado coreano feito de arroz que desce que é uma beleza. 

Você entra no lugar e aluga uma salinha. Porque geralmente é assim, não é um bar enorme com um palco onde você tem que subir e encarar uma multidão de rostos desconhecidos sedentos por um deslize vocal, mas um complexo com dezenas de salinhas pra você juntar só os mais chegados e passar vergonha em ambiente privado. São tantas que, dependendo do seu senso de direção e/ou grau etílico, corre o risco de você ir ao banheiro e na volta errar de sala, topando com um bando de coreanos cantando animadamente os últimos sucessos das paradas de Seul (já aconteceu comigo...). 

Em seguida, enquanto o garçom traz as cervejas e as garrafas de soju que você pediu na entrada, é hora de folhear o catálogo e escolher quais as canções você está afim de estragar. Alguns lugares disponibilizam um computadorzinho, mas particularmente prefiro os átomos aos bits, é mais prático passar o olho numa lista de papel do que descer a barra de rolagem trocentas vezes até achar o que quer. 

O cardápio é amplo e passeia por clássicos do brega internacional como “Total Eclipse of the Heart” e “Everything I Do (I Do It For You)”, hits de todas as décadas – de Sinatra a Spears – e todas aquelas músicas que você sempre achou que sabia a letra, até descobrir que não passava nem perto. Brasileiras? Vi umas do Angra dando sopa. Mas se os idiomas orientais forem seu forte, você encontra um mundaréu de canções em chinês, coreano e japonês à sua disposição. Com sorte dá até pra achar o tema do Daileon: “Ôôô cara tossiu...”

O equipamento básico não varia muito: uma televisão, duas se a salinha for uma salona, dois microfones com reverb ligado no máximo áximo áximo e, às vezes, um pandeiro meia-lua pra você sacudir fora do ritmo. E a bebida, que é essencial. Sem ela o pessoal fica inibido e a coisa demora a engrenar. No ano-novo, por exemplo, duas amigas nossas chegaram com a cara amarrada porque queriam era balançar o esqueleto em alguma boate cara de Chaoyang. Poucas doses de soju depois, era preciso tirá-las à força de frente da tevê. 

E quando a garganta ameaça pifar, o melhor é se acomodar no sofá, rir um bocado dos amigos e, principalmente, dos vídeos estranhos que acompanham as canções. Porque, na maioria das vezes, não têm um pingo de relação com o que diz a letra. “Another Brick in the Wall” pode vir com a imagem de um casal de patos se exibindo em um lago europeu, “Fear of the Dark” com uma cândida garota pensando na vida enquanto toma um sorvete ou “Girls Just Wanna Have Fun” com cenas de guerra de um filme japonês. Mais raro, mas ainda mais divertido, é se resolvem investir em sósias dos artistas e reencenar, com requintes de excentricidade, seus videoclipes que marcaram época. Aí é impossível soltar a voz sem deixar escapar uma gargalhada. Acho que o propósito da coisa toda é justamente esse, no final das contas. 

 

18/01/2010

Lost in the supermarket

Visitar um supermercado deveria ser parte essencial de qualquer pacote turístico. Parques, museus e monumentos tombados pela Unesco são sempre interessantes, mas fuçar as prateleiras e ver o que comem, bebem, vestem e usam os nativos é muito mais jogo se sua intenção é se embrenhar nos hábitos cotidianos da população local. 

Nos supermercados chineses, claro, curiosidade é o que não falta. Neste post (o primeiro de uma série constante), compartilho alguns achados da Friendship Store aqui do campus e do Chaoshifa ali da esquina. 

 

Biscoitinhos salgados para os momentos de lazer estão disponíveis nos mais diversos sabores, de pizza e ervas finas até esses aí, de salada de camarão e ma la tang. Ma o quê? Ma la tang é um prato típico chinês, quente e bem apimentado, que leva carne, couve, alface, espinafre, cogumelo, algas, tofu e o que tiver à mão. Algo assim como um mexidão oriental. 

 

Batatas Lay's e Pringles são fáceis de achar, mas enquanto a Lay's trabalha com seus temperos tradicionais dos US&A, a Pringles se arrisca em praias orientais com batatas fritas sabor caranguejo, frutos do mar e essa verde aí do meio, de algas marinhas.

 

Vai aí um delicioso polvo no espeto? 

 

 Ou prefere um pé de galinha no capricho? 

 

Os dois parecem meio abatidos, mas pelo menos o da esquerda tem cara de quem tava feliz... 

 

Vai entender o que se passa na cabeça desse povo. Olha esse livro infantil dando sopa no meio de coelhinhos e carrinhos: 小小枪迷 ("Xiǎo Xiǎo Qiāngmí", ou "O Pequeno Fã de Armas"). Não sabe o que presentear seu filho no próximo dia das crianças? Dê um livro colorido e cultural como esse e ainda ensine o pirralho a dizer: "Go ahead, make my day!".

15/01/2010

Faz frio na China

 

Você já deve ter visto nos jornais. O bicho tá pegando na Europa, nos Estados Unidos e também na Ásia, onde é o pior inverno em 40 anos. De tanto eu reclamar do calorento inverno belo-horizontino – ano passado, só precisei usar cobertor pra dormir durante 2 noites –, São Pedro está me dando o troco aqui em terras pequinesas. 


São 9 da noite enquanto escrevo essas linhas e lá fora faz -12°C, razão pela qual optei por pedir comida em vez de me embrenhar pelos ventos gélidos das ruas em busca de alimento. Dentro do quarto é mais tranqüilo, tem aquecedor e tudo mais, e apesar do frio tem sol o dia todo entrando pela janela. Mas quando a gente pisa na calçada... aí tem que usar três camisas, cachecol, gorro, luvas, protetor de orelha, dois pares de meias de lã, long johns (me recuso a dizer “ceroula”) e casacão. A chinesada também costuma usar máscara e já vi gente até de balaclava – ficando com cara, respectivamente, de doente e seqüestrador. 

E isso em Beijing, que fica no norte do país mas nem é tão setentrional quanto Harbin, por exemplo. Harbin, capital da província de Heilongjian, é famosa nessa época do ano por seu Festival de Gelo e Neve, repleto de esculturas enormes feito de água congelada que recriam, em tamanho gigante, de pessoas e dragões construções como a Cidade Proibida e o Empire State. 

A média de temperatura? Menos 30. Um amigo meu esteve por lá semana passada e disse que, mesmo usando seis pares de meia (!), ele não conseguia sentir os pés. Desse jeito, o frio de Ouro Preto durante o Festival de Inverno fica parecendo alta temporada em Acapulco. 


Atenção para o guidom: motociclista esperto já deixa as luvas acopladas. 

Mas tirando uns floquinhos aqui e ali, só nevou de verdade em Beijing em três ocasiões. A primeira foi bem cedo, no finzinho de outubro, como eu já contei aqui . Relendo o post agora eu acho engraçado, lembrando de quando a temperatura chegou a -2°C e todo mundo ficou assustado. Hoje em dia, quando faz dois graus negativos, dá vontade de passar o dia no parque. 

Quanto à neve: você já ouviu por aí que o governo chinês tem uma secretaria dedicada à manipulação climática? Parece subtrama de história dos X-Men, mas é verdade, pode conferir . Tanto a neve da noite de 31 de outubro quanto a seguinte, nove dias depois, foram estimuladas por 186 doses de iodeto de prata lançadas nas nuvens. Resultado: mais de 16 toneladas de neve (!!) caíram sobre Beijing. (Para os curiosos ou incrédulos sobre o processo de adulteração do clima, leia mais aqui ou consulte o seu professor de química favorito.) 


Campeão do gelo é quem jogar bola nesse campo aí. 

Neve demais atrasa vôos e atrapalha o trânsito, mas pra mim, que sou brasileiro e não esquio nunca, acho sempre um barato quando os primeiros flocos começam a cair. Guerras de bola de neve tornam-se corriqueiras e a gente não se importa em chegar em casa coberto de branco. Se depois essa brancura dá lugar à sujeira de gelo derretido misturado com barro que emporcalha a entrada dos restaurantes e te obriga a lavar os sapatos toda vez que se entra em casa, paciência. Quem tá na neve... 


"Vai me enterrar na neve?" 

13/01/2010

E vamos botar água no feijão

 

Embora as cidades brasileiras estejam abarrotadas de restaurantes chineses, é de se esperar que a recíproca não seja verdadeira. E não é mesmo. Pizza, hambúrguer, sushi e burritos são fáceis de encontrar pelas ruas de Beijing, mas não dá pra dizer o mesmo de um bom tutu com torresmo e uma goiabada cascão de sobremesa. 

De qualquer forma, estamos falando de uma cidade de 17 milhões de habitantes e é claro que nesse bolo todo alguém já teve a idéia de abrir um restaurante de comida brazuca por essas bandas. E eu já tinha ouvido falar de alguns. O Latin Grillhouse, que tem dono brasileiro e carne importada da terrinha. O Alameda, que ganha prêmio todo ano. E outros que são uma mistureba de cozinha brasileira com argentina, mas parecem agradar (e se a gente não se importa em botar toda a cozinha oriental no mesmo saco, comendo sashimi com molho agridoce, porque eles não fariam parecido com a sul-americana?). 

Foi com certo receio que me aventurei pelo Latin Grillhouse há um tempo atrás, por ocasião de um aniversário duplo. Depois de dois meses em território estrangeiro, será que o feijão estaria à altura das minhas expectativas? 

Até que tava. Foi bom matar a saudade de arroz com feijão, pão de queijo e picanha, ouvindo uma seleção de sambas tocados ao vivo por um grupo carioca (e a cantora que agradecia em três línguas: “brigadu! thank you! xièxie!”). A ambientação era muito engraçada: paredes verde-e-amarelo-berrantes, garçonetes com bandeirinhas do Brasil coladas no uniforme, telão passando o clipe de “Segura o Tchan” e garçons chineses usando chapéu, camisa de manga comprida e lenço no pescoço, numa cômica representação gaúcho-oriental das vestimentas brasileiras. 

 
Nihao, tchê! 

Vale dizer que se você está imaginando a variada culinária tupiniquim em todos os seus pratos típicos, do acarajé à moqueca capixaba, da geléia de mocotó ao bombom de cupuaçu, e uma profusão de temperos digna do Mercado Central, está enganado. Tirando a carne, o feijão e um ou outro pedaço com gosto de casa, o resto era macarrão estilo chinês, batata estilo tailandesa e etcétera e tal. 

Ontem de manhã, semanas após a experiência, resolvi arriscar outro lugar, aqui perto, que servia comida brasileira. Mas esse foi uma decepção total. Acho que a idéia deles de brasileiro é servir a carne no espeto, na mesa do cliente, independente do que vem. Assim, não faltou coraçãozinho de galinha nem língua de boi, e ainda tinha lula, peito de pato, milho, banana e pêra assada (?!). Os complementos – arroz, macarrão, batata frita – eram tão brasileiros quanto um delivery do China in Box. 

Alguém aí quer me mandar um pastel de angu pelo correio? 

 
Igualzinho à comida da vovó!

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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