25/01/2010

Vende-se tudo

A escada que descia por debaixo da avenida levava a crer que apenas cruzaríamos a rua por uma passarela, mas o que se via era uma galeria subterrânea de lojas e mais lojas. Tínhamos ouvido falar de um lugar ali embaixo que vendia DVDs de todos os tipos, só que ao chegar na loja em questão encontramos todas as prateleiras completamente vazias. Apenas uma tinha produtos à mostra – porta-CDs de plástico – mas o balcão contava com duas vendedoras prontas para atender, e a não ser que fossem os porta-CDs mais inflacionados do mercado, algo estava errado. Quando perguntamos onde estavam os tais DVDs, uma delas puxou a prateleira dos porta-CDs e revelou uma portinha secreta que dava acesso a uma sala contígua – essa sim com milhares de filmes, séries e desenhos animados à inteira disposição dos clientes.


Cadê o DVD que tava aqui? 

Já seria de se esperar encontrar todos os lançamentos recentes, de Avatar a Sherlock Holmes – se qualquer camelô da Savassi vende, imagine na China, onde o governo só permite 20 lançamentos estrangeiros por ano. Boxes com a última temporada de Lost ou 24 Horas também não é exatamente uma surpresa. Mas todos os episódios de todas as séries de Jornada nas Estrelas? Todos os episódios das vinte temporadas dos Simpsons? Boxes completos com todos os Friends, Seinfeld, Família Soprano, Family Guy e até McGuyver? Toda a filmografia de Chaplin, Fellini, Antonioni, Kubrick, Buñuel?! Todos os longa-metragens animados da Disney, de Branca de Neve a A Princesa e o Sapo?!! A lista é impressionante e cada DVD sai por uma média de 8 yuans (R$2,00), passíveis de desconto dependendo da quantidade que você levar. 

Lojas como essa são comuns em Beijing. Aliás, nem sei por que motivo eles escondiam tudo em uma salinha secreta, porque na maioria das vezes os DVDs piratas surgem atrás de vitrines à luz do dia, com letreiros luminosos piscando “DVD Shop” pra todo mundo ler. Livros, roupas e eletrônicos falsos são vendidos nas calçadas de toda a cidade. E mercados enormes, com todo tipo de produtos que você puder imaginar, estão sempre a poucas estações de metrô de distância. 

Desses, o exemplo mais famoso é o Mercado da Seda. Ocupando um prédio de vários andares em Guomao, centro financeiro de Beijing, o Mercado da Seda – ou 秀水街 (Xiùshuǐjiē), em chinês, ou Silk Market, como é mundialmente conhecido – é o paraíso de quem quer comprar umas lembrancinhas pra levar pra casa, seja um despertador com a cara de Mao Tsé-tung, seja uma caneta Mont Blanc igualzinha à original, mas por um décimo do preço. 

 
Vendedora fazendo um colar de pérolas: vinte e cinco nós por minuto 

Roupas? Tem camisas, calças, cachecóis, meias de lã, cintos, sapatos, casacos, camisas de futebol, cuecas com estampa do Bob Esponja. Se quiser um terno, eles tiram suas medidas e você pega no dia seguinte. Óculos? Você faz o teste na hora e eles juntam a armação de sua preferência com a lente mais adequada à sua vista. Tapetes? Chá? Brinquedos? São milhares de opções. Souvenirs chineses? A relação é interminável e inclui chapéus de camponeses, pandas de pelúcia, jogo de xadrez com imperador e imperatriz no lugar de rei e rainha, o livro de citações de Mao em inglês, espanhol, alemão, russo, máscaras da Òpera de Pequim, estatuetas de todos os animais do horóscopo chinês, tigres de tudo quanto é jeito (o Ano do Tigre começa em três semanas), o irritante gatinho dourado que fica dando tchau com a pata, Budas gordos e felizes, leques, bules de chá, bonés comunistas... bom, deu pra entender. 

 
Peter Parker largou o Clarim Diário e agora faz bico na Ópera de Pequim. 

Pechinchar é obrigatório, e muitas vezes chega a ser exaustivo. O primeiro preço é invariavelmente ridículo, eles jogam o valor lá em cima e nenhum comprador em sã consciência se atreveria a pagar. Então você ri e se recusa, e eles pedem pra você falar o valor máximo que está disposto a gastar. Você obviamente fala outro preço ridículo, só que no outro extremo, lá embaixo. E por aí vai, até você chegar num valor que julga razoável. Mas a gente sempre sai com aquela sensação de que poderia ter pedido menos, porque afinal de contas a venda foi feita e eles não são bobos a ponto de deixar o lucro de lado.

Em que língua a gente compra na China? Saber um pouco de chinês ajuda bastante, mas na maioria dos lugares dá pra misturar mímica com inglês e se sair bem. E em centros de compras lotados de turistas, como o Mercado da Seda, a grande maioria dos vendedores fala um inglês decente, especialmente focado em seu campo de atuação (“Hello sir, do you want to buy underware?”, etc). Muitas vezes eles vão além, e não é difícil se deparar com chineses te chamando em francês, russo, espanhol. Eu estava vendo umas bugigangas quando uma menina me perguntou, em inglês, de que país eu vinha. Respondi, em chinês: “Baxi”. E ela emendou, em um português claro e compreensível: “Oi, tudo bem?”. 

 

Mas não é a regra. Uma outra hora fui arranhar um mandarim com uma vendedora/artista que pintava minúsculas paisagens e microscópicos animaizinhos em grãos de arroz, e ela quis saber de onde eu era. 

- Adivinha – falei. 
- Inglaterra? 
- Não. 
- França? 
- Não. 
- Estados Unidos? – ela parecia chutar a esmo todos os países que conhecia. 
- Não. – resolvi ajudar e disse – Sou da América do Sul. 
- América do Sul... – ela não conseguia pensar em nada. Eu fui bonzinho até demais: 
- O maior país da América do Sul. 

Ela pensou mais um pouco e soltou: 

- Espanha! 

Da próxima vez que andar por lá, vou ver se compro um presentinho pra ela na barraquinha de mapas-múndi.

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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