11/01/2011

Boa noite, Hong Kong

Hong Kong é, ao mesmo tempo, uma parte da China e um país completamente diferente.

Para explicar essa maluquice, recorramos à História. A Ilha de Hong Kong foi chinesa até meados do século XIX, quando a fome insaciável da Inglaterra por colônias levou a patota da rainha a anexá-la ao Império Britânico. Isso foi em 1841, durante a Primeira Guerra do Ópio, deflagrada depois que os chineses se recusaram a importar o ópio que os ingleses lhes empurravam goela abaixo. Em 1860, a China perdeu a Segunda Guerra do Ópio e cedeu a península de Kowloon, ao norte da Ilha de Hong Kong. E como se não bastasse, ainda teve que entregar a ilha de Lantau e um pedação ao norte (chamado de Novos Territórios) em 1898.

 
Entendeu ou quer que desenhe? 

A ilha central, as adjacentes e a parte peninsular, todas reunidas sob o nome “Hong Kong” (“Porto Perfumado”, em chinês) viveram sob as regras da Inglaterra por mais de um século e meio. Embora seus habitantes fossem etnicamente chineses, falassem chinês e cozinhassem comida chinesa, Hong Kong se manteve incólume às mudanças radicais por quais a China continental passou durante o século XX – fim do império, revolução republicana, revolução comunista, revolução cultural, reabertura ao mundo –, sem arredar o pé do capitalismo. 

Até que um dia, Hong Kong dormiu britânica e amanheceu chinesa. 

A coisa não foi assim de supetão, evidentemente. O acordo foi assinado em 1984 pelos governos da China e do Reino Unido, e só passou a valer em julho de 1997. E uma parte importante desse acordo era que a China manteria o mesmo sistema político e econômico de Hong Kong por 50 anos. É o que chamam de “um país, dois sistemas”, slogan que explica a transformação da ex-colônia britânica em uma Região Administrativa Especial da China. O mesmo foi feito com Macau, colônia portuguesa até dezembro de 1999. 

Na prática, é o seguinte: ir somente a Hong Kong e falar que visitou a China é como ir ao pavilhão dos países no Epcot Center e falar que deu uma volta ao mundo. Hong Kong tem moeda, leis e regras de trânsito diferentes, e envia até uma delegação própria às Olimpíadas. Apesar de ser falado por mais e mais pessoas a cada dia, o mandarim não é nem uma língua oficial: quem toma conta mesmo é o cantonês, que se escreve com os mesmos ideogramas do mandarim, mas é tão parecido na pronúncia como o português e o catalão. 


Um típico fim de tarde em Tsing Sha Tsui, em Kowloon.

Passei cinco dias em Hong Kong pouco antes do Natal e achei um lugar bem interessante. A primeira impressão é de que todo mundo resolveu sair às ruas ao mesmo tempo. A cidade já foi o lugar mais densamente povoado do mundo, e hoje ocupa a quarta posição, atrás apenas de Macau, Mônaco e Cingapura (considerando países, territórios dependentes e regiões administrativas especiais). Nas escolas, nas ruas, campos, construções, sem contar o metrô, é um mundaréu de gente que rivaliza até com Beijing. O segundo senão que encontrei foram os preços, padrão europeu. Hong Kong come dinheiro e você precisa ficar esperto, principalmente se estiver vindo da China, onde é tudo mais barato. 

Fora isso, foi uma viagem bem aproveitada, num lugar que é uma mistura peculiar e bem equilibrada de oriente e ocidente, oferece opções de lazer a rodo e me permitiu ver o mar de novo após mais de um ano, que eu já estava com saudade. Para quem se interessa pela cultura chinesa mas, vai saber, tem medo de um “choque cultural” muito grande, Hong Kong é uma boa porta (porto?) de entrada para um marinheiro de primeira viagem à Ásia. A herança britânica se faz presente e o inglês é amplamente falado, tornando quase desnecessários os esforços para arranhar o cantonês. E se quiser manter as aventuras gastronômicas em território conhecido, não precisa caminhar mais que alguns passos. (Se quiser comida bizarra, por outro lado, tem de sopa de cobra pra coisa pior.) 


Se por entre os prédios tudo parece urbano demais, de longe a vista é supimpa. 

Nesta série que começo esta semana, apresentarei com calma os pontos altos desses cinco dias ronguecongueanos, das atrações turísticas à grana que perdi na corrida de cavalo, sem esquecer do minúsculo quarto onde fiquei hospedado, na famigerada Chungking Mansions. Não saiam daí. 

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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