22/09/2009

Pyongyang é logo ali

 

Estava eu no Beijing Aquarium, fazendo um lanche antes de assistir ao show dos golfinhos, quando olhei um casal e fiquei pensando: esses aí têm muita cara de brasileiro. A gente acha que brasileiro não tem cara, mas é só viajar pra perceber que dá pra achar tranqüilo um tupiniquim no meio da multidão. Fui até lá e perguntei em português mesmo, sem medo de errar: com licença, vocês são de onde? 

Eram do Rio. Mas encontrar carioca nesse mundão é relativamente fácil. Curioso mesmo foi descobrir onde eles estão morando agora: Pyongyang, a capital da famigerada Coréia do Norte. "Coréia do Norte? Sério?" E aí uma conversa que seria apenas o tradicional "onde você já foi? tá aqui há quanto tempo?" tornou-se um rico papo sobre como é viver sob o governo do tão falado, temido e zoado Kim Jong II. 

O cara é secretário da Embaixada Brasileira em Pyongyang. Ainda é só um protótipo e não tem todas as funcionalidades de uma embaixada de verdade. Trabalham lá só ele e o embaixador, e moram todos em prédios dentro de uma mesma área, destinada somente a estrangeiros. Além dos brasileiros, também têm embaixadas na Coréia do Norte os russos, os ingleses, os alemães, os chineses, os cambojanos e grande elenco. Já os estadunidenses e sul-coreanos, obviamente, não passam nem perto. 

E como é o dia-a-dia em Pyongyang? Na verdade, não parece muito diferente de morar em uma cidade pequena no Brasil. Por exemplo: eles têm acesso irrestrito à internet. O único porém é que a banda larga não chegou por lá ainda, então têm que se contentar com a internet discada e aquele velho e irritante barulhinho do modem. Em compensação, conseguem acessar YouTube, Facebook e blogs, coisa que aqui na China não permitem. Os norte-coreanos de raiz, porém, não conseguem acessar nada. Não é que alguns sites sejam bloqueados: eles simplesmente são proibidos de acessar a internet, mesmo que seja algo tão inocente quanto um joguinho online de gamão. 

O casal carioca me contou que eles conhecem vários norte-coreanos e que são todos gentis, boas pessoas. É aquela coisa: para os locais, a Coréia do Norte é o paraíso na Terra, o melhor lugar para se viver, e não sonham em questionar o governo nem o bloqueio à informação à qual são submetidos – mesmo porque nem devem saber que estão sendo privados de alguma coisa. As artes – música, dança, pintura – são todas ligadas à propaganda oficial do governo. 

Me lembrou muito a China dos anos 70 que o Henfil narra em seu "Henfil na China". Para fazer compras de verdade e conseguir roupas, eletrônicos, produtos de beleza, qualquer coisa, o casal brasileiro precisa vir a Beijing uma vez por mês. E, provavelmente, também para espairecer e poder andar por conta própria em uma cidade grande, sem chateações como a de ter obrigatoriamente um guia local ao seu lado até quando você vai ao banheiro. Ok, não é assim tão exagerado: eles podem ir a restaurantes sozinhos, por exemplo. Mas outras atividades corriqueiras, como ir ao banco ou mesmo tomar um táxi, têm que ser acompanhadas por um norte-coreano especialmente designado para a função. Uma vez, o carioca tentou pegar um táxi sozinho e o motorista se recusou a aceitar, temendo alguma represália legal. 

E não seria perigoso morar num país como a Coréia do Norte? Segundo eles, nenhum lugar poderia ser menos perigoso. Ninguém vai te assaltar em um país onde jornalistas estrangeiros podem ser condenados a 12 anos de trabalhos forçados. Mas e se, sei lá... estoura uma guerra? Quanto a isso também estão tranqüilos, o governo norte-coreano anda dialogando mais com o mundo ocidental ultimamente e acho que o Kim Jong II é louco, mas nem tanto a ponto de realmente comprar briga com tantas potências nucleares. 

Beijing tem vôos diretos para Pyongyang todos os dias e trens várias vezes por semana. De repente, visitar a Coréia do Norte não parece tão inusitado e ameaçador assim. E de qualquer forma, se algo der errado, sempre se pode contar com um ex-presidente, a exemplo de Bill Clinton e sua quase hollywoodiana missão de resgate às jornalistas norte-americanas. Será que o Fernando Henrique também toparia fazer algo parecido pra salvar minha pele?


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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