01/09/2009

Prólogo

 

Vou morar na China. 

É engraçado ver a reação das pessoas quando eu solto essa frase. Não variam muito. Geralmente é um "nossa, que legal", ou um "puxa, que coragem", não raro um incrédulo "ah, cê tá de brincadeira". Seja qual for a primeira frase, a segunda é sempre uma pergunta: por que China? 

A China surgiu na minha vida há pouco tempo. Nunca fui um grande entusiasta da cultura oriental. Nunca foi meu grande sonho morar na Ásia. Meu contato com a China se resumia ao arroz chop-suey, os filmes de luta que desdenhavam as leis da física e o Spinning Bird Kick da Chun-Li. A primeira vez que tive mais contato com chineses de raiz, quando fiquei hospedado no meio da Chinatown de Sydney , eu tinha era uma certa preguiça desse povo todo, sempre andando em bando e falando sua língua esquisita. 

Mas o bom da vida é poder mudar de opinião. E quando meu pai, que foi a Beijing recentemente e elogiou pacas, me propôs passar uns tempos no país, resolvi domar os preconceitos e tomar a decisão com mais embasamento do que um mero "ouvi falar". E não foi difícil topar com blogs e fóruns cheios de brasileiros que se aventuraram no país mais populoso do mundo e tiveram experiências um tanto positivas. Gente que foi pra ficar 6 meses e está lá há dois, três anos. Enquanto amigos meus foram morar em países mais "tradicionais", como Estados Unidos e Inglaterra, e não quiseram esticar a estadia nem a porrete. A pergunta, na verdade, deveria ser outra: por que não China? 

Ainda que mais globalizada e ocidentalizada nestas últimas décadas do que em toda sua história milenar, a China continua diferente de tudo o que a gente vê por essas bandas. Mesmo que vendam Big Mac e Fanta Uva, também comem cigarras e ovos enterrados na terra. Mesmo que o inglês seja arranhado aqui e ali, principalmente nos circuitos turísticos, é o mandarim que todos falam e escrevem, com seus sons, tons e caracteres complicados. A China soa muito mais interessante e desafiadora do que mudar para Miami e conviver com os mesmos brasileiros, comer a mesma comida, sofrer o mesmo dia-a-dia. Se as roubadas são inevitáveis em qualquer experiência do tipo, que sejam roubadas novas. 

A princípio, vou para estudar. Curso de um semestre na BLCU, sigla para Beijing Language and Culture University. Serão 4 horas de aula de mandarim todas as manhãs, sobrando tempo à tarde para procurar trabalho e desbravar a cidade. Minha casa será a própria BLCU, num quarto próprio com banheiro e todas as vantagens de um campus de verdade - restaurante, piscina, quadra de tênis e badminton, mesas de ping-pong - que não tive na minha faculdade daqui, mais parecida com um colegião. O curso termina no fim de janeiro. Depois disso, sabe-se lá. 

Inicialmente eu pretendia publicar minhas anotações sobre a temporada chinesa no Biselho, blog que mantenho desde 2004 e onde deposito contos, crônicas, vídeos, relatos de viagens. Mas achei que a China merecia um espaço à parte. Por isso criei o Boca de Gafanhoto. O nome veio de uma frase da minha avó, quando soube que eu ia pra lá: "Se você voltar da China e me der beijo com boca de gafanhoto, eu te mato!". 

Nem preciso dizer qual será o primeiro espetinho que vou experimentar.


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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