04/10/2005

Táuba de tiro ao álvaro



A reportagem de capa da Veja desta semana está exemplar. Como um modelo de mídia isenta, estampou em sua capa a manchete: "7 razões para votar NÃO". Os sete motivos para votar sim, imagino eu, talvez tenham ficado para a próxima edição.

Tá bom, tá bom. A Veja sempre foi tendenciosa e não seria diante de um referendo realizado no meio de um governo petista que ela ficaria na dela. Mas existem tantos argumentos para votar não quanto para votar sim, e o grupo do pró poderia rebater as razões do grupo do contra, e vice-versa, até na manhã seguinte ao juízo final. No final das contas, achei essa reportagem um tanto infeliz. Vejamos, por exemplo, alguns argumentos da revista para votarmos contra a proibição dos revolvinhos:

>> Os países que proibíram a venda de armas tiveram aumento da criminalidade e da crueldade dos bandidos.

Não necessariamente. Na Jamaica a situação piorou. Na Austrália melhorou. Na Inglaterra piorou. No Japão melhorou. Etcétera.

>> O desarmamento da população é historicamente um dos pilares do totalitarismo. Hitler, Stalin, Mussolini, Fidel Castro e Mao Tsé-Tung estão entre os que proibíram o povo de possuir armas.

É, pessoal, cuidado com o General Lula. Disse ainda um professor de história: "O desarmamento faz parte da filosofia comunista de que toda e qualquer liberdade individual deve ser abolida em benefício do Estado operário". E tirem as crianças da sala, porque os comunistas comem criancinhas.

>> A polícia brasileira é incapaz de garantir a segurança dos cidadãos.

Verdade verdadeira. Mas quem pode? Você, Batman?

>> O referendo desvia a atenção daquilo que deve realmente ser feito: a limpeza e o aparelhamento da polícia, da justiça e das penitenciárias.

Mais uma verdade. Só que, no caso, esse seria um motivo para não haver referendo. Não necessariamente para votar NÃO.

>> As armas, assim como as bebidas alcoólicas ou os automóveis, não causam estragos por conta própria. Só se tornam nocivas se forem mal utilizadas.

Esse é o meu preferido. Acompanhe comigo: os automóveis, quando bem utilizados, servem para o transporte. As bebidas alcoólicas, quando bem utilizadas, servem para relaxar ou embriagar as pessoas. As armas, quando bem utilizadas, servem para? Enfeitar?

>> O truque da pergunta: no dia 23 de outubro, os brasileiros serão chamados às urnas para responder "sim" ou "não" à seguinte questão: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?" Metade do sucesso de uma consulta popular vem da correção e seriedade com que a questão é formulada. A pergunta do referendo do dia 23 de outubro é um disparate. Ela reduz um problema social complexo a uma simplória questão comercial. A pergunta poderia ser formulada de modo mais honesto e realista da seguinte maneira: "O Estado brasileiro pode tirar das pessoas o direito de comprar uma arma de fogo?"

Sim, a pergunta reduz um problema complexo a uma questão simplória. Mas convenhamos: é mais "honesto" formular a pergunta começando uma frase com "O Estado brasileiro pode tirar das pessoas o direito..."? Quem votaria a favor do Estado tirar o direito de alguém? Talvez a pergunta mais correta a se fazer fosse algo do tipo: "O comércio de armas de fogo deve continuar sendo permitido no Brasil?". De qualquer maneira, é uma tricky question que sempre vai acabar puxando sardinha para um dos lados.

Bom, SIM ou NÃO, a coisa que mais me intriga é que o NÃO é o número 1 a ser teclado na urna e o SIM é o número 2, o que vai causar confusão em muitas cabeças brasileiras. Principalmente aquelas acostumadas com os computadores e suas eternas perguntas a serem respondidas com "Sim" ou "Não", nessa ordem. Se bem que, neste caso, bem que poderíamos ter a opção "Cancelar".

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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