Choose your destiny
- Escolhe um caminho, esquerda ou direita - disse Adriano. Era uma noite de sábado.
Noites de sábado não foram feitas pra ficar em casa. Ainda mais quando se tem opções. Eu tinha algumas. Churrasquinho com turma das antigas. Bebedeira no apê duns amigos no bairro. Show de rock progressivo. Sushi. Mesmo assim, saí de casa sem ainda um destino certo.
Quinze minutos depois, busquei a Isabella. Não a via havia um ano. Tinha passado meses morando em Nova York, bailando salsa, trabalhando em uns dez empregos e fazendo faxina na casa do Spielberg. (É sério.) Logo em seguida busquei o Adriano, de barriga cheia após um lanche na casa da avó, onde tinha saboreado cachorro quente e mousse de chocolate, sem me chamar.
- Onde vamos? - perguntei. Adriano sugeriu um bar na Avenida Brasil número 41, fundado em 1941, muito apropriadamente chamado de Brasil 41. Ouvira falar que lá estava repleto de gente animada escutando um samba de primeira. Quilômetros depois, passamos pela porta, pra constatar que samba não havia, muito menos animação, a julgar pelo semblante entediado dos casais sentados às mesas.
Segunda opção: Reciclo, o barzinho dos catadores de papéis. Ignoramos o fato de ninguém saber como chegar lá, e dá-lhe voltas. Pegamos a Via Expressa, erramos a bifurcação, fizemos o retorno, de repente nos vimos indo pra Pampulha, o que definitivamente não estava em nossos planos. Mais retorno, mais becos suspeitos que me lembraram o Druida da Pocilga. Desistimos do Recilco por ausência de senso de direção. Voltamos a uma paisagem conhecida e avistamos, finalmente, a Via Expressa.
- Escolhe um caminho, esquerda ou direita - disse Adriano. Ninguém se decidiu se íamos pra lá ou pra cá. - Esquerda ou direita, esquerda ou direita - insistiu ele, visto que a luz do sinal tinha mudado para verde. Dizem que a vida é feita de escolhas. Escolhi a direita.
Trinta segundos depois, ouvimos um barulho forte e meu carro foi jogado pra frente com violência. Era uma noite de sábado, e ameaçava chover.
- Tá todo mundo bem? - perguntei, confuso. Estavam. A dor no pescoço do Adriano e a pequena marca deixada em mim pelo cinto de segurança só foram notadas no dia seguinte.
Estávamos parados num cruzamento na Via Expressa, exatamente no meio da pista. O carro que havia batido em mim continuava uns cinco metros atrás, onde havia sido a colisão. Saímos do meu carro e fomos até lá. Dois jovens, vinte e poucos anos, indo pra Flor&cultura. Saíram igualmente ilesos e o motorista assumiu imediatamente a responsabilidade do acidente. Disse que o seguro dele ia pagar. Meno male.
O seguro burocraticamente nos mandava ligar pra polícia pra fazer a ocorrência. Ligamos. Os caras do outro carro ligaram um funk no último volume, e a linda poesia de suas letras nos entretia enquanto esperávamos.
Um transeunte nos alertou para a possibilidade de um novo acidente, se nossos carros continuassem parados no meio da rua sem nenhum aviso. De fato, muitos motoristas passavam buzinando, indignados com o Celta que não andava mesmo com sinal aberto. Adriano fez uma ginástica pra poder pegar o triângulo do meu carro, visto que o porta-malas não abria por fora. A parte traseira direita do veículo tinha ficado bastante danificada, travando a roda e impossibilitando que tirássemos o Celta dali, mesmo empurrando.
Dez minutos depois, passaram por cima do meu triângulo.
A polícia não vinha nem a pau. Ligamos novamente. Disseram que uma colisão sem vítimas era a última das prioridades da polícia. Pensando bem, era mesmo. O que pode ser menos importante? Guerra de almofadas?
Com medo de acabar a bateria do carro, resolveram desligar o funk. Tarde demais. Agora seriam necessários não um, mas dois reboques.
São Pedro julgou que aquele momento era o mais adequado pra começar a chover.
Apareceram dois policiais de nomes muito engraçados. Cadete Sassada e Cadete Kilmer (sobrinho do Val?). Não eram os que a gente tinha chamado, estavam apenas patrulhando, não tinham o material necessário pra fazerem a ocorrência, mandaram a gente ir no batalhão mais próximo. Com dois auto-imóveis à nossa inteira disposição, resolvemos deixar a ocorrência para o dia seguinte, chamar logo o reboque e ir embora dali.
A central do meu seguro fica em São Paulo. Eu tinha que passar zilhares de informações pelo celular, um Nokia 5120 do período pré-cambriano, com a bateria viciada. Custou-me tempo e paciência. O reboque dos outros caras chegou primeiro, e quando vimos estávamos Adriano e eu parados no meio da escuridão da Via Expressa. Isabella, nessa altura, tinha ido pro prédio de uma amiga dela, que ficava do outro lado do Arrudas. A bateria do celular do Adriano também agonizava, e tínhamos que nos comunicar com nossa amiga por gestos e gritos na madrugada. Resolvemos esperar o reboque do lado de lá. Lady Murphy não falha, assim que atravessamos a movimentada Via Expressa vimos a carretinha chegando.
O táxi de volta foi pago pelo meu seguro, mas ainda estou na dúvida se o do outro cara paga por triângulos atropelados.
Volto à vida de Mercedão diariamente por uns tempos, mas não guardo rancor do destino. Há malas que vêm pra Belém. Quem sabe o que poderia ter acontecido se eu tivesse escolhido a esquerda?
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