Made in Sbórnia
A aparente falta de assunto do post anterior não se deve a um esgotamento de idéias puro e simples, mas à pressa que eu tinha de publicar o texto do dia antes de sair. Eram oito horas quando liguei computador pra começar a escrever, sendo que às oito e dez já estava saindo de casa, rumo ao show do Tangos & Tragédias.
Fantástico, fantástico. Poderia me arriscar e dizer que este é o show do ano, mas 1) o ano ainda não findou; 2) não vi tantos shows assim em 2005 pra fazer um ranking respeitável; e 3) trata-se de um espetáculo antigo, que há mais de 15 anos vem percorrendo os teatros brasileiros.
Tangos & Tragédias estreou em Porto Alegre nos anos 80, criado e protagonizado por dois malucos chamados Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky. No show, assumem as identidades de Kraunus Sang, o violinista tímido, e maestro Plestkaya, o dramático tocador de acordeon. Fazem piada com tudo, mantêm a platéia nas mãos, arrancam risadas com meras expressões faciais, explicam a diferença entre baba e cuspe, elogiam os belorizontinos e denigrem a imagem de Vespasiano.
E tocam pra caralho, lembrando Mamonas e Premeditando o Breque na filosofia de misturar humor e música sendo bem-sucedido em ambos. O repertório, no entanto, tem poucas composições próprias da dupla, e é constituído, em sua maioria, por canções famosas de artistas diversos. Temos, por exemplo, a melhor versão de "Meu Erro" que já vi, apenas instrumental no início, e que vai crescendo conforme a platéia começa a cantar junto. Temos "Sozinho" ("Às vezes no silêncio da noite..."), "O Ébrio" de Vicente Celestino, "Trenzinho do Caipira" de Villa-Lobos, e citações engraçadíssimas e absolutamente avulsas de "Xi Bom Bom Bom" e da versão original romena de "Festa no Apê".
As músicas razoavelmente desconhecidas que eles tocam também são um barato. Como "Ana Cristina":
Tô amando loucamente
A tua mãe.
Foi de manhã, eu fui tomar café
Apareceu a véia
Sabe cumé.
Ou "O Drama de Angélica", feita quase que exclusivamente por proparoxítonas, e que bota "Formato Mínimo" do Skank no chinelo:
Assaz artístico
Todo de mármore
Da cor do ébano
E sobre o túmulo
Uma estatística
Coisa metódica
Como Os Lusíadas
E numa lápide
Paralelepípedo
Pus este dístico
Terno e simbólico:
"Cá jaz Angélica
Moça hiperbólica
Beleza helênica
Morreu de cólica"
Ou o momento em que o acordeonista vai pro piano enquanto o violinista assume os vocais e um insólito pandeiro, cantando, jazzisticamente:
I´m truly sorry baby, but this cannot be
I live in Jaçanã
If I miss this train
That leaves now, eleven sharp
Only... tomorrow morning.
Entre as composições próprias, destacam-se o hino nacional do país de onde eles vieram, "Aquarela da Sbórnia", e a dança que a dupla criou e chamou de "O Copérnico". É uma dança onde não se pode mexer as pernas, não se pode mexer os braços, apenas balançar a cabeça freneticamente. Eu estava na primeira fila mas não fui, infelizmente, chamado para dançar o Copérnico no palco. Chamaram um senhor mais velho, um economista que estava do meu lado e uma menina muito tímida que quase morreu de vergonha mas foi obrigada a encenar a palhaçada pra toda a platéia do Sesiminas.
Mais de duas horas depois do início do espetáculo, desceram os dois e foram para o meio do público, tocando e andando, saindo do teatro. Ainda não tinha acabado: seguimos todos a dupla em direção à rampa lá fora, onde tocaram as últimas músicas, "I Shot The Sheriff" e "White Christmas". Ninguém sabia a letra de nenhuma das duas, nem mesmo eles, substituindo os versos por "sabadabada"s e "blim blem blom"s.
Como bem disse Millôr Fernandes no encarte do cd ao vivo do Tangos & Tragédias, "Vejam enquanto eles estão perto. Vão longe".
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