20/12/2010

Crônicas de um estudante de chinês - the next generation

Previously on Boca de Gafanhoto... 
Depois de 1 ano estudando chinês todos os dias na mesma universidade , Lucas decidiu que era hora de mudar de ares. Seguindo a recomendação dos amigos, ele migrou para uma escola particular em Wudaokou 

Terceira temporada – Diqiucun, julho a dezembro/2010 

O esquema da escola Diqiucun – ou Global Village, ou Aldeia Global, como queira – é assim: aulas de conversação, todos os dias, por 90 minutos. Na prática, não é tão diferente das aulas que tive na BLCU: você tem um livro, aprende novos ideogramas a cada lição, escreve ditado, recita os diálogos do texto e tudo mais. O maior diferencial é o tamanho reduzido das turmas, que permite que todos ouçam, sejam ouvidos e, como diria minha avó, destronquem a língua.

Sentamos ao redor de uma mesa, com a professora na ponta comandando a massa. A rotatividade dos alunos é alta. Nesses 5 meses que estudei na Diqiucun, pelo menos 30 pessoas já passaram pela turma, mesmo que o total nunca ultrapasse oito ou nove. Como é uma escola privada e não uma universidade, é muito fácil trocar de classe. Muitos chegam, assistem a uma aula, acham muito difícil ou muito fácil e não voltam nunca mais.

 
Estudantes felizes no site da Diqiucun : é tanto aluno da Coréia que o site é só em coreano. 

Entre meus colegas que já foram embora, incluem-se um japonês de uns 70 anos, um suíço-tibetano (sim, essa mistura existe) e um mexicano que era a cara do Tobey Maguire nos filmes do Homem-Aranha: cabelinho, oclinhos, tudo. Também havia uma coreana de 13 anos, a colega de sala mais nova que já tive depois do ginásio. Ela já estudava chinês há algum tempo e lia os textos com uma fluência quase robótica, sem errar um caractere, mas sem esboçar nenhuma emoção. 

Minha última turma na Diqiuncun apresentava basicamente asiáticos, mas de várias regiões. Tinha um russo alto do extremo leste, que parecia vilão do James Bond nos tempos da Guerra Fria; um indiano com jeitão de George Costanza; e um coreano que usava os dedos para enfatizar os tons das palavras, como se regesse uma orquestra invisível. 

Se minha sala passada na BLCU contava com um panamenho pé-no-saco, o mala da vez foi um coreano de meia-idade. Toda vez que abria a boca, falava por 10 minutos e não deixava a aula fluir. Ele fazia sempre questão de reafirmar sua juventude e detestava quando os colegas o tratavam de forma respeitosa, porque “é a mesma coisa de me chamar de velho” . E ainda dava um jeito de encaixar mulher em todas as frases, não importando o assunto em pauta. Se o texto da lição era sobre o verão, ele falava de mulheres bonitas tomando sol. Se era sobre TV, ele dizia que havia muitas mulheres bonitas trabalhando na televisão. Se eu mencionava o Brasil, então, era batata: “Carnaval! Praia! Mulheres bonitas!” 

O legal dessas aulas com gente do mundo todo é perceber as diferenças culturais nas pequenas coisas. Uma vez, por exemplo, descobri vários equivalentes à expressão “Você fumou maconha estragada?” , que usamos para insinuar que o interlocutor está maluco. Na China, dizem “Você tomou remédio errado?” . No México, “Você comeu cogumelo estragado?”. Na Coréia, “Você tomou veneno de rato?” 

Também tivemos uma aula rápida sobre onomatopéias. Por incrível que pareça, existe um caractere chinês representando cada som, de latidos de cachorro (汪汪, “wang wang”) até o som de uma avalanche (咕噜噜, “gu lu lu”). A água não faz chuááá, mas “hua la la”; o trem não faz piuííí, mas wuuuuu; e os fogos de artifício são descritos por uma burlesca seqüência de “pilipalá, pilipalá!”. 

Começamos a comparar como representávamos esses sons em nossos idiomas, e o coreano mala se empolgou. Começou a bater asas e imitar um galo com sotaque coreano: “Kó-kori-óóóó, kó-kori-óóóó!” . Se tinha uma cena que eu nunca imaginara presenciar, era um coreano de meia-idade cacarejando. 



Bônus extra – A última aula de inglês 

Já falei aqui aqui sobre minha experiência como professor de inglês para adolescentes chineses. Volto ao assunto uma última vez, porque esse capítulo está oficialmente encerrado. Minha primeira aula com uma nova turma foi também a derradeira, já que o americano que ali lecionava anteriormente voltou a ocupar a vaga. Não que eu tenha ficado chateado: dar aulas nunca foi meu forte, ainda mais para capetinhas de 12 anos que estão interessados em tudo, menos em aprender inglês por 3 horas seguidas num horário tão ingrato (sexta-feira, das 17h30 às 20h30). 

Comecei a aula com uma bola fora. Olhei a sala de relance e a primeira coisa que disse foi: “Puxa, como tem menino nessa sala. Vinte alunos e só três meninas!” . Nisso uma garota de cabelo curtinho, quietinha no canto, levantou o dedo e me corrigiu: “São quatro meninas, professor.” 

Depois começamos as apresentações: qual o seu nome, sua idade, o que você gosta de fazer. Cada aluno tem seu nome em inglês, escolhidos por motivos totalmente aleatórios. Cheguei a batizar um deles: 

Ele: “Professor, não tenho nome em inglês.” 
Eu: “Hm, tudo bem. O que você gosta de fazer?” 
Ele: “Gosto de computador.” 
Eu: “Então você vai ser Bill, que nem o Bill Gates. Que tal?” (não me xinguem, tive que pensar rápido.) 

E teve o chinesinho que se levantou meio envergonhado e, entre as risadinhas dos colegas, se apresentou: 

- Professor, meu nome é Obama. 


Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto

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Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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