20/11/2008

A HISTÓRIA DE PARTE II - O MEIO DO FIM

Capítulo 3 - Improvisos, edições e projetos inacabados

O quarto e último dia de filmagens de Parte II - O Meio do Fim começou ainda de manhã, numa aula de Geografia. Sônia, nossa professora, fez uma ponta em duas cenas: na primeira, imitava uma propaganda de curso de inglês onde um professor repetia: "Alguém sabe o que significa isso? Alguém?..."; na segunda, apresentava à turma Billy Nose (ou "Neuse", como ela pronunciou), o agente infiltrado com cara de estudante do primeiro ano. Mateus Isoni, colega nosso na época, fez com a boca o efeito sonoro do sinal tocando.

Voltamos à casa do Léo à tarde, para as cenas finais. Primeiro registramos o epílogo, feito para entrar após os créditos: Pâmela Rebeca, grávida e já com um filho (um rinoceronte de pelúcia da Parmalat embrulhado num pano), combinava um almoço com seu agora esposo Billy Nose e se deparava com um inesperado visitante dentro do banheiro. Surgia na tela a manjada frase "To be continued": era a deixa para a seqüência, nunca produzida. Em seguida filmamos a morte de Wilber, na garagem do prédio, e a perseguição a pé de Billy ao assassino - três takes bastaram para evidenciar o despreparo físico dos atores para cenas de ação como aquela.

A última cena a ser filmada foi também das mais demoradas: a cirurgia no agente Billy Nose para implantar uma câmera em seu cérebro. Para o papel do doutor que o operava, só tinha sobrado eu - e eu, mais do que o Paulo naquela cena da metade do elenco em quinze minutos, não conseguia controlar o riso. É uma cena longa, muito improvisada e completamente non-sense, da disparatada presença do assassino como ajudante do médico às bugiganas que habitavam a cabeça de Billy Nose.

Ao final da maratona, tínhamos duas horas de material bruto para editar num filme ainda sem nome que não podia ultrapassar os 15 minutos. Danielle, a professora de Produção de Vídeo, prometeu marcar pra gente um dia numa ilha de edição, mas antes tentei fazer minhas próprias montagens caseiras. Adriano foi lá pra casa e fizemos os créditos no computador, que ele deletou involuntariamente após horas de trabalho. Resultado: fechamos a lente da câmera e, com a tela toda preta, o Adriano leu os créditos em voz alta ao som de "Alive", do Pearl Jam. Depois juntei tudo, editando de vídeo-cassete pra vídeo-cassete, e ficou uma merda: meu vídeo cortava os primeiros segundos de todas as cenas, tornando aquilo que já não tinha muito sentido numa maçaroca audiovisual sem pé nem cabeça.

Finalmente, no dia 30 de outubro de 2000, pudemos visitar uma ilha de edição de verdade e montar o curta a nosso bel-prazer. Sem mapa de edição nem nada (eu tinha mapeado mas esqueci a folha em casa; só que já tinha visto as fitas tantas vezes que já sabia a ordem de cor), adicionamos trilha - Nirvana, Led Zeppelin, Legião Urbana, Raimundos e Green Day, que pusemos sem esquentar a cabeça com royalties -, os créditos (com o sobrenome da Christiane errado e faltando a Sara, por erro nosso) e o título do filme, o que deu um certo trabalho. Pretendíamos usar o nome 15 Minutos, tamanho máximo que nos era permitido para o curta. Como batemos na casa dos 17 minutos, não fazia mais sentido - e foi coincidência que, no ano seguinte, lançassem um filme de mesmo nome com o Robert DeNiro. Partimos para o plano B: Parte I - O Começo do Fim, assim já no subtítulo. Na hora H, porém, acabamos optando por Parte II - O Meio do Fim, fazendo deste a segunda parte de uma trilogia que seria encerrada por Parte III - O Fim do Fim.

A "première" de Parte II seria feita na Feira de Cultura anual realizada em nosso colégio, junto com os curtas produzidos pelos outros grupos. Haveria até uma votação para premiar o melhor filme, mas chegando no dia... cadê o filme? Ninguém sabia: a professora perdera a nossa fita e não tinha idéia de onde podia estar. Desenterrei uma conversa minha com o Leandro Fabel, pelo saudoso ICQ, que conta mais detalhes:

Lucas Paio: koleh. passaro o filme nosso lá?
Leandro: NAUM!!!!! AKELA FILHA DA P*** ISKECEU U FILME OU PERDEU, SEI LAH!!
Lucas Paio: AH MAS SE ELA NAO DEVOLVER ELA TÁ F*****!!!
Lucas Paio: c viu algum filme? falou com a lindalva? q q c sabe sobre isso?
Lucas Paio: responde
Leandro: eu falei q u filme tava no c* dela !!!!! HAHAHAHAHAHAHAHA
Lucas Paio: fala serio sô
Leandro: falei, cum a fessôra !!! HAHAHAHA
Lucas Paio: desde o começo
Leandro: a fessôra disse q naum sabia onde tava o filme, a thaís buzinô nu ovidu dela ateh.............
Lucas Paio: e aí?
Lucas Paio: o q aconteceu?
Leandro: aí o Fred xegô e perguntô ondi tava a fita, aí eu falei : No c* dela !!! ela soh falô: q isso gente.........eu raxei us biku.........
Lucas Paio: hahahahhahah
Lucas Paio: ou, mas ela falou o q? q perdeu?
Lucas Paio: escreve mais rapido
Leandro: naum, depois passô um compacto, o nosso tava lah, aí naum teve eleiçaum du melhor pq ela dise q vai axah u nossu..............

O letreiro inicial do nosso filme, calcado em A Bruxa de Blair, dizia que "em agosto de 2000, treze adolescentes fizeram um filme totalmente idiota e sem sentido. Três meses depois, as filmagens foram encontradas". Coincidência ou não, em novembro do mesmo ano - três meses depois, portanto, do início das filmagens -, um belo dia o Jorge, faz-tudo do colégio, apareceu com um punhado de fitas no meio de um recreio e entre elas, surpreendentemente, estava o Parte II. Por via das dúvidas, levei comigo antes que desaparecesse de vez.

Apesar de planejadas e até roteirizadas, com falas e tudo, os dois filmes restantes da trilogia "Parte" nunca foram feitos. Parte I - O Começo do Fim mostraria a origem de tudo: a turma, o assassino, a história pregressa de Billy Nose. Parte III - O Fim do Fim traria todo o elenco original de volta por meio da SIGMA ("Sociedade dos Irmãos Gêmeos Malvados"), que reuniria as contrapartes malignas de cada personagem. O Leandro até chegou a fazer um teaser-trailer do Parte III, usando o subtítulo "o Retorno de Sidnélson Prescott", mas o mais próximos que chegamos de uma seqüência foi um filme realizado de improviso em 2003 chamado A Liga da Preguiça. O elenco: Adriano como Batman, Léo como Super-Homem, eu no papel do Robin e o Leandro voltando a encarnar o assassino encapuzado de Parte II. Muitas cenas faziam referência ao nosso curta de 2000 - o personagem que desaparecia e era truque de câmera, a cena de perseguição com o Leandro e o Adriano e, não podia faltar, a revelação do assassino no final.

Já o DVD duplo para colecionadores, com o filme completo, a versão do diretor, o making of de uma hora de duração, erros de gravação, entrevistas atuais com o elenco e os créditos consertados, incluindo o nome da Sara e o sobrenome correto da Christiane, tudo isso ainda são projetos em andamento. Mas consegui, enfim, digitalizar o filme e jogá-lo no YouTube. Sem mais delongas, portanto...

PARTE II - O MEIO DO FIM

Comece por aqui:



E depois assista esse:

16/11/2008

A HISTÓRIA DE PARTE II - O MEIO DO FIM

Capítulo 2 - Pânico, mortes e um boneco de pano



Pânico
era uma referência constante – falo do filme de Wes Craven ("Scream", no original), não de Zurita e sua turma. Pouco mais de dois anos haviam se passado desde a primeira vez que assisti, em vídeo, às perseguições que o mascarado de boca aberta infligia aos estudantes de Woodsboro. Nesse meio tempo, compareci religiosamente às estréias das seqüências no cinema, assisti o primeiro tantas vezes em VHS que ainda hoje sei diálogos inteiros de cabeça, e planejei, com alguns colegas da oitava série, cenas avulsas de uma paródia do filme. Muitas acabariam gerando outras em nosso curta de 2000 - se na idéia inicial teríamos uma ponta do assassino de Eu sei o que vocês fizeram no verão passado errando de filme, a personagem vivida por Ana Carolina Sacco topava com o assassino de Pânico fazendo exatamente o mesmo - e era eu sob a fantasia, usando como arma um inofensivo desentupidor de pia.

De Pânico vieram ainda o nome do personagem do Leandro, Sidnélson Prescott – uma mistura de Sydney Prescott (mocinha interpretada por Neve Campbell) com o Sidnélson, mascote da marca de tênis Rainha, que Leandro usou como pseudônimo nos tempos da M8; e a idéia de todos os estudantes se reunindo para assistir filmes de terror. No nosso caso, era Wilber (personagem do Léo, originado de sua estranha mania de interromper conversas com a pergunta: "Alguém viu o pequeno Wilber por aí?") que convidava os amigos para uma sessão-terror em sua casa. A fita escolhida: O Rei Leão. A cena filmada na casa do Thiago no final do primeiro dia de gravações - todos reunidos na sala de TV, a Thaís gritando "Eles vão matar o Simba" e a Patrícia Fajardo saindo para ir ao banheiro - foi inteiramente refilmada no segundo dia, agora na casa da Sacco, com a adição de numerosos detalhes.

Começava com Verônica e Pâmela Rebeca - codinomes de Sacco e Thaís, respectivamente - chegando à casa de Wilber e encontrando os colegas de escola: Sidnélson Prescott (Leandro Fabel), Laurinha (Patrícia Fajardo, cujo nome de personagem veio de uma obscura piada interna envolvendo uma certa Laurinha Pega-Pega) e Maria (Ana Carolina Furlan, que na verdade nunca foi chamada assim no filme). Em determinado momento, Laurinha vai ao banheiro e torna-se a segunda vítima do assassino malemolente de capuz pontudo, que, desta vez, usa o chuveirinho do banheiro para enforcar a coitada.

O velório de Laurinha contou com um dos maiores méritos da equipe de direção de arte do filme: o caixão da vítima. Ficou um pouco torto, é verdade, mas poucos espectadores percebem que aquilo se trata, na verdade, de uma disfarçada tábua de passar roupas. É no velório que o assassino aparece novamente e mata Sidnélson, personagem do Leandro. A cena em que eles descobrem o cadáver de Sidnélson, de olhos virados e catchup na boca, foi uma das mais demoradas. César dizia: "Porra, como é que morre gente nesse filme", e o Paulo deveria retrucar: "Lógico, tem que morrer metade do elenco em menos de15 minutos...", mas, take após take, não conseguia segurar o riso. A cena acabou entrando só com a fala do César.

Esse segundo dia aconteceu na primeira semana de agosto de 2000, e depois disso as gravações foram interrompidas sem previsão de volta. Me foge à memória o motivo dessa pausa - mas achávamos que o filme fosse ficar pra sempre inacabado, porque as cenas que demoraram duas tardes pra ficarem prontas não davam nem metade da história.

Finalmente, na última semana do mês, voltamos para mais dois dias de filmagens, tendo como locação a casa do Léo. Começamos com a longa cena da festa que encerrava o filme e matava mais um bocado de gente. Nesse ponto, aliás, já tinham morrido tantos que faltava quórum para a festa. A solução foi colocar perucas nas vítimas, no delegado e nos detetives, para que fizessem as vezes de figurantes. Entre os mortos da tarde, tivemos a Sara, no papel da Professora Helena (qualquer relação com Carrossel terá sido meramente proposital), que morre rindo; Verônica (Ana Carolina Sacco), que se recusava a contar à amiga Pâmela quem tinha feito aquilo com ela; e o Léo, este só na fala do Adriano, que saía para procurar quem ele considerava o principal suspeito e voltava com a bomba: "O Wilber morreu".

Era a hora da revelação do assassino. Com Pâmela Rebeca presa em um braço, com o outro ele tirava o capuz pontiagudo e declarava: "Sou eu, Sidnélson Prescott". Perplexidade geral: "Ué, mas você não tinha morrido?!", e ele, triunfante: "Claro que não. Era um boneco". E cortava para a cena de flashback, filmada em preto e branco na casa da Sacco, repetindo a descoberta do cadáver de Sidnélson pelos outros personagens. Só que, desta vez, era Zé, boneco de pano feito pela minha avó, que jazia inerte em seu lugar, com uma peruca na cabeça. Voltávamos ao presente e finalmente Sidnélson, após levar uma pancada de Pâmela Rebeca, tinha o que merecia - mas não sem antes voltar à vida por um breve momento para o último susto. Terminava a cena que encerrava o filme, terminava o terceiro dia de filmagens e terminava também mais uma fitinha lotada de material, entre erros, palhaçadas e cenas utilizáveis, o que daria um trabalhão pra editar depois. E ainda faltava coisa pela frente.

(Continua...)

15/11/2008

A HISTÓRIA DE PARTE II – O MEIO DO FIM

Capítulo 1 - A aula, o roteiro e o primeiro dia de filmagens

O nome da matéria era monstruoso: Empreendedorismo. Na prática, assustava bem menos do que as camadas eletrônicas da Química ou as famigeradas mitocôndrias da Biologia. Eram vários módulos: Jornalismo, Teatro, Técnicas de Pesquisa. Em cada um, um professor diferente. O terceiro módulo tinha uma professora algo picareta e razoavelmente mobral, mas o nome – “Produção de Vídeo” – e o projeto do bimestre – claro, a produção de um vídeo – nos pareciam promissores.

O trabalho era em grupo e o nosso era enorme, nada menos que 13 pessoas. Ainda assim, não houve muita discussão a respeito do tema do nosso filme: faríamos uma paródia de filmes de terror. Parece batido hoje, mas em julho de 2000 nem o primeiro Todo Mundo em Pânico tinha estreado ainda. E nossa idéia vinha de muito tempo: na sétima série, tentamos produzir A Mão Sangrenta, um thriller telefônico; na oitava, esboçamos cenas de Massacre na Turma 801, última parte de uma trilogia de sátiras escolares, e de Pânico Versão Fundo de Quintal, refilmagem sweded do terror juvenil que era fenômeno no fim da década. Nenhum desses projetos vingou, talvez por não termos uma desculpa tão boa para realizá-los quanto um obrigatório trabalho escolar. Daquela vez, porém, ia dar certo.

O primeiro esboço do roteiro data de 5 de julho de 2000 e foi escrito lá em casa por mim e pelo Adriano, no mesmo quartinho onde, meses antes, tínhamos arquitetado o site da turma que nos levara a três dias de suspensão. O roteiro em questão nada mais era do que cinco cenas resumidas e um bloco gigante de texto marcado como “resto da história”. Muitas coisas que estão no filme pronto já apareciam ali – a loira que morre no começo, os detetives Jack Jackson e John Johnson, a turma de adolescentes assistindo a aterrorizantes desenhos da Disney, a personagem que morre no banheiro, o agente secreto infiltrado no meio da turma, a festa no final seguida de chacina. Outras, como os trailers de seqüências de filmes de terror (“O Sétimo Sentido”, “Sábado 14”, “Eu não esqueci o que vocês fizeram no verão passado”), morreram no papel. Até o fim das filmagens, teríamos mais 3 versões do roteiro – nenhuma delas completa, com diálogos, rubricas e plot points bem marcados, como manda Syd Field, mas esquemas de três ou quatro linhas que davam a origem a intermináveis improvisos. Foi assim, com duas folhas grampeadas, uma filmadora com a bateria capenga e várias idéias pela metade na cabeça, que iniciamos o primeiro dia de filmagem, no início de agosto, na casa do Thiago Ursini.

Todos os dias de gravação começariam da mesma forma, está tudo registrado no making of: gente andando de lá pra cá sem ter o que fazer, garotas demorando horas pra trocar de roupa e maquiar enquanto os meninos tentavam inutilmente espiar os bastidores pela fechadura, todo mundo vestindo a roupa do assassino, o Adriano reclamando que eu estava filmando demais e que a bateria poderia acabar antes das gravações, tombos, risadas, brincadeiras. Some-se a isso a falta de experiência de 13 adolescentes tanto como elenco quanto como equipe de produção, e quando o relógio marcava cinco da tarde pouco tínhamos avançado nas filmagens.

A primeira cena feita seria a primeira a aparecer no filme: Camila, vivida pela Christiane, chega em casa depois de uma festa e adormece no sofá; um sujeito desajeitado vestindo uma roupa preta invade a casa, persegue a garota e a esfaqueia com uma faquinha minúscula; Camila cai de bunda pela escada e morre. A roupa preta com capuz pontudo à la Ku Klux Klan tinha sido feita pela minha avó Lulu, dois anos antes, para um filme que eu faria com meus primos, intitulado O Homem do Castiçal. Foi mais um projeto abandonado, mas a roupa acabou caindo bem no assassino do nosso curta.

Depois dos vários takes da cena inicial – que precisou de metade do elenco segurando cobertores perante as janelas, pra tapar a luz e fingir que era noite –, partimos para as duas cenas da delegacia. Seguíamos o clichê: todo filme de terror juvenil tinha a loira que morria no começo e depois a cena da delegacia, apresentando os detetives encarregados do caso. O nosso delegado era o delegado Peixoto – o nome eu tirei do livro A Caveira Assassina, um livro inacabado que venho adiando desde 1997 – e era o Thiago Ursini que o interpretava, com terno, cigarro e walkie-talkie. Os detetives Jack Jackson e John Johnson (nenhum parentesco com o Jack Johnson) eram Paulo e César, respectivamente. Numa das aulas de Produção de Vídeo pré-produção do vídeo, essa era a cena que havíamos ensaiado na presença da professora; lembro que ela dera atenção especial à pisada que o Thiago daria quando jogasse o cigarro no chão.

Da cena dois, fomos à cena sete, que marca a primeira aparição do Adriano como o agente Billy Nose - o nome foi escolhido na hora, em referência ao nariz avantajado do intérprete - e um (d)efeito especial calcado em Missão Impossível. A seqüência acontecia na mesma delegacia e aproveitamos o cenário montado na garagem da casa do Thiago (leia-se: mesa com toalha xadrez e cadeira) para não termos que voltar lá depois. Gravar cenas fora de ordem é a regra na maioria dos longas, por logística pura e simples; só que em filmes como nossos, gravados sem roteiro finalizado, é óbvio: dá margem a inevitáveis e inumeráveis erros de continuidade.

Nesta cena, por exemplo, o delegado Peixoto alega ter recebido uma revoltante informação: "mais uma morte, no mesmo grupo". Só que, na cena anterior, ele aparece presenciando o tal assassinato. Amnésia do delegado ou distração dos produtores? Seja como for, uma vez contei, um, a um os erros que encontrava no filme, das risadas involuntárias dos figurantes às grotescas falhas de continuidade. Foram mais de noventa.

(Continua...)

12/11/2008

Bits e átomos

Onze de novembro de dois mil e oito vai ficar marcado como o dia em que troquei de celular. Sim, meu pré-histórico Nokia 5120 foi substituído após dez longos anos de uso. Não que tenha estragado. Ainda funciona bem, e o sinal às vezes é melhor do que muitos modelos modernosos. Só que a bateria, já capenga, não dura uma ligação inteira mais. Daí não teve jeito: tive que ceder ao século XXI.

Tenho consciência de que nunca mais vou ter um celular que durará dez anos. Nem cinco - hoje em dia as coisas pifam com dois ou três e olhe lá. É o imediatismo contemporâneo: antigamente se comprava um disco com muito custo e ele durava uma eternidade; hoje você baixa um álbum em dez minutos, mas aperta um botão e ele some pra sempre. O que vem fácil, vai fácil. Que o diga meu HD de 80 giga, que foi pro saco em setembro por razões misteriosas. Datilografasse eu direto em Olivettis e papéis Chamex, não teria perdido quase todos os textos que escrevi no ano. Ok, eu poderia ter impresso tudo, mas isso só comprova a tese da fragilidade do mundo digital. Um arranhão e lá se foram os vídeos de aniversários e casamentos que você passou de VHS pra DVD. Um raio e suas fotos acumuladas no computador, que você estava esperando juntar pra revelar tudo de uma vez, nunca mais serão vistas por ninguém. Daqui a duzentos anos, os arqueólogos em busca de relíquias do passado encontrarão negativos Kodak, vinis de Simon & Garfunkel, fichas de orelhão e joysticks de Super Nintendo, e concluirão que o tempo não passou - quando, na verdade, passou foi rápido demais. E do fundo da pilha de escombros ainda se ouvirá, baixinho, o Jolly Fellow monofônico vindo de um 5120, e os arqueólogos comentarão, saudosos de uma época que não viveram: isso é que era celular.

06/11/2008

A velha, o coronel e o gogo-boy aposentado



Começou com uma frase prosaica: "Antônio levantou-se, abriu a janela, e viu Maria lá embaixo, à espera". O desafio era, a partir dela, escrever o capítulo inicial de um folhetim em 10 partes. Eram dez também os concorrentes: só entrava no páreo quem tinha texto publicado na piauí em 2007, no concurso literário "encaixe a frase" - meu conto, que selava o destino da pobre Mirela, foi publicado em novembro do ano passado. E cada vencedor ainda levava oitocentos merréis para gastar com mulheres e bebidas.

Missão aceita, pus-me a escrever. Fiz o meu capítulo I seguindo uma sugestão de meu pai, que viu na frase uma possibilidade de narrar a chegada de Augusto Paio, seu progenitor, ao Brasil. Queria ganhar logo no primeiro mês porque seria o texto a pôr no mundo os personagens e dar o tom da história. Nada feito: o vencedor foi o cearense Ciço Léo, cujo Antônio era um ex-gogo-boy vivendo em companhia de Maria de Maria, velha viúva do famigerado coronel Mergulhão. A maior das penúrias que ele tinha de viver era dormir com a velha debaixo da cama - daí o apropriado nome escolhido para o folhetim, "A Velha Debaixo da Cama".

O capítulo seguinte deveria continuar o texto publicado. Foi o que fiz em meu capítulo II, dando prosseguimento à fuga de Antônio das garras de Maria e matando precocemente a velha no final. Na história vencedora, de Rodolfo Viana, ela continuou vivinha e Antônio nem chegou a fugir, impelido a ficar depois de receber um enigmático envelope. Rodolfo privou os leitores de conhecer o remetente da carta e me pôs em maus lençóis: passei dias imaginando quem seria o misterioso autor da missiva até resolver descambar de vez para a bobagem. No meu capítulo III, o pacote trazia a nova edição da assinatura da revista Fuxicos & Fofocas, da qual Antônio era fã confesso - como ele poderia dar no pé e não poder mais ler semanalmente sobre a vida dos famosos? O texto escolhido pela piauí, de Cláudio Parreira, ressuscitava o ex-finado Coronel Mergulhão e dava a Antônio uma proposta para pensar: se desistisse de fugir e ficasse, fazendo Maria sofrer mais a cada dia, receberia uma fortuna de 10 milhões em dinheiro vivo.

Pus a velha pra sofrer em meu capítulo IV, onde Antônio tentava com todas as armas transformar Maria num trapo triste e miserável, a um passo do suicídio. Já o Franco Neviani, autor do capítulo vencedor, colocou Antônio à procura de alguma foto do coronel Mergulhão, até o momento em que ele olha a foto, olha o espelho e percebe uma semelhança que nunca tinha lhe passado pela mente. No meu capítulo V, Mergulhão finalmente apareceu, velho e morando num porão suspeito. Enviei pra redação da piauí nos acréscimos do segundo tempo, quase estourando prazos e números de caracteres, e qual não foi minha surpresa ao ver no site da revista: "O vencedor do Capítulo V é um mineiro de Belo Horizonte, Lucas Paio. Enviou seu texto na penúltima hora, quando já se dava como certa a vitória de outro candidato aos 800 reais do Bolsa-piauí com que a revista beneficia o melhor escriba do mês".

Pelas regras do concurso, não participei do capítulo VI, cujo autor foi Rodolfo Viana, agora bicampeão. Voltei no capítulo VII, em que botava Maria e Antônio para planejar o assassinato Mergulhão. Já o capítulo VII vencedor, novamente de Franco Neviani, ia por outros caminhos e dava a Mergulhão um fim que ele não esperava.

Perdi o prazo do capítulo VIII, que deu o tricampeonato a Rodolfo Viana, e do capítulo IX, que foi vencido por Ciço Léo e terminava com Mergulhão ainda morto, Antônio trancafiado na cadeia e Maria morta de remorso, saindo de casa após um ano inteiro de reclusão, com a intenção de fazer uma visita. Depois de tantos bicampeonatos, achei que conquistaria também o meu e fecharia a história do jeito que imaginara desde janeiro, ao escrever o capítulo I. Mas, dos sete na disputa, foi o niteroiense W. Surtan quem levou o caneco do capítulo X - merecido, claro, como o foram Ciço, Rodolfo, Cláudio, Franco e os outros que não levaram, mas competiram com classe (como Hemetério, que fez até história em quadrinhos). Fundamos comunidade no orkut - procure por "leitores escribas da piauí" - e fica a expectativa de um convite da revista para um jantar de gala no Rio de Janeiro com os dez participantes, quem sabe?

Quanto a mim, terminaria a história desse jeito:

A Velha Debaixo da Cama
Capítulo X - Réquiem

Ele rumina mais um pedaço da broa de fubá e sentencia: ficou ótima. O aconchego da cadeira de palha e o ar parnasiano que entra pelas janelas do sobrado são tudo o que ela precisava, depois de tanto tempo. Faz o mesmo tanto que eles não se vêem, e não são boas as memórias que têm daquela última vez: ela entregue a um sexo selvagem totalmente desatinado, ele no chão, levando coronhadas. É nítido que envelheceram, e isso que velhos já estavam e muito. Mas, se antes um mantinha uma cômoda rotina de bon vivant em seu bunker luxuoso sob o quarto de dormir, e a outra tinha um amante a quem tanto lhe aprazia espezinhar, agora sofriam os resultados de tanta reclusão; a dela física, enfurnada em sua amuralhada casa-zôo, a dele fisiológica, eremita de si mesmo, num coma cárus que durara um ano. Como que acostumados, preferem o silêncio. Ele evita insistir na mesma tecla e maldizer Gervásio, sujeito exagerado, a quem pedira só um desmaio e não um traumatismo de tamanho tal. Não se dá ao trabalho de queixar-se do período que perdera e de todos os fatos importantes que não pudera presenciar, do honroso segundo lugar do Íbis no campeonato nacional ao retorno triunfal de José Sarney à Presidência da República. Tampouco quer saber qual foi a reação do povo ao defunto risonho e ceroso que descansava no ataúde: admirava o escultor mas achara a obra de um mau gosto ímpar, e na próxima farsa preferia ser cremado. Não: ele não diz nada, e ela não faz perguntas – não é para isso que estão ali. Quando só restam farelos na travessa da broa e a derradeira gota do café pingado jaz fria no fundo da xícara, ele abre um sorriso debaixo do bigode vasto. Desta vez é um sorriso autêntico, e ela sabe. Tanto que emenda: então vai ser isso mesmo? E ele: é. Parece um jeito bom de passar o tempo que a gente ainda tem. Além do mais, tenho certeza de que ele vai gostar. Olho no olho, tratam-se carinhosamente: Maria, sua sórdida. Plínio, seu sujo. Só não se beijam porque na idade deles soaria ridículo, mas é como se fosse.

Antônio esfregou os olhos e viu a cela aberta. À sua frente, um homem de uniforme; nas mãos, um envelope. Arruma suas coisas que já tão te esperando, disse o homem antes de virar as costas. Antônio olhou intrigado o invólucro pardo e notou o logotipo familiar: L'Île de La Tentation. Apressado, leu a missiva. Era um aviso – o cabaré agora estava sob nova administração – e um convite expressamente irrecusável – os novos donos receberiam Antônio Euclides de braços abertos para a aguardada retomada de sua carreira artística; em outras palavras, Conan, o Bárbaro, voltaria a rebolar no queijo. Já estavam todos avisados do equívoco que o levara às férias forçadas, dizia a carta; os tempos de dormir em cantos de celas ou debaixo de camas viravam passado. Dois garranchos assinavam o rodapé, mas nem seguindo o traço com atenção Antônio pôde decifrar os nomes. Olhou para a porta da cela destrancada e o homem de uniforme que o apressava; olhou de volta a carta, assombrado. Compreendeu enfim. Antônio levantou-se, abriu a janela, e viu Maria lá embaixo, à espera.

Quem

Lucas Paio já foi campeão mineiro de aviões de papel, tocou teclado em uma banda cover de Bon Jovi, vestiu-se de ET e ninja num programa de tevê, usou nariz de palhaço no trânsito, comeu gafanhotos na China, foi um rebelde do Distrito 8 no último Jogos Vorazes e um dia já soube o nome de todas as cidades do Acre de cor, mas essas coisas a gente esquece com a idade.

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