Brincadeira de adulto: um papo com Sam Voutas, diretor de Revolução da Luz Vermelha
Esta semana me encontrei com o Sam pra saber mais sobre esse filme. Não é todo dia que se vê um estrangeiro fazendo cinema na China, ainda mais com um tema desses. Acabei descobrindo que a relação do Sam com o país vem de criança. Ele morou aqui por dois anos na década de 80, mais um tanto nos anos 90, até que voltou em 2004 e se estabeleceu de vez em Beijing. Foi vendo a transformação radical pela qual a cidade passou nessas três décadas que ele teve a idéia de usar as lojas de “brinquedos adultos” como pano de fundo para um roteiro.
Os três atores principais: Zhao Jun, Vivid Wang e a boneca Candy.
A quantidade de sex shops espalhadas por Beijing também já me chamou a atenção. Para quem imagina uma China conservadora e recatada, ver uma lojinha dessas em cada esquina é uma grande surpresa. São duas mil só na capital. A China também fabrica 70% dos brinquedos sexuais vendidos no mundo, e existe até uma feira de produtos do tipo com um nome genial: Shanghai Sexpo.
O roteiro de Sam, sobre um chinês desempregado que decide apostar as fichas no mercado erótico, foi indicado a Melhor Roteiro Inédito no prêmio australiano Inside Film Awards. Foi aí que ele e a produtora (que convenientemente também é sua namorada) decidiram tirar o Red Light Revolution do papel. A maior parte da grana saiu de seus próprios bolsos – Sam já atuou em vários filmes chineses e é adepto da Escola John Cassavetes de investir o salário de ator nas próprias produções. Melhor do que seguir a Escola Robert Rodriguez e fazer dinheiro submetendo o corpo a exames médicos suspeitos.
Ainda assim, o filme não teria sido feito não fosse o patrocínio de uma fabricante de produtos eróticos. Eles cederam à produção uma quantidade imensa de “brinquedinhos”, de artigos sadomasoquistas a membros de borracha. Também doaram um estoque considerável de bonecas infláveis, incluindo várias baseadas em atrizes pornôs famosas e até uma sereia (!). Parece que existe um boneco inflável do Obama (!!) sendo vendido por aí, mas não conseguiram um desses para o filme.
Pau-pra-toda-obra.
Foram 27 dias de filmagem em Beijing, com uma equipe e elenco 90% chineses. Como Sam mora aqui há bastante tempo, a comunicação não foi difícil. Problema mesmo era o clima. No último dia de gravação, que seria uma cena externa, veio a neve e avacalhou tudo. Não dá nem pra dizer que foi culpa de São Pedro: tratava-se da neve de 31 de outubro de 2009 , provocada pelo próprio governo chinês. Duas semanas esperando a neve nas ruas derreter, reuniram o elenco, montaram todo o equipamento... e nevou de novo. Fica a lição: melhor deixar as externas para o verão.
Seis meses de edição depois, Red Light Revolution estava pronto. Mas e aí? O que se faz com um filme pronto na China? Exibir nos cinemas normais, sem chance. Se já é quase impossível no Brasil, com todas as picuinhas de distribuição, na China é preciso passar pelo crivo do governo. Teoricamente, todos os filmes exibidos nos cinemas chineses devem ter classificação livre – e não acho que verão com bons olhos uma comédia que tem membros de borracha balançando pra cá e pra lá o tempo todo. A saída é tentar os festivais de cinema independente, que é o que o Sam vem fazendo.
O primeiro festival que selecionou Red Light Revolution , vejam só, foi a Mostra de São Paulo. Sam zarpou com a namorada para o Brasil e passou três semanas entre passeios, caipirinhas e sessões de seu filme. Foram 4 exibições, duas delas com bilheteria esgotada e, ao que parece, boa recepção do público, mesmo com todas as diferenças culturais de uma comédia chinesa falada em mandarim.
O diretor e a produtora na Mostra São Paulo.
E aí resta a pergunta: que fim levaram todos os objetos doados para a produção? Bom, grande parte foi distribuída entre a equipe e o elenco, inclusive os atores da terceira idade. Mesmo assim, a casa do Sam continua abarrotada de brinquedinhos que o papa não aprovaria. Se você quiser, siga o Red Light Revolution no MySpace ou no Twitter e peça pro Sam.
Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto
Beijing , Boca de Gafanhoto , China , cinema