Brincadeira de adulto: um papo com Sam Voutas, diretor de Revolução da Luz Vermelha
Pra você ver como são as coisas. Há alguns meses, recebi uma ligação do Sam, um australiano que também deu aulas de inglês na escola onde trabalhei. Ele tinha feito um filme chamado Red Light Revolution , queria inscrevê-lo num festival brasileiro e precisava traduzir o título. “Deve ser um curta de teor histórico”, imaginei, e respondi que devia ser “Revolução da Luz Vermelha”. Meses depois, estava dando uma olhada na programação da 34a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo quando o nome do longa-metragem Revolução da Luz Vermelha me pareceu bem familiar. Estava lá: dirigido por Sam Voutas, o filme é a primeira comédia chinesa sobre sex shops. Perdi a chance de batizá-lo de “Uma Sex Shop Muito Louca”.
Esta semana me encontrei com o Sam pra saber mais sobre esse filme. Não é todo dia que se vê um estrangeiro fazendo cinema na China, ainda mais com um tema desses. Acabei descobrindo que a relação do Sam com o país vem de criança. Ele morou aqui por dois anos na década de 80, mais um tanto nos anos 90, até que voltou em 2004 e se estabeleceu de vez em Beijing. Foi vendo a transformação radical pela qual a cidade passou nessas três décadas que ele teve a idéia de usar as lojas de “brinquedos adultos” como pano de fundo para um roteiro.
Esta semana me encontrei com o Sam pra saber mais sobre esse filme. Não é todo dia que se vê um estrangeiro fazendo cinema na China, ainda mais com um tema desses. Acabei descobrindo que a relação do Sam com o país vem de criança. Ele morou aqui por dois anos na década de 80, mais um tanto nos anos 90, até que voltou em 2004 e se estabeleceu de vez em Beijing. Foi vendo a transformação radical pela qual a cidade passou nessas três décadas que ele teve a idéia de usar as lojas de “brinquedos adultos” como pano de fundo para um roteiro.
Os três atores principais: Zhao Jun, Vivid Wang e a boneca Candy.
A quantidade de sex shops espalhadas por Beijing também já me chamou a atenção. Para quem imagina uma China conservadora e recatada, ver uma lojinha dessas em cada esquina é uma grande surpresa. São duas mil só na capital. A China também fabrica 70% dos brinquedos sexuais vendidos no mundo, e existe até uma feira de produtos do tipo com um nome genial: Shanghai Sexpo.
O roteiro de Sam, sobre um chinês desempregado que decide apostar as fichas no mercado erótico, foi indicado a Melhor Roteiro Inédito no prêmio australiano Inside Film Awards. Foi aí que ele e a produtora (que convenientemente também é sua namorada) decidiram tirar o Red Light Revolution do papel. A maior parte da grana saiu de seus próprios bolsos – Sam já atuou em vários filmes chineses e é adepto da Escola John Cassavetes de investir o salário de ator nas próprias produções. Melhor do que seguir a Escola Robert Rodriguez e fazer dinheiro submetendo o corpo a exames médicos suspeitos.
Ainda assim, o filme não teria sido feito não fosse o patrocínio de uma fabricante de produtos eróticos. Eles cederam à produção uma quantidade imensa de “brinquedinhos”, de artigos sadomasoquistas a membros de borracha. Também doaram um estoque considerável de bonecas infláveis, incluindo várias baseadas em atrizes pornôs famosas e até uma sereia (!). Parece que existe um boneco inflável do Obama (!!) sendo vendido por aí, mas não conseguiram um desses para o filme.
Pau-pra-toda-obra.
Foram 27 dias de filmagem em Beijing, com uma equipe e elenco 90% chineses. Como Sam mora aqui há bastante tempo, a comunicação não foi difícil. Problema mesmo era o clima. No último dia de gravação, que seria uma cena externa, veio a neve e avacalhou tudo. Não dá nem pra dizer que foi culpa de São Pedro: tratava-se da neve de 31 de outubro de 2009 , provocada pelo próprio governo chinês. Duas semanas esperando a neve nas ruas derreter, reuniram o elenco, montaram todo o equipamento... e nevou de novo. Fica a lição: melhor deixar as externas para o verão.
Seis meses de edição depois, Red Light Revolution estava pronto. Mas e aí? O que se faz com um filme pronto na China? Exibir nos cinemas normais, sem chance. Se já é quase impossível no Brasil, com todas as picuinhas de distribuição, na China é preciso passar pelo crivo do governo. Teoricamente, todos os filmes exibidos nos cinemas chineses devem ter classificação livre – e não acho que verão com bons olhos uma comédia que tem membros de borracha balançando pra cá e pra lá o tempo todo. A saída é tentar os festivais de cinema independente, que é o que o Sam vem fazendo.
O primeiro festival que selecionou Red Light Revolution , vejam só, foi a Mostra de São Paulo. Sam zarpou com a namorada para o Brasil e passou três semanas entre passeios, caipirinhas e sessões de seu filme. Foram 4 exibições, duas delas com bilheteria esgotada e, ao que parece, boa recepção do público, mesmo com todas as diferenças culturais de uma comédia chinesa falada em mandarim.
O diretor e a produtora na Mostra São Paulo.
E aí resta a pergunta: que fim levaram todos os objetos doados para a produção? Bom, grande parte foi distribuída entre a equipe e o elenco, inclusive os atores da terceira idade. Mesmo assim, a casa do Sam continua abarrotada de brinquedinhos que o papa não aprovaria. Se você quiser, siga o Red Light Revolution no MySpace ou no Twitter e peça pro Sam.
Publicado originalmente no Boca de Gafanhoto
Beijing , Boca de Gafanhoto , China , cinema
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